desfazer uma associação; desunir(-se), separar(-se), dissolver(-se)…
Ao contrário de todas as outras vezes, dessa vez eu sei por qual motivo escrevo e para quem escrevo. Eu nunca acompanhei a banda One Direction, mas quando eu soube do falecimento do Liam Payne e vi as famosas homenagens, isso me afetou de alguma forma, nós tínhamos quase a mesma idade e mesmo eu não o acompanhando não consegui não me importar.
Para todos que já se perderam de alguém que precisava ser encontrado…
Eu não me lembro quando você começou a gritar, quando suas lágrimas caíram pela primeira vez ou quando seu sorriso tão expansivo começou a se fechar. Eu me lembro do seu abraço apertado e de como você me acalmava em silêncio, mesmo quando tudo que eu queria era solidão.
Você sempre foi melhor lidando com dores, seu abraço sempre foi abrigo, suas palavras acalento, sua companhia sempre foi calmaria, você que sempre dizia o que sentia, repentinamente tinha ficado em silêncio antes mesmo de todo nosso mundo escurecer, não vai ter abraço, acalento e calmaria, tudo que vai ter é um silêncio ensurdecedor e soluçante.
Eu queria ter te olhado da mesma forma como você sempre me olhou, queria ter percebido suas fugas, queria ter entendido o quão fragmentado você se fez para atender a tantas expectativas, eu queria ter te conhecido por inteiro, você se partiu em tantos para se proteger, separou seu tempo, seus limites, criou uma persona que aparecia sempre que preciso para te proteger de si mesmo, até que tudo se quebrou e você não voltou, nenhuma parte sua voltou…
É tão desesperador que me sinto egoísta, eu te conhecia, sabia seus gostos, seu ritmo, suas manias, mas ainda assim não consigo pensar no que não conhecia você tão bem assim. Não me lembro quando suas pausas em nossas conversas começaram a ficar muito longas, você parecia pensar na vida, em uma vida que não tinha mais volta. Mas eu agora também queria que voltasse.
Talvez eu tenha sido negligente, talvez eu tenha pensado que tudo era reflexo da nossa vida corrida e da nossa falta de tempo, talvez eu esteja tentando me enganar e sanar a culpa que eu sinto. São tantas alternativas que me sinto impotente, afinal não adianta pensar em tudo que nunca aconteceu, em algum momento eu me perdi de você, perdi seu choro, sua angústia, seu pedido de socorro.
Eu fecho meus olhos e penso em tudo que passou na sua mente naquele momento, refaço seus passos milimetricamente; eu choro, sorrio e me culpo, é um loop que passou a me atormentar, você não me disse nada quando perguntei. Desculpa se parece que estou te culpando, mas você não disse e eu não soube interpretar seu silêncio, suas pausas e sua constante saudade.
Eu me sinto culpado, e talvez tudo que eu faça seja para aliviar minha culpa, se tivesse te encontrado, ficado ao seu lado, te abraçado até tudo ficar bem, se eu soubesse te entender, como você me entendeu, talvez você ainda estivesse aqui.
Tudo que sinto agora é essa angústia que esmaga meu peito, é um acúmulo que dilacera o que sinto e me deixa sem saber como reagir. Eu fico pensando em como você estava, como se sentiu, se queria conversar, eu não consigo parar de pensar em tudo que eu sempre quis te dizer e nunca falei.
A dor que sinto é dilacerante e parece retirar cada órgão do lugar, queima, confunde e se espalhar, tudo que resta são as lágrimas, é um choro que deixa de ser contido, que busca por consolo, que busca migalhas de entendimento, que busca respostas, respostas que nós sabemos que eu não terei. Eu me pergunto se essa dor que sinto chega perto da dor que você sentiu, se eu te fiz sentir algo parecido, se você me perdoou por tudo que eu deveria ter sido e não fui.
Você partiu tantas vezes e de tantas formas que eu não acreditei que você realmente iria embora algum dia, deveria ter sido mais atento, ter te olhado como tantas vezes você me olhou, eu queria não ter que me despedir, não ter que acordar, não ter que dizer adeus ou acreditar que nosso último abraço foi tão rápido, que o até logo foi para sempre, que tudo se foi como o vento.
Eu não me lembro a última vez que eu ouvi sua voz, não me me lembro quando escutei seu riso pela última vez, não me lembro se eu disse tudo que sentia sobre você, não sei se te agradeci por tudo que você fez, não sei se te abracei por tempo suficiente para que soubesse o quanto foi amado.
Por tanto amor, por tanta emoção A vida me fez assim Doce ou atroz, manso ou feroz Eu, caçador de mim
(Luiz Carlos Sá / Sérgio Magrão)
Aos que sentem aquela sensação tão infame de casa cheia e coração vazio, deixo meu abraço, meu afeto e meu silêncio para que tudo fique bem….
Constantemente me faço uma pergunta, “o que me machuca?”, e não tenho uma resposta, não é como se eu fosse um super herói ou algo assim, na verdade estou bem longe disso, busco todos os dias por algo ou alguém que me salve. Não sei o que me machuca e nem como me machuca, e isso me faz viver em constante ansiedade esperando a próxima vez que uma agulha afiada irá perfurar minha pele.
Vivo constantemente esperando por uma solução que a cada dia parece mais distante, sempre foi assim, desde pequeno meu choro sempre foi inexplicável, era mais fácil dizer que o joelho estava machucado do que tentar explicar a verdadeira razão do choro engasgado diante a tantos olhares que não me compreendiam, sempre foi complicado, só que antes era mais fácil criar desculpas.
Fui crescendo, as desculpas acabando e a dor aumentando de forma tão escalonada que não conseguia me controlar, me machuco muito fácil, no início ninguém percebe, só percebem quando não dá mais para controlar, quando menos espero uma súbita dor atravessa o meu corpo, é como se um copo estivesse quebrado e eu pisasse nos estilhaços sem perceber, eu sou um desastre, por onde passo deixo as marcas da minha destruição, o sangue se espalha, são marcas difíceis de limpar e isso é perverso demais, se eu olho para trás eu ainda às encontro, me lembrando do tamanho da minha imperfeição.
