Amor, Crianças, Minhas Crônicas, Opinião, refugiados, Sem categoria, silêncio, Violência

Diáspora

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Diáspora : dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica.

Se perderam…

Não era silencioso, havia correria, era turbulento…,

se perderam mesmo de mãos dadas.

Eram rostos tão diferentes, vozes diferentes, ninguém se entendia, ninguém se conhecia e os que se conheciam se perdiam, ou haviam perdido.

perdido, perdido tudo, desde abraços, afagos até lembranças.

Não existiam mais as paredes que guardavam segredos, ou a escadas responsável por tantos tombos, não tinham como voltar para os braços que recebiam sempre abertos.

Tudo se perdeu não só para si como para todos.

Eram desconhecidos que reconheciam suas dores, as mãos que consolavam eram igualmente consoladas.

O peito subia, o peito descia, as pernas tremiam, a voz falhava, não se reconhecia, procurava por quem lhe pertencia.

Seu pedaço da história havia se perdido de si, o vento era quente e sufocante, lhe roubava todo o ar, era como se sua cabeça não conseguisse se concentrar, pesava.

Tudo pesava, pesava mais do que quando o carregou no ventre, pesava mais do que quando o carregou pela primeira vez nos braços.

Não entendia o que acontecia, uma hora o tinha tão perto de seus braços e no outro o perdia.

Não havia vento, e ainda assim sentia como se seus passos fossem a cada instante apagados.

Não havia como olhar para trás, não tinha como voltar.

Nada mais existia, nada além do desespero de não se ter para onde ir e pra quem voltar.

Transforam as lembranças em poeira, tiraram seu futuro das suas mãos.

Sentiu a dor dos que perderam seus amores, sentiu sua própria dor enquanto gritava em desespero.

Doeu, se dilacerou por dentro.

Fechou os olhos e viu a massa cinzenta, o fogo, e o vermelho carmim que manchava tudo inclusive sua roupa.

Se perdeu,

aos poucos se perdeu dentro de si.

A escuridão foi aos poucos enevoando tudo…

Quando mais se apertavam para caber naquele espaço tão pequeno, mais sua cabeça recordava os gritos.

A dor aumentou, não existia luz.

A angustia entalou na garganta, não tinha o que mais por pra fora além de seus gritos.

Atravessamos o mar Egeu
O barco cheio de fariseus
Como os cubanos, sírios, ciganos
Como romanos sem Coliseu
Atravessamos pro outro lado
No Rio Vermelho do mar sagrado
Os Center shoppings superlotados
De retirantes refugiados

(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte)

Amor, Crônica, Feminismo, Minhas Crônicas, Opinião, Poesia, Preconceito, Sem categoria

Cora Coralina – Aninha e suas pedras

coracoralina

Não sei…

se a vida é curta

ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,

se não tocarmos o coração das pessoas.

(Não sei)

Cora Coralina (1889-1985),  morreu quando eu ainda nem era nascida, em 1985 meus pais nem sonhavam em se conhecer. Quando conheci seus versos, eu já havia me tornado adulta, quase tão adulta quanto Aninha em algumas daquelas linhas.

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces.

Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha um poema

(Aninha e suas Pedras)

Me encantei por Cora entre os corredores frios e cinzas da UERJ, os versos pareciam ecoar por cada canto daquele lugar. Suas confissões de menina, faziam eco ao meu coração, suas linhas não eram nem versos e nem poesia, “era um jeito diferente de contar história”. Por mais que ela falasse dela, e eu soubesse disso, parecia que falava de mim, ao mesmo tempo que parecia falar de outras, sua voz não era singular, era plural. Era a voz de quem havia se deparado com muitas pedras e as transformado em poesia.

“Entre pedras

cresceu a minha poesia

Minha vida…

Quebrando pedras

e plantando flores”

(Das Pedras)

Ana Lins dos Guimarães Peixoto, era Cora e Cora era Ana, Aninha, a terceira das quatro filhas, orfã de pai praticamente ao nascer, estudou até a terceira série, teceu ainda na infância seus primeiros versos sem vírgulas, palavras ou linhas, mas que tinham cheiro de mato, de terra molhada, de bolo recém assado pelo vó.

“Era só olhos e boca e desejo

daquele bolo inteiro”

(Antiguidades)

Escreveu suas linhas para fugir de tudo que a machucava, eram sobre o que sentia, sobre o que viveu, e sobre o que ainda queria viver, eram lembranças de uma menina, contadas por uma senhora que continuava a devorar o mundo e a mostrar a ele todas as suas pedras, todas as suas lutas.

Aos 70 anos aprendeu datilografia para que suas poesias pudessem ser enviadas aos editores, aos 75 anos publicou seu primeiro livro, morreu aos 95 anos… Drummond dizia que ela era: “uma velhinha sem posses, rica apenas de sua poesia, de sua invenção, e identificada com a vida como é”.

“Sendo eu mais doméstica do
Que intelectual,
não escrevo jamais de forma
consciente e racionalizada, e sim
impelida por um impulso incontrolável.
Sendo assim, tenho a consciência
de ser autêntica.
Nasci para escrever, mas o meio,
o tempo,as criaturas e fatores
outros contramarcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira
do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes………
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata
Sempre houve na família, senão uma
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
a essa minha tendência inata.”

(Cora Coralina, quem é Você?)

Cora assinava aquilo que Aninha vivia, se tornou poesia em meio a resistência, era tão única quanto o nome inventado, fugiu, amou, vendeu livros, lavou roupa, sofreu a dor da perda, mais de uma vez, se fez doceira que conservava histórias, foi mulher rendeira que teceu seu próprio destino. Dentro de si, existiam tantas e tantas vozes, que ler suas linhas é como caminhar na corda que tece a vida, não só a de Aninha, mas a de Cora e também a minha.

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,

sem preconceitos,

de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário Cora Coralina – todas as vidas

4 poemas de Cora Coralina 

A sabedoria de Cora Carolina em 4 poemas

Enciclopédia Itaú Cultural 

Cora Coralina – por Elder Rocha Lima

15 Poemas de Cora Coralina

 

 

Amor, Ansiedade, Crônica, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Padrão, Sem categoria

Muito pouco, (IN)sanidade.

loucuraa

Pronto

Agora que voltou tudo ao normal

Talvez você consiga ser menos rei

E um pouco mais real

 (Muito pouco, Moska)

Olhou…, não reconheceu aquele espaço, era tudo tão igual a antes, mas ainda assim tão diferente, como não percebeu que tudo mudou?