É fácil de me machucar, às vezes uma fala errada, um obrigado inexistente, um adeus que aconteceu rápido demais ou um até logo que nunca voltou, tudo e todos parecem como uma faca apontada para mim, pronta para vir em minha direção a cada falha. Eu não sei lidar com as minhas falhas, é como se tudo sempre fosse culpa minha, se não ficaram era porque eu não fui interessante ou suficiente, se não agradeceram é porque não fui essencial, se não se despediram é porque não farei falta, e assim por diante…
É sempre assim, não consigo me afastar dos gatilhos que me fazem sentir o que sinto, eu fico, eu simplesmente fico até não conseguir controlar tudo que sinto, até tudo transbordar de maneira irremediável, não queria ser assim, queria entender os motivos de as vezes parecer que faço de propósito, que insisto de propósito, que espero… Eu sempre espero, espero impacientemente por algo que não vou ter, que não vai voltar e que não vou tocar. Minhas mãos tremem a cada constatação das minhas certezas, eu não vou ter, mas ainda assim espero.
Não queria ser assim, não queria ter que lidar com algo que não sei explicar, eu não sei explicar por qual motivo o mundo parece parar de girar toda vez que essa agulha perfura meu peito sem aviso prévio, ou por qual motivo parece que ela rouba meu ar e retira toda minha força, é solitário, ninguém parece ligar para essa dor que corta meu corpo.
Por mais que eu procure pelo sangue eu não o encontro, não é algo físico, não existe machucado e eu sequer consigo enxergar essa agulha, mas ela existe, eu sinto o metal gélido no meu peito, é realmente frio, tão frio que sinto minhas mãos tremerem e meu peito comprimir enquanto busco abrigo em algum lugar seguro, longe de todo o barulho que faz minha mente se perder.
Eu busco na solidão o silêncio necessário para fazer a dor passar, mas não adianta, ela permanece, consigo sentir o cheiro do sangue, um cheiro enjoativo que me confunde e me causa ânsia, sinto nojo, confusão e medo, é como se todo e qualquer toque arrancasse um pedaço de mim, e fosse me causar ainda mais dor. Algo fica preso em minha garganta, me impede de gritar, de falar ou colocar para fora tudo que tá preso, é desesperador e sufocante, por um instante é como se alguém segurasse meu rosto com as mãos frias e tapasse todas as saídas de ar, eu tento sair daquele lugar frio, me desvencilhar do aperto inexistente que comprime meu corpo, mas não consigo, meus olhos não enxergam nada além de caos e desespero.
Meu corpo parece pegajoso demais para ser tocado, minhas mãos ficam frias, minha respiração ofegante, sinto repulsa por todos os olhares que podem me alcançar nesse momento, mas ainda assim eu sinto mais medo de não me encontrarem, de não me procurarem, de ficar ali perdido em meio a toda aquela dor que corta toda minha existência e que não consigo expelir para fora.
Realmente não quero ser tocado nesse momento, mas ainda assim, por instantes eu desejo que alguém fique por perto, que me segure enquanto sangra toda minha dor, que não me deixe quebrar, mais do que já estou quebrado.
É tão desesperador sentir o que sinto que às vezes faço graça em meio ao desespero, nada parece ser real o suficiente, não existe agulha, não existe sangue e possivelmente não existe frio, mesmo que eu sinta tudo isso, para todos é como se nada existisse realmente, é como se minha mente me pregasse uma peça toda vez que tudo parece ficar bem, é como se ela me lembrasse de tempos em tempos que se sentir feliz não é algo para mim, e mesmo eu não me lembrando de nada que eu possa ter feito de tão errado, ainda assim eu me sinto culpado.
A culpa vem logo depois que essa agulha saí, e toda vez que ela sai parece que causa ainda mais dor, é como se a arrancasse de forma tão brusca que leva junto minhas entranhas, e tudo que consigo fazer é tentar segurar a todo custo meu peito no lugar, junto com os soluços que me tiram do chão, dói, dói de uma forma inimaginável e mesmo que só eu saiba da existência dessa agulha, ainda assim dói e eu me sinto culpado.
É uma culpa incontrolável por não saber explicar como que me coloquei nessa situação, eu não sei explicar o que sinto, o que me machuca ou o que quero, não sei, as vezes me pergunto por qual motivo respirar para mim se torna tão mais complicado, porque tudo na minha vida vem acompanhado de cheiro de saudade.
Meu tempo parece tão escasso quanto o meu direito de viver sem dor, eu queria parar os segundos e devolver a agulha que insistentemente perfura meu peito para o relógio, eu queria que ele girasse sem me danificar, sem me fazer olhar para trás e observar todo o tempo que passou sem que eu conseguisse realmente viver, sem me fazer encarar todas as marcas que deixei, eu queria não ter que viver de forma tão rápida e poder apreciar cada acontecimento sem ser obrigado a sentir tudo a todo instante.
Parece que tudo é tão fragmentado que não tenho tempo para saber de nada, tudo acontece muito rápido, quando eu pisco o mundo já se transformou e eu permaneci aqui olhando os ponteiros enquanto me fazem sangrar.
No mês do orgulho, dedico esse texto para todos que se sentem presos de alguma forma.
Tem pessoas que doam dinheiro, outras doam amor, tempo, paciência e você doou tudo que podia para fazer parte de algo que não te cabia.
Você escutou durante tanto tempo que não cabia nos lugares e ainda assim queria continuar a tentar caber, seus sonhos não cabiam ali, e por isso você aos poucos foi se esquecendo deles, sorria quando riam dos seus sonhos, foi se desfazendo deles pouco a pouco até não restar mais nada.
Eu não sei se é possível viver sem sonhos, mas para você bastava caber ali naquele espaço que tudo já era suficiente, esse era seu sonho, caber ali naquele lugar tão irregular e desproporcional, por isso tentou, por isso se despedaçou até caber naquela forma tão desconfortável.
Quando sua forma de agir passou a também não caber, aos poucos foi se aprisionando, podando seus gestos, sua voz, sua forma de existir. Foi se moldando para ainda assim caber naquele lugar apertado, você era maior do que aquele espaço frio e repleto de solidão.
Foi doando cada parte sua para caber em um espaço que só te fazia chorar, era como ser um passarinho dentro de uma gaiola, passou a ver o mundo pelas grades, passou a retrair suas asas e a falar só o que queriam ouvir, era domesticado e não se importava com isso, aos poucos foram arrancando suas penas, uma a uma elas iam embora enquanto suas lágrimas caiam e ninguém parecia ligar.