Seus sonhos não estavam no lugar certo, estavam todos encaixotados, empoleirados, deixados de lado no canto de um quarto empoeirado.

Andou por todos os cantos, mas nenhum canto era o seu. Olhou-se no espelho e não se reconheceu, as roupas, o cabelo, o tênis, era o seu corpo, mas não era ele. Escorregou os dedos no espelho e sentiu o toque gelado, não havia diferença no reflexo e em si. Quando ficou assim?

Afastou a mão e levou ao rosto, não sentiu o habitual sorriso, nem se lembrava quando aquele canto dos lábios deixou de abrigar sua alegria.

Viver tá me deixando louco

Não sei mais do que sou capaz

Gritando pra não ficar rouco

Em guerra lutando por paz

Seus pés não estavam descalços mais ainda assim doíam como se estivesse andando a horas em círculos, era tudo sempre igual, deslizou-se por qualquer parede, respirou fundo e se sufocou com as lembranças.

A música que tocava era a mesma de ontem, e de todos os dias anteriores, era um disco repetido que o lembrava que o condenaram por não seguir a um mesmo ritmo, por não andar na linha, por não seguir à realidade dos fatos.

Era tudo tão chato, era sempre mais do mesmo. Era insuportável ver a mesma paisagem da janela, ter seus passos milimetricamente controlados, se sufocar dentro da roupa e de si mesmo. O suspiro sobrepôs à música, foi alto e desesperador, era um grito sem palavras que ecoou por todos os cantos.

Fechar os olhos não adiantava, ele não esqueceria, mas não reconhecia aquela certeza que tantos tinham como absoluta.

Pesos e medidas não servem

Pra ninguém poder nos comparar

Porque

Eu não pertenço ao mesmo lugar

Viver…, quando viver passou a ser sinônimo de “não viver”? Seus dias eram eternas tempestades, tropeçava nos próprios pés, eram os mesmos gostos, os mesmos caminhos, e aquilo, aquilo não bastava.

Era tudo tão cinza, uma eterna neblina que escondia tudo inclusive a si.

Sentiu saudades dos seus sonhos e abriu uma das caixas, eram tantos, lembrava-se de quando eles transbordavam de dentro de si e inundavam o mundo. Respirou fundo, sentiu todo aquele aroma de liberdade, quando havia se contentado em aprisionar seus sonhos?

Mal percebeu quando suas mãos rasgaram cada uma das caixas, o perfume da liberdade inundava a casa, as roupas estavam o sufocando, ele não era o mesmo, preferia transbordar a se conter.

Deixou-se transbordar enquanto respirava cada sonho, cada lembrança, cada parte daquela realidade particular, que criou para sobreviver dentro da “verdadeira” realidade tão insana.

E muito pra mim é tão pouco

E pouco é um pouco demais

Viver tá me deixando louco

Não sei mais do que sou capaz

  • Música utilizada
  • Muito Pouco – Paulinho Moska
Amor, Minhas Crônicas, Padrão, Sem categoria, Sexo

Corpos sem Rima….

As mãos trafegam o corpo,

Na pele, nas curvas, no leito suspiros,

O desejo entre os arranhões e gemidos,

Apertou o lençol, arqueou-se, mordeu os lábios,

Suspirou mais de uma vez enquanto encarava o corpo marcados por si,

O beijou,

Se beijaram, entre os gemidos e as confissões do acaso,

Era só prazer e por isso era intenso,

Era casual,

Eram dois e não um.

O compromisso ficou do lado de fora, junto com os problemas e as desavenças, lá dentro só cabia os dois corpos e a intensidade entre eles.

O cheiro de sexo,

A inexistência da obrigação, a existência do acaso, do único, das pernas, das suas pernas em outra cintura que não a conhecida.

A bagunça dos lençóis que quase inexistiam na cama.

A cor inexistente dos pares de olhos inexplicavelmente fechados, para não guardar as memórias,

Para não criar desejos, para não desejar histórias, para as histórias não serem lidas novamente.

Mas era ilusório, a ilusão era prazerosa…

Suspiraram,

Desejaram,

Odiaram a colocação necessária de seus corpos naquele ambiente tão pequeno.

Uma das mãos derrubou a lata de cerveja e a ilusão de que não estavam sóbrios.

Estavam cientes, sóbrios e queriam.

A nicotina trafegou mais do que os lábios, desceu pelos seios, e chegou no ventre, entre os suspiros e as lembranças surgiu o aperto nos cabelos curtos que mal cabiam entre seus dedos, se confundiu entre o prazer e a culpa.

Culpou-se no momento em que se sentiu livre, seus dedos apertaram-se, e os gemidos saiam, a culpa voltava, mas era tão momentânea quanto a fumaça do cigarro, só restou o aroma.

Puxou o rosto para si e provou seu próprio gosto enquanto encarava os olhos que agora sabia que teria que se despedir, antes do banho frio, dos sonhos furtivos, ou dos famosos “até a próxima”, ela saiu.

Saiu sem deixar nome, endereço ou telefone, apenas deixou seu cheiro entre a bagunça do quarto e os travesseiros jogados no chão.

Saiu deixando tudo que não queria deixar, lembranças…

 

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Compositor de destinos

coracao-e-vida
Disponível em Pinterest

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo

(Caetano Veloso)

Dedico esse texto aos meus amigos, irmãos, por me ensinarem que viver é florescer entre a tempestade. Dedico esse texto aos amores incondicionais que conjugam o verbo amar da maneira mais intensa possível. Eu amo vocês por me ensinarem tanto de tantas formas.

Em meio a aquele silêncio, ouvia-se um choro,

tão íntimo,

tão pequeno,

tão vulnerável,

Era o primeiro encontro de ambos, seu olhar o encontrou de forma que soubesse que mesmo naquele primeiro momento, aprenderia bem mais do que o ensinaria.