Todos pareciam gostar do que estava se tornando, olhavam para dentro da gaiola e sorriam, você se sentia desnudo diante a tantos olhares, eles jogavam migalhas como recompensa, no começo achou ser suficiente, mas depois, depois elas foram se tornando tão escassas quanto a satisfação em as receber. Um enorme vazio tomava conta de você, a liberdade era convidativa, mas se aprisionou de tantas formas que o mundo do lado de fora da gaiola passou a também não te caber.
A sensação de que não cabia em nenhum lugar passou a fazer parte de quem havia se tornado, então ficava na gaiola, se sentia preso mesmo quando as portas estavam abertas, não importa o que fazia e nem por quem fazia, sempre queriam mais, queriam seus sorrisos, seu apoio, sua boa vontade em ser quem não era, não era desejado ali, mas ainda assim não iriam te expulsar porque no fundo eles precisam te usar, até não ter mais serventia, precisam te fazer útil mesmo te lembrando todos os dias da sua ineficiência em se adequar a aquele espaço.
Como todo passarinho você também sentia falta de um lugar quente, de alguém que entendesse o seu choro triste em meio às conversas, de voar para outros lugares, mas tinha medo e tudo que te restava era olhar para o chão e só ver sua finitude caindo, não tinha como esconder, todos percebiam e se você já não cabia lá antes, agora então é que tudo passou a ser um completo desencaixe.
O choro latente que invade sua garganta fez com que te jogassem para longe daquele lugar, sua melancolia crescente era um convite a solidão, não tinha para onde ir, não tinha onde ficar, era uma peça quebrada em um brinquedo de encaixe, tentou lançar sorrisos falsos para se convencer de que tudo ficaria bem, mas nada ficaria, não se reconhecia havia se perdido de si mesmo a tanto tempo que não se entendia.
Parecia que o choro latente que durante tanto tempo estava guardado resolvia sair em meio a tantas mágoas pelo recém abandono, a gaiola estava quebrada assim como suas asas, seu corpo doía por todas as penas arrancadas, sua voz não saia, e tudo que conseguia era desesperadamente tentar entender os motivos de terem o jogado para fora, você se esforçou tanto para caber, para se encaixar, deu tanto de si, amou mesmo os que te fizeram chorar, sorriu quando só queria se esconder, e ainda assim isso não bastou…
Depois disso, tudo que você queria era juntar seus pedaços e se recolher em um lugar onde ninguém te machucasse, foi se afastando de quem se aproximava, sua voz antes tão dócil se tornava áspera diante a qualquer ameaça de introdução no seu espaço, não queria se permitir machucar novamente, ainda doía e parecia que não iria passar tão cedo, andar por lugares desconhecidos ainda era como pisar em cacos de vidro, não sabia voar para os lugares que queria conhecer, parecia que ninguém era suficientemente treinado para te ouvir.
Manter diálogos era torturante, não tinha ânimo para falar com pessoas que deduzia que iriam embora na primeira oportunidade, não importava se elas demonstram querer ajudar catando suas penas, era difícil acreditar, não queria ficar perto dessas pessoas, não queria acreditar que elas estavam ali por você quando nem mesmo você estava.
Então você sentiu, sentiu um toque no canto dos seus olhos, tentou forçar sua visão para entender o que acontecia, você não conseguiu expulsar todos, um riso contido se fez presente, tentou entender o que acontecia e percebeu que o riso era seu, se sentiu culpado pela própria felicidade, mesmo que ela fosse irrisória diante a tanta dor. A culpa também passou a ser sua companheira constante, quanto mais perto as pessoas chegavam mais distante você queria ficar.
Sentia culpa por não conseguir caber dentro daquele espaço, sentia culpa por não se reconhecer, sentia culpa por não ter um lugar para ir e nem para onde voltar, sua culpa é tão intensa que ela não te deixava sentir nada além da dor de não poder construir novas relações, se sentia tão incompleto, tão inacabado que tudo que sentia era culpa por não ser suficiente para permanecer ali com aquelas pessoas…
Não importa o quão suficiente seja, você nunca vai caber em lugar algum, nunca vai ser o esperado ou o desejado, mas não é só você, ninguém vai ser. Se permita ter ajuda na hora de juntar seus pedaços e construir um novo espaço, onde caiba você por inteiro e não só aos pedaços, conte seus sonhos mesmo que eles pareçam bobos, ouça sua voz mesmo que digam que você fala desimportâncias. Escute o seu silêncio e cresça com ele, você não está sozinho, há sempre alguém que pode escutar seu piar de lamentação e que vai te fazer sentir em casa em meio a um abraço quente.
Tempestade: substantivo feminino Temporal; perturbação atmosférica violenta, geralmente associada à chuva forte, ao granizo, ao vento, aos trovões, raios ou nevascas: tempestade de neve
Sabe uma vez eu ouvi que não há nada mais egoísta do que pedir para uma pessoa que não quer ficar permanecer… Permanecer em um lugar onde nada basta, para que o silêncio e a dor acumulada passe, é algo que não deveria ser cogitado. É preciso ter algo, ou alguém que amenize essa tempestade que acontece aí dentro e você nem sabe explicar.
Todos te pedem para ficar,
todos te pedem para sorrir,
todos te pedem para continuar a caminhar…
Mas você não consegue permanecer, não consegue ouvir, não consegue se encontrar ali, das primeiras vezes que ouviu esses clamores você quis acreditar que eles compreenderam, que estariam ao seu lado e que amenizariam a sua dor. Você sorriu, secou suas lágrimas e deitou em sua cama, as promessas de que “estariam com você” serviram para te ninar naquela noite.
Os dias que se seguiam eram sempre vazios, sem sons, em completa anestesia, não havia barulho que amenizasse o que você sentia, nada te fazia sair do lugar, era tudo tão vago e raso que as palavras deles pararam de fazer sentido, no início o vazio dava espaço a uma quietude que vez ou outra era inundada por afagos rápidos e falsas promessas de que tudo ficaria bem, mas depois se cansaram, foi rápido, foram dias e não semanas… E toda aquela sensação repentinamente afastada dava espaço para uma muito pior, a de se afogar na própria angústia.
Os dias de tempestade sempre aparecem quando você sente que decepcionou alguém, que não foi suficiente e que não fez o suficiente para que eles permanecessem, era uma inundação que surgia de dentro de você e tomava seu ar, te fazia não respirar ou encontrar palavras, era como se a todo instante você estivesse lutando em ondas revoltas tentando buscar por alguém que segurasse sua mão e te tirasse daquele lugar. Te tirasse de você, afinal você era o mar.
De início tentou se conformar em ficar, mesmo com todo o frio que sentia, tentou permanecer da mesma forma, anestesiada com a própria dor, olhando para um horizonte que parecia não existir, esperava constantemente pelos seus momentos de afogamentos diários, se concentrar em algo já não era suficiente, desviar o foco também não, se sentiu imobilizada, nada do que fazia era dentro do planejado.
Os passos tortos, os bocejos constantes e os tropeços em palavras era uma rotina que casualmente todos passaram a perceber sem questionar, era como se você constantemente tivesse acabado de passar por uma sessão de mergulho que deu muito errado. No fundo você os entendia, era mais fácil não questionar, suspirava de angústia em meio aos olhares tortos, quanto mais olhares recebia mais parecia não caber dentro de si mesma, era como se constantemente estivesse vestindo uma roupa muito menor que si.
Recebia algumas mensagens vagas, assim como alguns silêncios, dormia e acordava da mesma forma, continuava a sentir o cansaço, durante as noites pensava em todos os “se” que poderiam ter ocorrido, durante os dias pensava no futuro e em tudo que poderia ter feito para que o futuro não fosse um lugar tão frio e tão desinteressante. Encarar o futuro era como encarar um mar sem saber onde encontrar terra firme. O futuro era como uma noite fria e vazia, onde não existia porto para ancorar seu navio, apenas a promessa de ondas revoltas que te iria afastar da ancoragem.
Não é como se realmente não quisesse ficar, mas era como se não tivesse motivos para permanecer, o tempo passa diferente na sua cabeça, às vezes os dias são mais curtos do que alguns minutos. Você repete a mesma cena algumas vezes, e tudo parece uma prisão, alguns dias são melhores do que outros, e alguns outros são como grandes tempestades.
Nos dias de tempestade você escolhe seu abrigo, e tenta amenizar o barulho dos trovões causados pelos seus pensamentos, se recolhe da forma como aprendeu a fazer desde que descobriu sobre o silêncio que te acompanhava, você respira e o único barulho que realmente escuta é o do seu coração. Não é como se não quisesse ficar, é como se fosse uma eterna tempestade que você não tivesse controle para onde ela vai te levar.
Nos dias de sol, você continua a respirar fundo e vê todo o estrago da tempestade, seu ânimo não é dos melhores, e angústia volta, só que dessa vez não é por decepcionar os outros, mas sim por decepcionar a si mesmo. O chão parece ser um ótimo abrigo nos dias de sol, você repassa cada passo que deu dentro da tempestade, verifica os joelhos ralados, procura por mensagens de preocupação e encara o silêncio de não saber para onde ir.
Nunca foi sobre querer ficar ou não, mas sempre foi sobre quem quer que você permaneça, mesmo que nos dias de tempestade, onde tudo que você precisa é de um bote salva vidas que te leve para terra firme e fique com você até todos os barulhos sanarem, até o sol aparecer.
Eu sei que você queria entender essa dor, que brotou dentro do seu peito de forma tão assustadora que é incapaz de dizer quando começou, foi tudo tão de repente…, um dia você dormiu, colocou a cabeça no travesseiro tranquilamente, e no outro, no outro seu coração parou repassando passo a passo de cada erro seu, de cada sorriso não correspondido, foi tudo abrupto demais, até para você que parecia pensar tão rápido.
Era como se lhe arrancassem o ar e retirassem junto às entranhas, a súbita vontade de gritar tomava conta de sua garganta, mas não saía som, não saía lágrima, não saía nada a não ser a dor, aquela maldita dor que te impedia de ter qualquer reação.
Seus olhos pareciam doer mais do que o normal, sua vontade de permanecer de pé parecia desaparecer, o choro se tornou tão latente que a cada soluçar você parecia se despedaçar, não existia “eu te amo” que te fizesse sair daquele espaço onde se sentia seguro, enrolou-se nos lençóis e sufocou o primeiro grito enquanto se encolhia esperando por uma ajuda que nunca veio.
De forma súbita você ia desaparecendo, seu sorriso ia se esvaindo e deixava no lugar um leve levantar de lábios que dói cada vez que você tenta mascarar sua dor. De certa forma suas palavras também desapareciam, suas certezas iam embora a cada pequena tempestade dentro de si e aquelas malditas lembranças se tornavam tudo que restou.
Tentou engolir o choro e não adiantou, tentou esconder suas palavras e tudo que conseguiu foi às deixar sair de forma torta, era quase como se rosnasse, se defender do mundo foi a forma que encontrou para minimizar os ferimentos que ninguém enxergava, você focou naquilo que achava que era bom, que não podia criar decepções e se afundou ali, naquele lugar tão desproporcional a você, você começou a sentir que nem ali você cabia, mas era só aquilo que lhe cabia.
Você já não se reconhecia, seu silêncio silenciava suas verdades, deixava sair apenas aquilo que queriam ouvir, respirava fundo buscando o ar, tentando se reconhecer em meio a toda aquela fantasia que criava, minimizou sua dor, estancou seus medos e se segurou em meio a incertezas, seu frágil coração vez ou outra demonstrava que aquilo não era certo, deixava cair a cada dia um pedaço do que um dia foi.
Se olhar no espelho se tornou tão complicado quanto olhar para as roupas abandonadas no fundo do armário, roupas que não lhe servem, mas que você deixava ali, se recusando a se desfazer daquelas lembranças.
Você se encarava e não se reconhecia, o tempo passava, o choro te afogava, o soluço te impedia de respirar, era como encarar o passado e se perguntar o que ele tinha feito com você, a tortura permeava seus dias e você sentia vontade de esmigalhar aquele maldito vidro. Você repelia toda e qualquer circunstância que pudesse abalar o mundo frágil construído por você.