Sorriu, sorriu de maneira tão inusitada ao o segurar, que se esqueceu de como estava sensível, não ligou, continuou a segura-lo de maneira meio torta, meio incerta, de maneira certa, bem ao lado do seu coração, o som estranhamente descompensado acalmava aquele ser tão pequeno, o choro cessava enquanto seguia o embalo daquela voz rouca e dos soluços.

O ninou em seus braços, com toda a experiência que lhe faltava.

Se perguntou desde quando o conhecia? O olhou novamente como se tentasse se lembrar, fechou os olhos e sentiu aquele cheiro meio seu, meio dele, era algo tão improvável, mas sentia, era como se reconhecer ali. Não, com toda certeza não era o primeiro encontro de ambos, soube disso quando o tiraram de seus braços pela primeira vez, sabia que não existia lugar melhor do que ali nos seus braços, e mesmo assim o levaram.

Sentiu o aperto, e reconheceu a saudade imensurável que nunca havia sentido.

Dormiu de cansaço, mesmo não querendo dormir.

Se preocupou, mesmo sabendo que não deveria se preocupar.

Disse que estava tudo bem, apenas para que se preocupassem com ele e não com si.

Por mais que soubesse o que era amar o outro, não sabia descrever aquela sensação, não era racional, era como se a sua dor não existisse, então soube o que era verdadeiramente se doar pelo outro, sentiu necessidade de protege-lo, de o guardar em seus braços, aprendeu um outro significado de amar, bem mais intenso, bem mais voraz, um amor incondicional e sem respostas.

Quando acordou não se importou com as olheiras, ou com qualquer coisa que foi lhe perguntado, esperou ansiosamente para o encontrar novamente, ainda não sabia lidar com tudo aquilo, era tudo meio novo, e nada correspondia a suas expectativas, era tudo mais intenso, antes mesmo de o acolher em seus braços já sentia seu calor tão peculiar.

Independente de todas as crenças que poderia ter, sabia que daquele momento em diante todas as suas preces seriam para ele, para seus sorrisos, para seus machucados, para seus sonhos, para seus abraços.

O alimentar era como regar um pequeno broto, sorria com esse leve pensamento, era como se aquilo os ligasse eternamente, era como se sua vida regasse aquele ser tão pequenino, enquanto ele despreocupadamente sugava cada gota. Não conseguia pensar em mais nada enquanto o encarava.

Era o seu pequeno pedaço do mundo, era o seu mundo, nunca o imaginou tão pequeno, nunca imaginou que algo tão grande pudesse caber nos seus braços, mas cabia, sabia que não caberia para sempre e inquestionavelmente sentiu um súbito medo dos dias tão distantes em que não bastaria o seu amor, seus braços, suas palavras, respirou fundo e ignorou todos esses pensamentos, por enquanto ele ainda era o seu pequeno pedaço do mundo, tão pequeno que cabia nos seus braços.

Se pegou rindo para o nada, respondendo perguntas inexistentes, inventando músicas sem refrão, era tudo tão único que nem ligava para que os outros diziam, nem todos os manuais de instruções poderiam sugerir como seria seus dias agora.

O cansaço batia, o choro surgia, e o único verbo que conseguia conjugar era o amar, o conjugava das maneiras mais improváveis e impossíveis.

Meu canto hoje dobra as tuas notas
Me olhas como se fosse normal
Me coro ao seguir a tua rota
Meu abraço te amarrota
Meu estranho natural

_Maria Gadú_

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Pena & Tinta: Entre corpos e purpurina

carnavalEm meio ao confete e a serpentina, ela retocava o batom verde neon na mesa do bar enquanto esperava sua companhia, não acreditava que estava trabalhando no primeiro dia de carnaval, levou mais uma vez a garrafa de água com gás aos lábios enquanto o procurava em meio a toda aquela purpurina, piscou mais de algumas vezes quando viu a camisa colorida e a maquiagem extravagante marcando o rosto, ele estava ali com aquele sorriso sorrateiro puxando a cadeira do bar pois o escritório estava fechado, arqueou a sobrancelha e mostrou as anotações resolveu esquecer a fantasia nada discreta e indecifrável que ele trajava, terminaram a conversa falando de política e do lixo acumulado na cidade, era sempre assim, mas dessa vez era diferente, ela se despediu dele e pediu ajuda para colocar a máscara no rosto, errou o local do beijo, se devoraram ali, ninguém se importou, todos estavam fazendo a mesma coisa.

Ela olhou a hora no relógio dele enquanto tomava o último gole d’agua, ele roubou um beijo novamente enquanto pegava a garrafa e jogava em uma lixeira qualquer, mal perceberam quando já subiam a rua em direção ao apartamento dela, girou a chave rapidamente, fechou a porta e se viu prensada ali, fechou os olhos, ainda conseguia se lembrar da última vez, retirou os botões apressadamente das casas, riu percebendo o péssimo gosto dele, jogou a camisa longe enquanto o puxava pelos cabelos e o mordia, detestou usar um dos seus batons que não eram alta durabilidade, podia perceber as pequenas marcas deixadas em verde neon no corpo alheio.

O arrastou até o quarto e quando percebeu ele havia deixado aquela bermuda por algum canto de sua sala sem ela perceber, sentiu quando desceu o fecho do vestido quase em câmera lenta os olhos dele a devorando vendo o tecido negro cair, o pulou enquanto se livrava do salto e abria o fecho do sutiã, o soltou por qualquer canto, enquanto ele mergulhava entre seus modestos seios, riu vendo que a maquiagem dele era deixada por seu corpo, uma trilha colorida que pintava seu corpo, sentiu a mordida e mordeu seus próprios lábios, abaixou a mão na cueca branca e apertou, o apertou e o sentiu ali, desceu o elástico quase na mesma velocidade em que ela sentia os beijos descendo no seu corpo, ele a ajudou na árdua tarefa de se livrar daquela pequena peça, se viu livre quando ela o apertou mais, ainda estava de calcinha, mas rapidamente não estava mais, sentiu quando ele desenhou com suas mãos seu corpo, enquanto fazia leves cócegas em sua perna esquerda.