Olhar o relógio era uma lembrança constante que o tempo não voltava, os ponteiros não andavam na direção contrária, respirar fundo se fazia cada dia mais presente, e você não sabia se queria que o tempo passasse mais rápido ou mais devagar, afinal você parecia se afogar dentro de si mesmo, todo dia que amanhecia parecia um convite para ancorar sua vida em outro porto e modificar seu percurso.
Era um convite constante que passava por sua cabeça, um convite que você nunca seguia, um convite repleto de incertezas em um mundo construído com cartas tortas que a qualquer vento poderia derrubar, era um mundo repleto de lembranças que iam e voltavam com a mesma velocidade que os ponteiros do relógio andavam.
Você queria aceitar, eu sei que queria, mas era tão difícil, você tinha medo de tudo desabar com tamanha velocidade que seria impossível as colocar no lugar sozinho, afinal você realmente se achava sozinho, seu choro não era ouvido, e seus medos pareciam te trancar em uma sala deserta e escura sem portas ou janelas, ninguém parecia te ouvir, ninguém parecia ligar, era doloroso demais se encontrar sozinho em um mundo onde verdades são silenciadas e sorrisos falsos se tornam verdadeiros, você se engasgava forte com suas dores, e se despedaçava sem ninguém perceber, ancorar em outro porto exigia uma coragem que você não sabia ter.
Você respirava fundo buscando soluções para tudo que sua mente tão ágil reproduzia de forma tão insana, não sentiu o abraço, ignorou os pedidos de calmaria e correu em direção contrária ao mundo, mentiu quando perguntaram qual era o problema, disse não quando queria dizer sim, a sensação de casa cheia e coração vazio nunca deixou você.
Se eu fosse te dar um conselho seria para se ouvir e desabar você mesmo esse castelo de cartas tortas, desaba, ele já tá bambo a muito tempo, deixa cair as lágrimas, o medo e as incertezas, se já não te cabe mais por qual motivo continuar no mesmo lugar?
Respira devagar, você vai conseguir. Olha para trás e vê tudo que você já construiu, você tem sorte, tem mãos que vão te reerguer quando cair, pode ancorar em qualquer porto que você não vai deixar para trás suas conquistas, mas também vai levar junto suas lembranças, lembranças boas e ruins, elas são parte de quem você é, se o castelo realmente desabar, você vai juntar carta a carta e remontar aquele castelo, montar de uma forma que te agrade, que você se encaixe e se reconheça ali dentro. Vai construir e reconstruir esse castelo até você se reconhecer como parte dele.
É necessário entender silêncios, entenda seu silêncio e aprenda com ele, às vezes seu corpo grita aquilo que você tanto quer esconder. Se escute meu bem, se ouvir dói, mas é necessário.
Não somos mais jovens, não somos crianças a opção colo não existe no nosso vocabulário, não tem para onde correr, não tem com quem chorar, não tem o que fazer a não ser tentar compreender essa dor, esse peso que nasceu bem no meio do seu peito e que de forma tão poética quase esmaga seu coração.
Nada parece suavizar o que você sente, porque o que você sente não é algo de agora, e aquela maldita dor é tão maldita que arrasta com ela lembranças indesejadas que você nem sabia que tinha.
Sorrir já não é suficiente, e incrivelmente uma culpa súbita por algo que você não é capaz de controlar te consome, te faltam palavras para descrever o que é essencial, te falta ânimo para fazer o que antes era tão prazeroso, te falta tempo para compartilhar os pequenos prazeres da vida.
Não é como se você não amasse viver, não é como se você não se importasse, mas é como se o mundo não se importasse com você, como se o seu desespero fosse só seu, como se o seu silêncio fosse algo tão incomum e tão indesejado que ninguém ousa quebrar. Às vezes você queria que o quebrassem, que gritassem com você e que te dessem respostas.
Repentinamente olhar no espelho ao acordar se torna algo cansativo, se torna algo tão banal que você se nega a encarar aquilo que se tornou, mesmo com todo mundo te falando o quão incrível você é, ainda assim, você não se encara, alguma coisa dentro de você diz que tá cansada, tá cansada de tudo que sua vida se tornou, tá cansada de todos os ciclos que se repetem, de todos os medos, de todas os dias que se repetem e que durante noites tomam seus sonhos.
Respirar se torna uma tarefa tão árdua que você se engasga com as próprias palavras e se perde em pensamentos, o tempo se torna seu inimigo e a todo instante parece que você perde um pouco mais de tempo, é uma busca desesperada por um tempo que já passou.
Respira, respira, vai passar, sempre passa, sempre passou, na sua vida nada nunca foi fácil, e você sempre cuidou do mundo e esqueceu de você, se dê de presente um tempo, um tempo para reaprender a respirar, para reaprender a se amar, para reaprender a se ouvir. Se escute, escute seus instintos, se ame, se abrace. É o seu tempo, um tempo que voa e que não volta.
Não aprisione seus sentimentos, porque eles se instalam e criam morada aí no seu peito, e quando menos você esperar, eles surgem, eles transbordam, eles gritam para você os libertar. Se cuide, se cuide muito bem, porque no fim de todas as contas, só você sabe o que é preciso para se curar de tantas e tantas dores.
No fim de todas as contas, mesmo com remédios, festas, amores, ainda vai existir a dore, e essa dor, é só sua, é uma carga que ninguém pode entender além de você. Se cuide mais do que cuida dos outros.
O texto de Hoje é motivado por uma reportagem antiga da CNN, nós precisamos deixar de achar que só crianças do sexo feminino são abusadas.
“Um levantamento da pasta, feito em 2021, mostrou que dos 18.681 registros, em quase 60% dos registros, a vítima tinha entre 10 e 17 anos e cerca de 74%, a violação era contra meninas.
Os dados também apontaram que em 8.494 dos casos, a vítima e o suspeito moravam na mesma residência. Outros 3.330 casos aconteceram na casa da vítima e 3.098 na casa do suspeito.
Entre os suspeitos, em 2.617 dos casos estavam o padrasto e a madrasta, 2.443 o pai e em 2.044 denúncias, a mãe era acusada.”
(CNN – Das 4.486 denúncias de violação infantil em 2022, 18,6% estão ligadas a abuso sexual, 18/05/2022)
(Crônica ficcional) Alerta de Gatilho no texto abaixo, o texto não tem final feliz, na verdade nem final ele tem, contém momentos de sofrimento, menção a abusos e tentativa de suicídio:
Eu fui abusado.