Colou seus lábios no dele e sentiu a mão subindo por suas pernas, retirou a máscara e encarou mais uma vez aqueles olhos tão negros, o sorriso de lado que a devorava sem ao menos tocar, sentiu o hálito de hortelã se aproximando, se deitou, ele a acompanhou naquela dança nada planejada, mais um beijo, as mãos já passeavam por seu corpo, sentiu os lábios mergulhando em seu ventre, arqueou o corpo, respirou profundamente quando sentiu um beijo profundo e molhado lhe descendo a virilha, agarrou o emaranhado negro enquanto sorria e esperava impacientemente ele mergulhar furtivamente dentro de si, com sua língua, com seus lábios, com tamanha intimidade, respirou fundo enquanto inalava o cheiro de ambos, fechou os olhos enquanto cravava as curtas unhas no lençóis brancos, mordeu os lábios, e sentiu quando ele a sugou como se sugasse suas forças, sentiu a língua subindo e deixando um rastro delicadamente por cada parte do seu corpo.

Ela o puxou, o puxou com urgência e pelos cabelos, o puxou para selar seus lábios e o devorar sentindo seu próprio gosto, viu o riso frouxo que tanto amava em meio ao colorido da purpurina que enfeitava seus corpos, bagunçou com carinho aqueles fios negros enquanto suas pernas dançavam pelo corpo dele, o pé com as unhas pela metade brincava ali com os pelos de seu abdome, ela sorriu enquanto o fazia deitar para que ela ficasse por cima, talvez aquela natureza tão aquariana não ligasse para o fato de estarem uma hora atrasados para o tal bloco de carnaval, quem liga? Não era da natureza dela ser obrigada a cumprir compromissos, sorriu furtivamente pronta a devora-lo, mordeu os lábios já marcados por seus dentes e pelo resto do batom neon que usava, respirou profundamente ali no pescoço dele, o lambeu arrancando risadas, mergulhou-se ali, marcando-o, suspirou em seus ouvidos e cruzou seu olhar com o dele, não o beijou, não, não ainda, o lambeu em meio  a uma arqueada de sobrancelha e um piscar de olhos, desceu calmamente pelo pescoço, mais um cheiro, dessa vez do lado esquerdo suas mãos se apoiaram na cama enquanto ela se inclinava no peito dele.

Ele a olhava curioso enquanto ela dissipava leves arranhões por seu corpo, retraiu-se, sentiu peito descer no momento em que encostou seus lábios gélidos nos dela, ela o beijou ali, enquanto as mãos brincavam com os pelos do corpo dele, os enrolou nos dedos enquanto devorava o mamilo, mal acreditou quando ela o mordeu bem ali, a olhou incrédulo enquanto a mão descia, ela o mordeu mais uma vez enquanto o segurava, ele arfou, quase perdeu o ar, havia gostado, era diferente, sorriu quando abriu os olhos e a viu descendo por seu corpo nu, deixando marcas vermelhas pinceladas de pigmentosos brilhantes, trilhou até seu pênis já ereto, ela o beijou, enquanto o envolvia com as mãos, o lambeu, ela fez tudo isso o encarando, soltou as mãos enquanto o sugava, o estimulou enquanto apertou a farta carne de sua bunda, doce virilidade masculina, o arranhou ali entre a costela, ele perdia as contas de quantas vezes fechou os olhos se controlando para prender suas mãos no lugar, ele sabia o quanto ela detestava quando puxava seus cabelos, mais era quase inevitável, principalmente quando ele sentia-se tão cheio, iria explodir e tentou alerta-la, ela não ligou, aconteceu ali, e quando percebeu ela o beijava de maneira tão intensa enquanto compartilhavam o seu gosto.

Ela sorriu sorrateiramente enquanto encaminhava seu corpo para o canto da cama e abria a gaveta, ele, admiravelmente puxava a outra mão sugando os dedos dela, apresou-se em pegar a embalagem roxa e o entregou, nem ligou para o resto que caia no chão e para o riso que ele deu quando viu o ocorrido, ela apenas esperou que ele rapidamente fizesse o que tinha que fazer, ela gostava dele, gostava de verdade, gostava quando seus dedos se perdiam naquele emaranhado negro que eram aqueles cabelos, gostava tanto quando aquelas mãos inquietas se perdiam entre suas pernas e a fazia suspirar, mordeu os lábios quando viu aquele sorriso perdido a encarando ela engatinhou felinamente até ele e o pegou pelas mãos, o amava mais do que amava as sextas feiras, o amava mais do que amava os dias anteriores aos feriados, se encaixaram perfeitamente, eles eram assim se encaixavam bem, mesmo quando não combinavam em nada.

Reparou mais uma vez que ela também estava com purpurina e em meio ao balançar dos corpos, reparou as mãos perdidas em sua cintura, os olhos fechados, os apertos, ela o abraçou desejando que todos os dias fossem carnavais, sentiu quando os braços dele a enlaçaram também, caíram juntos na cama, se encararam quase que ao mesmo tempo que encararam o relógio, o bloco de  rua tinha se dissipado, tinham certeza que os celulares estavam entulhados de mensagens, o tempo pareceu parar em meio a um beijo calmo, se perguntaram silenciosamente o que aconteceria depois daquele dia, o que restaria daquele dia, tudo seria esquecido mais uma vez no fim da quarta-feira de cinzas?

Sentaram-se na cama e riram de suas aparências, estavam ensopados, completamente bagunçados, ainda ouviam alguma marchinha de carnaval passando na rua, ela se encostou nele pensando em qual o motivo de eles nunca darem certo, ele era de virgem ela aquariana, os ascendentes eram acidentes astrais, nenhuma das luas se cruzava, não tinham nada em comum e se dependesse dos astros eles nem ao menos trabalhariam juntos, ela riu mais uma vez enquanto ele se arrastava até o banheiro.

_Você vem? – ela não soube o que responder, ficou parada enquanto ele catava as roupas no chão e adentrava o banheiro.

Respirou fundo, estava com fome, queria mais, talvez fazer do resto do ano um grande carnaval não fosse tão ruim, mal percebeu quando seus passos tortos caminharam até o banheiro, abriu a porta de vidro e o abraçou por trás a água fria inundou ambos os corpos, enquanto eles respiravam aceleradamente a procura de uma resposta.

Ele a amava mais do que sorvete de chocolate, ele amava aquele riso engasgado em suas costas, amava a admirar enquanto ela buscava soluções inteligentes para mudar a órbita do mundo, para o tirar de órbita, ele se sentia perdido sempre que estava perto dela, já havia jurado tantas vezes se afastar, mal percebeu quando ela o apertou mais e soluçou, ele raramente a via chorando, se virou rapidamente se soltando dela, e levantou seu rosto, beijou seus olhos como tantas vezes ela fazia com si.

_Eu não quero mais… – o peito dele parou e ele concordou enquanto fechava o registro, quando se preparou para sair daquele pequeno espaço ela o segurou. _Eu não quero que seja passageiro, quero que não acabe na quarta-feira de cinzas.

Ele mal acreditou quando ouviu aquelas palavras tão doces saindo da boca daquela que jurava não se amarrar a ninguém.

_Aceita fazer do meu ano um eterno carnaval?

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Esse texto faz parte do Pena & Tinta, um projeto de escrita criativa que tem como objetivo a criação de textos (crônicas, contos, poesias, relatos pessoais etc) em cima de temas predeterminados mensalmente. Um dos temas de Fevereiro é Amor de Carnaval.

 Tem um blog e quer participar das próximas edições do Pena & Tinta? A gente está te esperando AQUI.

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Pena & Tinta : Tão opostos e tão iguais.

passaros
imagem retirada do Pinterest, não consegui achar autor. ;(

Cartas de amor devem ter saído de moda, mas eu não fui comunicada formalmente a respeito disso, me apaixonei, mais vezes tentando te odiar, do que eu poderia imaginar, na verdade eu me assusto quando escrevo isso, e leio em voz alta.

Te conheci enquanto amarrava meu tênis e me preparava para cobrar uma falta, na aula de educação física, ainda não acredito que os meninos iriam realmente te chamar para entrar no meu lugar, ok, eu já superei isso, (mentira, não superei! Machistas) mas você não aceitou, preferiu continuar lendo aquele seu livro de histórias fantásticas, affs, te achei um tanto quanto “metido”.

Pensando bem você realmente era metido, exibido e estranho, aquele cabelo arrumadinho, aquele tênis completamente branco, aquela calça jeans limpa… Que tipo de adolescente era você? Com toda certeza alguém bem estranho, estranho o suficiente para no primeiro trabalho em grupo a turma inteira te odiar. “Eu não vou fazer com ninguém professora, vou fazer sozinho, eu sou capaz”. É…, naquele dia você conseguiu a antipatia de bastante gente.

Não preciso te lembrar que no final do dia, você precisou correr bastante antes de levar o primeiro soco, e cair de cara na lama. Demorei muito para ir te ajudar, fiquei meio estática quando percebi que os meninos estavam gritando palavras ofensivas na sua direção, o professor de Educação Física foi bem mais rápido do que eu, e te tirou do meio daquilo tudo, enquanto anotava o nome de cada um dos agressores.

Na última semana antes de fecharmos o bimestre você simplesmente sumiu, achamos que você tinha finalmente desistido, mas que tipo de adolescente desiste de algo e os pais não ligam? Essa hipótese foi quebrada quando a coordenadora recebeu uma ligação do seu pai, avisando que você estava doente. Duas semanas depois você apareceu com o braço quebrado.

No dia que você esqueceu seu caderno, e saiu sem nem olhar para trás, eu te segui, e para minha total surpresa, você não percebeu, lá estava você desajeitadamente entrando naquela academia de dança. Balé, quem diria o “senhor arrogante” fazia balé, não preciso dizer a quantidade de pensamentos que surgiam na minha mente né?

Fui homofóbica e o fato de ser adolescente não era desculpa para isso, muito menos para tirar a foto que eu tirei de você, enquanto fazia algo complexo na ponta dos pés, acho que nunca poderei falar o nome daqueles passos. Também acho que nunca serei capaz de realiza-los, lembro que tentei te imitar enquanto te observava.

No fim daquele dia não enviei a foto, não criei perfil falso, não fiz nada a não ser te olhar e imaginar como alguém tão idiota conseguia fazer algo tão lindo, é eu achava, eu ainda acho balé algo intenso e lindo, naquele instante eu só pensei que talvez fosse bom tentar te entender um pouco.

Te devolvi o caderno, e você não me agradeceu, sugeri fazermos o trabalho junto e você simplesmente continuou andando, quando já estava quase perdendo a paciência nossa professora de história resolveu que todos deveríamos fazer os trabalhos em grupo, ninguém queria fazer com você, e você não queria tirar zero.

Fazer um trabalho de ensino médio nunca tinha sido tão difícil, livros, livros, livros?????? Com tanta coisa na internet, como aquela professora pode nos mandar pesquisar na biblioteca da escola, você não falava muito, você não falava nada, apenas copiamos algumas coisas, tiramos algumas xerox e só.

No fim daquela semana já tínhamos feito tudo, era sexta, não nos despedimos, mas você foi embora, chutou as pedras pelo meio do caminho e se perdeu entre as ruas. Eu sabia para onde você ia.

Durante todo aquele ano eu fui a sua única parceira de grupo, o que me causou sérios problemas, era representante de turma e tecnicamente eu havia abandonado meu grupo de trabalho para te ajudar, e não estava recebendo nem bom dia, adolescentes são vingativos, um dia resolvi que não queria mas tentar te ajudar, não queria mais ser do seu “grupo”. Foi a pior coisa que eu fiz admito.

Lá estava você quietinho demais, disperso, fingindo ler aquele livro, aquele maldito casaco escondia quase toda a sua mão, eu não deveria me preocupar, mas estava calor demais e você parecia não ligar para as “zoações” que ocorriam no seu entorno, aquelas brincadeirinhas nada inocentes já estavam cansando, eu não via mais graça. Eu te segui naquele dia, fiquei preocupada, você estava estranho, tinha sobrado nos grupos e eu me senti culpada.

Você havia entrado em uma lanchonete, limpou os olhos e eu estranhei, você estava chorando, hoje eu me pergunto qual o problema? Homens choram… Uma moça bagunçou os seus cabelos enquanto dava um leve beijinho em seu rosto secando suas lágrimas, algo aqui dentro do meu coração ficou bem espremido, sabe o que eu pensei naquele momento? “Ele curte meninas????” Como eu era idiota, me desculpe, deveria ter me perguntado o motivo das suas lágrimas.