Sim, eu fui abusado.
Quando ela o conheceu eu só tinha dez anos, ele prometeu que cuidaria de nós dois e que não deixaria nada de ruim acontecer conosco, ele cumpriu essa promessa e por um tempo eu gostei de o ter por perto, mas o tempo foi passando, o tempo que mamãe passava em casa foi ficando cada vez mais escasso em contrapartida o tempo dele em casa foi aumentando.
Logo tudo que se referia a mim, era resolvido por ele. Eu não sei se eu de fato culpo minha mãe, as vezes eu me pego pensando que ela poderia ter reduzido as horas de trabalho no hospital, que ela poderia ter esperado até o conhecer melhor, que ela poderia ter reparado que minhas mudanças de comportamento não aconteceram de forma tão repentina assim.
Eu tinha 11 anos quando reparei que os toques de carinho que ele me dava tinham mudado completamente, a primeira vez que ele abusou de mim, não foi à noite, ele não estava irritado e mamãe tinha ido passar o fim de semana com os meus avós, eu não entendia o que estava acontecendo, eu só sei que doía, doía tanto.
Não consegui contar para minha mãe, não consegui contar para nenhum dos meus professores ou amigos, eu só conseguia ficar com medo das pessoas, eu gritava e me assustava se alguém chegasse perto demais, eu perdi completamente o foco das minhas tarefas escolares, minhas notas caíram e mamãe se irritava com isso, ela não aceitava “gastar dinheiro atoa”.
Um dia mamãe teve a brilhante ideia de me levar ao médico, eu me lembro claramente que depois do clínico geral veio o psiquiatra, os remédios, eu ainda tomo os remédios, mas agora eu sou um adulto com muita coisa acumulada, naquela época eu era uma criança, uma criança que não conseguia colocar para fora tudo que sentia. Minha mãe deveria ter se recusado a me dar remédios e não ter desistido tão fácil de mim.
Não era como se eu realmente quisesse ser um aluno ruim, um péssimo filho, ou perder todos os meus amigos, eu não conseguia controlar minhas crises de ansiedade eu era só uma criança com medo de a qualquer instante alguém fazer aquilo novamente, eu chorava e gritava e as pessoas achavam que era coisa de criança, mesmo eu nem sendo tão criança assim, eu me coçava constantemente porque lembrava de cada toque daquele homem.
Eu realmente acho que ela desistiu porque quando ele sugeriu que resolveria, ela agradeceu, ela agradeceu porque não dava mais conta de mim. Eu sentia medo dele e raiva da minha mãe, quando ele começou a conversar comigo eu só conseguia concordar sem o encarar, o que era para ser uma conversa tranquila terminou com uma sessão de abusos que agora sei que não eram só físicos, mas também psicológicos.
Depois daqueles dias eu me sentia pressionado a me focar nos estudos, então eu tinha crises e mais crises enquanto tentava acompanhar as matérias, eu quase não saía do quarto, minhas notas subiram, as pessoas não entendiam aquela mudança brusca, eu ainda me assustava com certa facilidade, ainda sentia muita vontade de gritar, mas com o tempo passei a tentar me controlar mordendo os lábios, passei a me arranhar com muito mais frequência, os abusos passaram a ser frequentes e ninguém percebeu.
O tempo foi passando e junto minha angustia ia crescendo, vovó constantemente me chamava para passar os fins de semana na casa dela, eu recusava, mas conforme eu fui crescendo e aprendendo que minha casa não era um lugar seguro eu passei a aceitar, e não, não significa que aquele homem deixou de tocar o meu corpo, pelo contrário, ele passou a ameaçar não só a mim como minha mãe e avó, eu não conseguia reagir.
Eu sabia o nome do que ele fazia comigo, é claro que eu sabia, eu tinha 12 anos quando a professora de ciências falou sobre o corpo, desejos e abusos, eu senti vontade de falar alguma coisa, mas na aula toda a ênfase era para abusos sofridos por meninas, o efeito daquela aula em mim, foi pela primeira vez eu trocar minhas unhas pela ponta do lápis, aquilo que ele fazia comigo ganhou um nome e tudo que eu sentia era nojo de mim por não conseguir pedir ajuda.
Eu fui crescendo retraído e angustiado, não conseguia estabelecer vínculos de amizades com ninguém, quando eu passei aos 16 anos a controlar meus próprios remédios eu passei a os usar de forma pouco ortodoxa, eu tomava mais de um na hora de dormir e assim eu passei a não ver o que ele fazia com meu corpo.
Minha mãe foi ficando cada vez mais sem paciência comigo, ela não entendia minha falta de apatia, minha falta de vontade em estabelecer diálogos grandes com eles, minhas explosões repentinas de humor, ela não entendia e as vezes eu acho que ela não queria tentar me entender.
Tudo passou a piorar quando ele me obrigou a parar de tomar os remédios na hora de dormir, se eu achava que era ruim tomar os remédios eu percebi naquele instante que era muito pior ficar sem eles, ele passou a me chantagear, a trocar os favores pelos remédios, eu não tinha escolha a não ser fazer o que ele queria, eu comecei a ficar paranoico, a ter crises de ansiedade e de pânico, eu mal conseguia formular frases inteiras.
Quando minha vó faleceu meu mundo desabou, mesmo que eu já tivesse 17 anos, eu ainda me sentia uma criança sozinha, eu não tinha mais ninguém para me dar amor, para me proteger, eu não tinha para onde fugir, então eu fiz a única coisa que eu poderia fazer, eu tentei me matar, eu tomei todos os comprimidos que eu consegui juntar, eu premeditei, quando meu corpo ficou mole e minha mente foi ficando em neblina eu achei que tudo finalmente tinha acabado, eu não consigo me lembrar de nada além de gritos.
Eu acordei dois ou três dias depois com minha mãe sentada na cadeira ao lado da minha cama e meu padrasto trazendo café para ela. Minha mãe é médica pediatra, eu estava no hospital em que ela trabalhava e ela parecia não dormir a muitos dias, eu não consegui a encarar, eu senti um misto de vergonha e raiva.
Eu virei meu rosto de lado para evitar o olhar recriminatório dela, eu tentei tapar meus ouvidos para não ouvir o que ela falava, mas eu não consegui. Eu ainda lembro de cada palavra e da forma como foram pronunciadas.