Um dia eu apareci naquela lanchonete, você me encarou surpreso, mas não falou comigo, eu também não falei com você. Dias se passaram até você finalmente se sentar ao meu lado e perdurar o silêncio por minutos que mais pareciam horas, enquanto eu bebia o suco de laranja.

“Você pode fazer o trabalho de matemática comigo?”, te encarei durante muitos instantes, sem nenhum por favor, “claro que não”, você se levantou e foi se embora. Eu deveria ter perguntado o motivo de você ter quebrado aquele seu orgulho idiota, mas não fiz, outro maldito erro. Você ficou de recuperação em matemática, você não tinha problemas com números quando eu te conheci, eu não conseguia entender como aquilo era possível.

As férias de dezembro logo chegaram, soube que você tinha passado de ano com média cinco, passou, viajei e só voltei em janeiro, quando fui naquela lanchonete você não trabalhava mais lá, não frequentava as aulas de balé e eu não entendi como você tinha evaporado dessa forma, talvez tivesse viajado, eu desejei que só fosse uma viajem.

A primeira semana finalmente aconteceu, mas você só apareceu duas semanas depois, estava com o braço enfaixado, com olheiras, e andava devagar, jogou suas coisas na cadeira do fundo, aquela que ficava perto da parede, tombou sua cabeça ali, a professora suspirou quando você não respondeu, alguns deram leves risinhos, outros cochicharam, mas estávamos no terceiro ano e bem…, no terceiro já somos meio-adultos, alguns não acharam graça e se preocuparam com você, eu me preocupei.

Você era uma figura estranha, nunca pensei ver você perdendo a cabeça e socando alguém, também nunca pensei te ver fumando, mas lá estava você fazendo tudo aquilo que esperavam que você fizesse…

Quando suas notas baixas no primeiro bimestre surgiram e você passou a não responder os professores, comecei a perceber que eu deveria ter feito aquele trabalho de matemática com você. Pela terceira vez te segui, você não foi para lugar algum especificamente, só sentou no chão de uma rua qualquer, enquanto a chuva caia e se misturava com suas lágrimas, é meninos choram, eu já tinha aprendido isso. Me sentei ao seu lado e você me ignorou, não percebi quando comecei a soluçar, mas que droga eu tinha me apaixonado por você!

“QUAL A PORRA DO SEU PROBLEMA” – Foi essa a primeira frase que eu troquei com você em meses, você me ignorou e eu te bati, foi um soco forte que fez você fechar os olhos.

“O MEU PROBLEMA SÃO OS SERES HUMANOS” – Como assim seres humanos? Fiquei parada tentando entender aquilo, mas você não continuou, se levantou e eu te segui, você me deixou te seguir enquanto fumava mais um dos seus cigarros, entrou naquela casa e bateu a porta na minha cara. No dia seguinte você não foi, nem no outro dia, no terceiro dia eu bati na sua porta, seu pai falou que você estava doente.

Quando finalmente apareceu eu me sentei ao seu lado, estava decidida a não me livrar de você. Mas que DROGA, você nem falava nada, mas por algum motivo você tinha voltado a fazer os trabalhos.

“Eu te vi no dia que tirou aquela foto na academia”, eu te encarei surpresa, você não me olhava estava observando alguma coisa mais interessante em algum outro canto, “minha mãe fazia balé, eu me sinto perto dela quando danço”. Eu não entendi, ainda não entendo, os motivos de você finalmente ter começado a falar…

Quando eu conheci seu pai achei que ele era quem te deixava daquele jeito, machucado. Não, não era seu pai, e eu descobri isso quando você surtou enquanto fazíamos um trabalho de geografia, lembra? Você se cortou na minha frente, eu me desesperei, eu gritei com você, segurei seus braços e te beijei, você desmaiou, eu entendi o motivo das camisas grandes, eu não duvidava que tivessem mais daqueles cortes espalhados. Você não me encarou por dias, eu também não tinha te encarado. Droga eu realmente gostava de você, mas não da forma como você gostava de mim.

Apaguei aquela foto do meu celular quase que ao mesmo tempo que seu pai me ligou pedindo para conversarmos, seu pai sim era um cara engraçado, ele nem sabia como começar aquela maldita conversa, sua mãe tinha morrido, você se mudado para morar com ele, trocou de escola, teve que abandonar o namorado, finalmente eu tinha descoberto que você era gay, finalmente eu tinha descoberto sua história, sua depressão e sua tendência autodestrutiva.

Eu também era meio autodestrutiva naquela época, engoli minhas lágrimas enquanto te encarava brincando com uma caixa de música na cama, eu estava decidida a não te deixar sofrer, me sentei ao seu lado, respirei fundo enquanto vi você se sentar e abaixar os olhos me perguntando se eu sabia, o silêncio era tão ensurdecedor que eu quase me perdi enquanto meu corpo me empurrava na sua direção, te abracei e foi nosso primeiro abraço debulhado em lágrimas. Droga eu te amava, e isso estava me destruindo.

Nos tornamos amigos finalmente, era final de ano, vestibular, provas finais, decidir o que fazer durante boa parte da vida era algo tão complexo que tudo que eu pensei foi “não quero fazer nada, quero fazer de tudo”, minha primeira opção foi uma universidade longe de casa, liberdade finalmente, trote, professores malucos, solidão. Passamos pelas mesmas coisas em locais diferentes, não estudávamos mais juntos, mas você parecia melhor, eu não me preocupei, seu pai também não, mas estávamos errados, nenhum de nós notou suas olheiras voltando a surgir, ou suas palavras sumindo em meio as frases. Droga eu era sua amiga, eu te amava, como deixei isso acontecer.

Naquele dia você simplesmente não ligou avisando que chegaria mais tarde, tinha sumido, comunicamos a polícia, dias depois você apareceu, estava um caco, não queria falar, tivemos que te dopar para que cuidassem de você. Você só ficava dopado, mas um dia, um determinado dia você simplesmente se cansou.

Eu realmente deveria não ter te amado, talvez se eu tivesse te amado menos eu tivesse percebido toda aquela dor disfarçada de sorrisos pequenos, eu ainda penso em você toda vez que abro aquela caixa de música, ainda penso em você enquanto ouço alguma música clássica e ainda penso em você quando percebo que eu poderia ter amenizado a sua dor.

Brincadeiras machucam, arrancam sangue, cansam… Eu entendo o motivo de naquele dia você me dizer que o seu problema eram os “seres humanos”, acho que no fundo esse é um problema de todos. DROGA eu ainda te amo…

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Esse texto faz parte do Pena & Tinta, um projeto de escrita criativa que tem como objetivo a criação de textos (crônicas, contos, poesias, relatos pessoais etc) em cima de temas predeterminados mensalmente. Um dos temas de novembro é OPOSTOS.

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Amor, Cores, Crônica, Minhas Crônicas, Opinião, Padrão, Sem categoria

O Menino, as Cores e o Mundo

 

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Imagem retirada do site: mensagens e reflexões

Aqui estava eu em mais uma das inúmeras madrugadas cariocas pensando em amigos meus, um em especial, quando vi, já tinha escrito o texto…

Existia no mundo um menino que enxergava tudo em preto e branco, isso não o tornava triste, não, as cores para ele eram sentimentos, então seu mundo era colorido com as cores mais intensas possíveis.

O Azul sempre o remeteu a serenidade que ele tinha nos dias chuvosos, ele amava esses dias, ele corria para o lado de fora, entre a tempestade e todos os trovões, e ia observar a alegria das flores ao receber as gotas de chuva e a espontaneidade das crianças em pular as poças d’água, era como se isso causasse leves cosquinhas nele, ele sorria enquanto imaginava que aquelas cenas sem dúvida seriam embaladas pela cor azul…

Sorrisos azuis…, era assim que ele pintava seu mundo, com grandes e inesquecíveis sorrisos azuis, sorrisos repletos de prazeres simples e imateriais.

Os dias quentes o remetiam sempre ao amarelo, ele gostava de sorrir enquanto se sentava e apreciava os primeiros raios de sol encontrando sua pele, era quente, diferente, era como o beijo dos apaixonados casais, era como os seus beijos, os beijos que ganhava ao pé do ouvido nas madrugadas insanas, o amarelo era tão voraz quanto qualquer toque, era suave, íntimo, era um movimento bilateral. O amarelo no fundo era o encontro de corações, um grande abraço invisível que acontecia.

Ele vivia desses abraços intermináveis que pintavam seu mundo de amarelo.

O vermelho o remetia a doces, ele via o vermelho e sentia vontade de o devorar como se ele fosse feito de uma droga viciante, ele amava aquele doce, ele simplesmente mergulhava naquela sensação que o dava coragem de enfrentar qualquer coisa sem desistir. Ele corria, corria e corria com aqueles olhos tímidos, com aquele sorriso solto e devorava qualquer coisa que via na sua frente e o fizesse se sentir bem.

Ele amava aquela sensação de prazer, era como respirar, essencial para sua vida. O vermelho era seu prazer, e seu prazer era gritar para o Mundo que ele queria o descobrir, que ele queria o devorar…

Quando fechava os olhos e se perdia na imensidão que era seus sonhos, ele Imaginava o verde, e era como se perder no Mundo, era divertido imaginar que entre tantas cores a que se fazia mais presente era o verde, era como pular de um avião sem paraquedas, uma queda livre. O verde era aventura, uma aventura que invadia todos os órgãos do seu corpo, ele amava se sentir verde, se sentir parte de algo e lutar por esse algo tão livremente quanto qualquer pássaro na floresta, ele era verde por inteiro.

Ele era livre, e talvez por isso tantas vezes ele achou que não cabia no mundo… Talvez por isso ele tenha inventado tantas vezes seu próprio Mundo e o pintado de cores tão peculiares que nenhum outro alguém poderia as identificar…

Sabe quando você se sente o inventor do Mundo? Então quando o menino se sentia dessa forma ele se sentia abóbora. Se sentir abóbora era se sentir quente e doce, o menino sempre se sentia assim, quando inventava que era o rei do mundo. Ele corria por aí inventando de consertar corações quebrados, seus passos ágeis formavam quase uma orquestra, ele raramente se preparava para os tombos, mas… ele não se importava em cair, se isso fizesse os outros voltarem a sorrir.

Abobora não era uma cor tão legal assim, eram intermináveis os dias em que ele se sentia abobora e voltava para casa com o joelho ralado e o sorriso travesso no rosto, nesses dias tudo que ele precisava era a certeza de que suas ações tinham valido a pena, afinal quem liga para um joelho ralado no fim das contas?

Se sentir abobora sem dúvida era melhor do que se sentir violeta, entre todas as cores a que mais o remetia ao “preto e branco” era o violeta, ele gostava da cor apesar dela ser tão fria, tão fria quanto os dias tristes, ele sempre precisava de abraços nesses dias, ele gostava de se sentir quente e não frio… Sabe os dias violetas, eram os dias em que ele mais se sentia criança, hora estava agitado procurando por uma resposta impossível, hora estava procurando se sentir acolhido…

Os dias violetas eram dias chatos demais, cheiravam a saudade, a angustia e a medo, ele não gostava de sentir medo, mas era difícil compreender o menino, mesmo gostando tão pouco de Violeta ele ainda se sentia inspirado a ter coragem e a tingir esses dias com várias cores, as misturando e formando dias improveis possíveis.

É, ele realmente amava viver em um Mundo “preto e branco”, sua maneira de enxergar o mundo era algo único e talvez por isso ele enxergasse melhor do que qualquer outra pessoa…

Amor, Crônica, Feminismo, Sexo

The End…

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Recentemente me vi no meio de turbilhões de emoções que não eram minhas, eu não lido muito bem com perdas, ironicamente, eu nunca tive um grande termino, os que eu tive eu soube superar teoricamente bem, mas resolvi buscar nos anexos dos meus sórdidos pensamentos algo para escrever sobre esse momento tão profanamente inevitável:

O mundo vai continuar a ser o mundo, mesmo se amanhã eu não estiver ao seu lado, a inexplicável rotação da Terra continuará a acontecer, o Sol ainda estará iluminando nossas manhãs, e o frio da noite ainda nos fará desejar alguém ao nosso lado, não por amor, mas por egoísmo, vamos querer o corpo alheio para aquecer o nosso, e nos envolver em uma camada de braços e abraços, sussurrando palavras indecifráveis em meio ao sono, enquanto ouvimos o batucar do coração alheio, que não nos pertence…

O vazio na cama se torna maior, o espaço antes tão pequeno se tornou uma cratera, não existe bagunça, não existe risos, não existe… Mas o correto seria que isso tudo continuasse a existir, afinal, continuamos a viver e somos a parte inteira de tudo que restou, a matéria orgânica, presente nesse corpo, ainda é a mesma de antes de tudo acontecer, o que prova que ainda é possível respirar, suspirar, andar, viver…

Encarar a vida pode ter se tornado um pouco mais difícil, afinal quando se termina com algo de forma tão abrupta e inesperada você fica sem reação, não sabe que rumo tomar, que caminho seguir, e um medo transborda nos seus olhos, sim nos seus olhos, afinal todas as possibilidades que esbarram com você naquele primeiro momento não fazem sentido algum, você ainda continua se sentindo incompleto, mesmo com todos os seus pedaços no lugar, você adquire um medo absurdo de que tudo sempre seja assim, sempre…, sempre.