_Você tem ideia do que eu estou sentindo? – eu não tinha ideia do que ela sentia, mas eu também não entendia o que eu sentia, eu não respondi e ela continuou a falar:
_Você não sabe como eu me senti quando te vi jogado naquele corredor, você não tem ideia do medo que eu senti quando eu achei que fosse te perder. – ela gritava, gritava cada vez mais perto de mim, até que me segurou os ombros me obrigando à encara-la.
Eu também estava com raiva, não era como se ela fosse realmente uma boa mãe e ela podia ver isso nos meus olhos.
_Você não tem ideia das noites que eu não dormi para poder te sustentar, eu te dei tudo que era o melhor, tudo, e você me retribuí assim, tentando se matar? – ela secou as lágrimas sem tirar seu olhar acusatório de mim, eu não sabia o que responder, eu já disse eu sentia muita raiva dela então eu apenas forcei meu corpo para que ela me soltasse e virei de lado.
_Tá todo mundo comentando que você tentou se matar, todos agora sabem dos seus cortes, das marcas em seu corpo, todos agora sabem que meu filho é um suicida. – ela gritava e aquela frase me fez a encarar, minha fúria se esvaiu e eu só conseguia sentir vontade de chorar, ela não se preocupou comigo.
_Você tem marcas de abuso por todo o seu corpo. Eu não sabia que você era gay e muito menos que estava envolvido com alguém, me diz o que aconteceu…, me diz quem te machucou, você precisa dizer alguma coisa!!! – Ela parecia tentar se acalmar, mas eu ainda conseguia sentir o barulho da respiração dela, estava eufórica, raivosa, seus rosnados se misturavam ao barulho dos aparelhos médicos ligados ao meu corpo.
_Você precisa me contar o que aconteceu…, eu preciso saber… – ela sentenciava a última frase tão baixo que se eu não estivesse perto não ouviria, parecia querer dizer que necessitava saber se era culpa dela ou não.
_Eu não…não… – eu não conseguia saber o que responder, aquele homem ainda estava no quarto encostado no batente da porta, eu desviei meu olhar do dele e comecei a entrar em crise, minha mãe se sentou na cama e me abraçou, mesmo que eu lutasse para que ela se afastasse, eu não queria aquele abraço, eu não queria aquele toque, eu queria poder falar.
_Filho…
Enquanto eu estava naquele quarto de hospital eu perdi a noção de tempo, quando eu voltei para casa parecia que finalmente eu teria um pouco de paz, era meu último ano no ensino médio e eu sabia que minha chance de sair de casa seria fazendo um curso superior, eu não sabia o que eu queria fazer, mas tinha que fazer algo que me permitisse sair daquele lugar.
Eu estudei, estudei mais do que o necessário, não só para me livrar do colégio mas para passar na faculdade, minha mãe me ajudou, depois de tudo que havia acontecido, ela de certa forma tentou ficar ao meu lado, eu ainda estava um tanto quanto reticente, mas não tive muita escolha, ela se sentava ao meu lado e me fazia mil perguntas para as quais eu não tinha respostas.
Canais de denuncia:
Disque 100 – O Disque Direitos Humanos (Disque 100) é um serviço que funciona 24 horas e ajuda na disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos.
Delegacia – Unidade policial fixa para atendimento ao público. Algumas regiões possuem delegacias especializadas como a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), ou apenas ligue 190
Conselho Tutelar – O Conselho Tutelar (CT) é um órgão administrativo municipal, autônomo, responsável pelo atendimento de crianças ameaçadas ou violadas em seus direitos.
Para uma outra criança que encontrei por aí… talvez ela seja tão bruxa quanto eu.
Tudo era uma confusão.
Não sabia o que sentia, não entendia nada que acontecia, as vezes tudo que sabia era que a incerteza eram sua única certeza;
Não contava mais quantas vezes seu riso escapou ou quantas vezes suas lágrimas surgiam sem motivo aparente.
Não entendia como respirar podia ajudar, sentir a vida se esvaindo entre sua corrente respiratória nunca ajudou.
Era pesado sentir tudo aquilo entrando e saindo de dentro de si…
Contou todas as vezes que deixou cair algo importante enquanto respirava:
Deixou cair seu coração…
Deixou cair seu equilíbrio…
Deixou cair o que acreditava ser certo.
Tudo escapou naquele espaço tão pequeno que existia entre os sentimentos e o vazio.
Sentir…
Era bom sentir, sabia que vivia assim dessa forma: sentindo.
Era ruim sentir, era devastador não poder controlar o que sentia.
Tentou guardar tudo no armário, mas era muita coisa e quase nada cabia naquele espaço tão pequeno, as portas logo cederam e tudo desmoronou em cima de si.
O ar fugiu, e tudo ficou mais turvo do que costuma ser.
Se deparou com coisas que nem ousava pensar ter guardado, havia guardado realmente muita coisa.
Encontrou seus gritos escondidos no fundo do armário.
Encontrou as palavras carregadas de sentimentos que guardou por baixo de todas as tralhas desimportantes.
Encontrou as vozes, aquelas que queria esquecer, mas que não podia negar a existência, elas se multiplicavam.
Se culpou, afinal não soube guardas as coisas dentro do armário.
Se culpou porque quando olhavam para si viam aquela bagunça toda que escapava daquele espaço tão pequeno.
Se culpou porque supostamente sua bagunça havia respingado em outras pessoas.
Era estranho, complicado e inteiramente desconfortante.
Tudo que sentia era rápido e não podia controlar, não entendia muito bem como as outras pessoas escondiam tão bem tudo dentro de seus armários.
Não entendeu quando quis se enfiar por inteiro dentro daquele espaço tão pequeno e quebrado.
Respirar doía e ninguém deveria sentir dor enquanto respirava, mas nem sempre era assim.
As vezes respirar era bom, sentir todo aquele ar correndo dentro de si era confortante, era sinal de liberdade, de vida, de história.
Queria ser como o vento, livre, entrar e sair sem pedir licença.
Queria sair sem que perguntassem o motivo, queria sentir que era vida, que era a vida que existia nos outros e em si.
Queria sentir e saber o que sentir.
Preferia pontos finais á vírgulas, não gostava de criar continuação para nada, até gostava, mas se preocupada demais com tudo, pontos finais eram rápidos emergências e não precisavam de explicação.