A solidão parece ser um eco no meio do seu peito. As letras de música parecem ecoar na sua mente “é impossível ser feliz sozinho”, quem disse isso? Quem nos ensinou a pensar assim? Infelizmente quando se está com todos esses sentimentos “a flor da pele e qualquer beijo de novela nos faz chorar”, não conseguimos enxergar um erro mortal nessa frase, só é possível ser feliz sozinho, quando dependemos de outros para fazer/trazer nossa felicidade transformamos isso em dependência. Amar não é criar dependência, amar é ser livre é viver independente do outro, partilhando o “nós”, junto com todos os sorrisos e lágrimas, mas sem esquecer do “eu”.

E nesse desespero em que me vejo

Já cheguei a tal ponto

De me trocar diversas vezes por você

Só pra ver se te encontro

_Caetano Veloso – Você não me ensinou a te esquecer.

Dizem que os seres humanos se distinguem dos demais animais por sua racionalidade, mentira, não somos racionais principalmente quando isso envolve sexo e amor. A grande verdade é que a maioria de nós busca no outro aquilo que deveríamos encontrar em nós, sabem aquela velha frase de contos de fadas: e se tornaram um só”? Essa frase deveria ser banida de qualquer história para ninar crianças, não deveríamos as ensinar que o amor é egoísmo, deveríamos ensinar que o amor é compartilhado.

Amar é a conjugação do verbo no plural, “amamos”. Mas e quando um dos dois não ama mais, ou esse amor não é suficiente? A hora em que o fim chega, é sempre a pior hora…

É meus caros, o fim é algo tão intenso que raramente acontece por decisão inteira, não há conversas, abraços ou beijos, tudo que resta é uma série de soluços e questionamentos sobre os motivos que levaram a àquele ponto final. É claro que tiveram motivos, mas quando é você que ouve o último adeus, é você que se acha culpado, é você que se esconde, é você que não sabe responder àquela fática pergunta: “por que terminaram? ” Meia hora após essa pergunta, um filme roda na sua mente, seus olhos transbordam e seu mundo desaba, a pergunta que deveria ter sido feita é “você está bem? ’’

Afinal ainda ontem seus corpos estavam juntos, em meio ao suor, os beijos, os afagos e os sussurros de prazer ao pé do ouvido. “Você tem certeza que está bem?” Não, não está, eu sei que não, isso tudo foi ainda ontem…

Essa sem dúvida é a pergunta mais correta, não existem motivos plausíveis o suficiente para um termino, não para quem recebe o ponto final, tudo que essa pessoa precisa nesse momento é compreender que ela não foi culpada, que o mundo vai continuar girando e que ela vai ter um abraço silencioso para aquele momento, que aquele só foi “um momento” e que vão existir inúmeros outros momentos. Afinal não importa os motivos, todos eles não vão fazer sentido algum para os corpos aquém de toda aquela história.

Não importa se foram, dias, meses ou anos, não importa e nem nunca vai importar, no momento em que o ponto final é colocado no meio de uma frase, ele corta todas as possibilidades de se saber o final da história, ele causa angústia por tudo que poderia acontecer e nunca aconteceu, ele causa medo, desespero, tristeza, ele transforma em lágrimas todas as boas lembranças e palavras.

O irônico disso tudo é que esse ponto final só se transforma em vírgula quando os dois lados dessa frase se permitem conversar, não existe relação de um só, a vida não é um monólogo, é um incansável diálogo onde criamos inúmeras conversas ao pé das amendoeiras imaginárias.

“Não vou me sujar fumando apenas um cigarro

Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom

Quanto ao pano dos confetes, já passou meu carnaval

E isso explica por que o sexo é assunto popular.”

_ Zé Ramalho, Chão de Giz

No fim tudo que resta é uma dor inconstante no meio do seu peito e por mais que se diga, “eu entendo”, tudo vai parecer não ter sentido nos próximos minutos. Sabiam que somos bem mais egoístas no “fim” do que no início? Sim, somos egoístas, aliás no “fim” ambas as partes são egoístas, ambas querem continuar e terminar aquela história por motivos individuais e que nem sempre condizem com a realidade.

No fim, o poeta realmente estava certo.

“Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.”

_Vinicius de Moraes – soneto de Fidelidade

 Era frio,

Era noite,

Era o fim,

Estávamos felizes, sentados, conversando ao pé da amendoeira, os carros passavam, as crianças corriam pelo parque, e você estava ali, me olhando, como quem olha pela última vez alguém.

O beijo de despedida aconteceu,

O último selar de lábios,

O último toque.

Eu não estava morrendo e nem você indo para outro planeta, era um adeus tão vulnerável em termos explicativos, que cheguei a me perguntar se ele realmente chegou a existir.

Toquei meus lábios,

Ouvi meu coração bater,

Respirei freneticamente,

Minha garganta secou,

Você não estava ali…

No fim tudo ficou a como sempre esteve,

Você não existia antes e nem vai existir depois…

Demorou um certo tempo para eu perceber que tudo continuava em ordem a minha volta, não me acalmei e nem quis me acalmar, busquei na ânsia de um desejo voraz outros braços para te encontrar, mas inevitavelmente me vi perdida.

Parei,

Respirei,

Percebi, não era você que eu buscava, nunca foi, sorri enquanto observava as folhas da amendoeira se espalharem por aquele parque…

Me encontrei.

*Escrito em homenagem aos meus amigos…