Era difícil entender que tudo que sentia era seu, eram suas angustias, seus medos, suas alegrias e amores, tudo era seu e de mais ninguém.
Ninguém poderia engavetar o que sentia, ou guardar nos cantos do armário aquilo que não agradava por muito tempo.
Era difícil, era dolorido, era confuso, mas também era bom, afinal as vezes é bom no meio de toda aquela bagunça que desaba sobre nós descobrirmos que lá dentro também está guardado o que somos.
É bom nos reencontrarmos, redescobrirmos o que sentimos e entender ou desentender o que nos faz chorar e sorrir.
Têm dias que é difícil se concentrar no mundo, têm dias que é difícil se entender e entender o outro.
Teve dias que eu me perguntei como seriam aquelas crianças quando crescessem. Teve dias em que eu as reencontrei.
Por favor, não me toca.
Eu sei que parece estranho, mas isso me machuca.
Dói quando você me toca, quando se aproxima demais e quando me abraça assim tão apertado. Às vezes parece que está tudo queimando aqui dentro.
Eu queria ficar para sempre no seu abraço, mas isso me machuca, e eu nem sei explicar o que sinto, então eu só espero que seja rápido e que você entenda o quanto isso me machuca.
Eu não consigo explicar, eu não consigo entender, as vezes você me faz sentir em casa, mesmo quando eu não consigo entender o que é uma casa de verdade.
Às vezes eu não sei o que falar, e falo desordenadamente sobre qualquer assunto, mas é que poucas vezes alguém tenta me ouvir.
Às vezes eu troco de assunto sem nem perceber, eu não faço de propósito, é só que é difícil pensar tão rápido e não conseguir controlar o que surge na minha cabeça, eu não consigo me controlar, eu só queria seguir em um único caminho, mas vez ou outra me perco por tantos lugares que nem sei onde estou.
Às vezes eu preciso falar comigo e não gosto que me interrompam, não gosto que não entendam que essa é minha forma de me entender. Eu até tento agir naturalmente, mas nem sempre dá, tem dias que não dá para controlar e parece que tudo que acontece faz tudo ficar ainda mais complicado.
Às vezes eu não quero falar, mas não é que eu não tenha o que dizer, é só que eu não consigo falar. NÃO CONSIGO, por favor entende. Eu só quero ficar quieto, em silêncio, sem todo esse barulho que eu causo e sem todo esse barulho que me causam.
Eu não sei se você entende, ou quão estranho deva ser você para tentar me entender, mas tudo que eu queria era não ser eu e não sentir tudo que eu sinto.
Às vezes eu não sei o que fazer, é complicado ter tantas opções e não saber para onde ir. Tudo dentro de mim parece apertar, minha cabeça fica tão bagunçada que as palavras somem e eu não consigo entender para onde vou.
Eu não gosto de aglomerações, não gosto quando tudo que tenho que fazer é conviver com um monte de gente que não fala comigo, que não me conhece, que encosta em mim sem me avisa, isso faz meu coração acelerar, eu fico atônito tentando fugir, minha garganta arde, meu corpo queima. Parece que tá todo mundo olhando para mim, eu não gosto de ser o centro de toda a atenção.
Tem dias que eu não sei o que sinto por você, não sei se gosto ou não de você, não gosto de como você insiste em ficar perto de mim, não gosto de gostar de ficar perto de você.
Tente passar pelo que estou passando
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar pois estou te amando
-Pérola Negra
Composição: Luiz Carlos Dos Santos
Certo dia senti vontade de voltar a escrever e senti preguiça, o texto morreu antes mesmo de nascer. Mas hoje em meio a meditação ao som de Caetano e os livros de engenharia de requisito que eu deveria ler, resolvi me arriscar a escrever sobre o que mais amo amar, pessoas.
Ao irmão extraterreno.
Era confuso, muito confuso.
Ninguém entendia, nem quem estava perto e muito menos quem estava longe. Nem ele se entendia.
A respiração pesava, e parecia acumular um bolo no meio do peito, era pesado, estava cansado, a dor não era explicável e nem tinha remédio, era angustiante e tudo que queria era se encostar em algum lugar, onde a dor tão inexplicável pudesse ser sentida.
Respirar, respirar era tudo que queria. Fechar os olhos e ouvir o som das ondas batendo nas pedras, como ninguém jamais o ouviu.
Não gostava de responder perguntas, porque geralmente não tinha respostas. Não gostava de não ter explicações para as lágrimas ou para o acumulo no peito que o impedia de encontrar palavras e tentar se explicar.
Ele nem sabia os motivos de tentar se explicar, mas era como se a todo instante lhe cobrassem isso. Era dolorido, denso e perverso, não tinha explicação.
Respirar, tudo que restava era respirar e sentir todo aquele ar invadindo seu corpo. Respirar era se sentir pesado pelo que não conseguia colocar para fora.
Era estranho como todos achavam que o conheciam, e que tinham a solução para o que estava sentindo. No meio de todo aquele caos que eram seus sentimentos, tudo que conseguiam era que ele achasse que seus sentimentos eram o problema.
Ele respirava forte e engolia o que queria sair, respirar as vezes era se sentir fora do próprio corpo. Respirar era dolorido, machucava e rasgava. O que não podia sair transbordava e inundava quando menos esperava.
Respirar, respirar e fechar os olhos, tudo escuro, tudo que se ouve são gotas caindo no nada, vazio sufocante. Respirar era viver em um silêncio barulhento.
Era difícil se ouvir em meio a todo aquele barulho que vivia sua mente, não eram frases fáceis de serem compreendidas, era tanto barulho que lhe dava vertigem e facilmente ele se perdia principalmente pelos caminhos fáceis.
Era mais fácil aceitar que seus passos jamais seriam retos.
Respirar, respirar as vezes era pesado, mas também era leve. Respirar era ter calma, para não se engasgar com si mesmo.
As vezes ele conseguia se entender, não era tão fácil, mas se contentava em chegar mesmo que por caminhos tortos nos lugares que deveria.
Respirar enquanto caía e se machucava era uma especialidade, o ato de respirar era longo, denso e solitário a espera que no final alguém o enxergasse e o ajudasse a levantar, alguém que o ajudasse a respirar.