Abuso, cartas, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, Violência

Sempre…

Aos desesperados …

Desespero

  1. estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança.”no d. de reconciliar-se com seu antigo amor, entregou-se à bebida”
  2. .estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento.

O barulho das sirenes continuavam a ecoar na minha mente, eu apertava meus pulsos para amenizar o peso de tudo aquilo em mim, a choro ficava preso na garganta enquanto eu me escondia em meus passos, era como se chorar já não bastasse. Queria que me esquecessem, queria esquecer, queria que tudo aquilo parasse, mas era um querer inútil…, o barulho incessante daquele aparelho de comunicação era irritante, me senti sob constante vigilância, me sentia inútil era como se quisessem apenas me controlar e não se preocupasse comigo.

Caminhar só pelas ruas sempre foi uma tarefa difícil, mas dessa vez parecia impossível, era como tropeçar nos próprios pés enquanto fugia de todos. 

Eu era um desastre, meus joelhos sangravam, minhas mãos ardiam, eu perdi todas as palavras enquanto gritava, não consegui assimilar a dor que sentia, não conseguia entender tudo que acontecia, chorei e gritei sob os olhares de desconhecidos, era tudo tão cruel, amanheci tarde demais, tudo em mim doía apenas por existir. 

Eu senti medo, senti vergonha, quis desaparecer, engoli minhas angústias e mordi meus lábios enquanto escondia meus soluços, era desesperador sentir aquilo… Era como se o mundo não me entendesse e me detestasse apenas por existir. Era como se minha respiração estivesse sendo abafada e eu tivesse que lutar desesperadamente por migalhas de ar. A esperança de que eu sobreviveria a mais um dia era escassa.

Ouvi o barulho do relógio enquanto tomava pílulas que desciam arranhando minha garganta, tudo parecia precipitar um desarranjo em meu cérebro, é agoniante, não consigo pensar em nada além do desespero. Respirar em meio a tantos pensamentos descompassados se torna um movimento difícil e sem ritmo definido. 

O chão não se abria e não tinha como se afogar no chuveiro, mas ainda assim o meu corpo parecia não me pertencer, ali no espelho estava alguém que não conhecia, o choro vinha mais forte conforme eu percebia que não adiantava me esconder, o sabão parecia não fazer um bom trabalho,  não adiantava correr eu não tinha hora marcada com ninguém, a água parecia limpa demais mas era uma ilusão. Os soluços vieram junto com o sangue recém adquirido enquanto me punia por algo que eu não sabia como consertar. 

Viver havia se tornado mais complicado, tudo parecia mais silencioso e solitário, não há nada que coloque ritmo em minha respiração ou que faça meus pensamentos se acalmarem. É desconcertante ouvir seu próprio grito, não há como buscar ajuda porque não há esperança, não há tempo e não há certezas de que aquela dor vai passar, ninguém parece realmente disposto a ouvir, tudo que resta é a vontade de que tudo se apague e desça pelo ralo junto com aquele sangue. 

Caminhar era uma tarefa difícil, era difícil se direcionar para qualquer canto, era sufocante tentar se concentrar em uma direção quando existem tantas vozes gritando, os pensamentos vão escalonando a cada alternativa, são muitos “e se”, são muitos medos, tudo sempre parece prestes a desabar, respirar enquanto pensamos em decisões é como se sentir sufocado por uma montanha de poeira. 

Se sentir assim era desconfortante, era como ser um estranho dentro do próprio corpo, como não ter controle das próprias emoções, o dia poderia estar lindo mas nesses dias tudo parecia uma grande tempestade, ouvir outras pessoas quebrando o silêncio e atravessando os nossos pensamentos era uma gota d’água que transbordava qualquer copo, era desgastante tentar assimilar todos aqueles ruídos que invadiam minha mente de forma tão frenética.

Chorar enquanto tentava sair do seu casulo e revisitar o mundo era desesperador, todos pareciam saber tudo sobre você, ninguém te ouvia, te faziam engolir sua verdade enquanto tentava fugir daquele espaço tão assustador, eu só queria sumir, desaparecer, esquecer aquela dor. Tudo faz lembrar o que queremos esquecer, o cheiro, o toque, as palavras, tudo faz com que aquela sensação de pavor e medo surja novamente. 

Por vezes não sei o que quero, se quero a companhia daqueles que supostamente tentam quebrar todas as barreiras e me alcançar ou se quero o afastamento,  não entendo o que sinto, não consigo me expressar, tudo que consigo fazer é desesperar conforme o mundo continua a girar, ele gira sem se importar se ainda estou aqui em constante estágio de estagnação, tal qual um carro parado no meio da linha do trem, sem saber como agir, sem saber se pulo carro ou espero o trem.

É uma sensação esquisita de constante desencontro, é uma indecisão que ocupa um espaço desnecessário em meu peito. É como não se reconhecer mesmo olhando no espelho, é como sufocar com suspiros de angústia em meio a um mar de desespero. É como achar que ninguém te entende, nem no silêncio e nem na constante bagunça que é minha existência. 


Essa semana foi complicada, além de toda bagunça no meu trabalho, em São Paulo uma quadrilha homofóbica anda colocando em risco a vida de jovens, isso não foi só essa semana, mas essa semana alguém morreu. Como se não bastasse, em nosso país o congresso quer legislar a favor do estuprador. Vocês tem noção de quantas crianças são vítimas de uma violência e não reconhecem os sinais de uma gravidez…?

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, Minhas Crônicas, Opinião, silêncio

Detalhes ínfimos

ínfimos: Excessivamente pequeno; diminuto; diz-se do tamanho, dimensão, força, quantidade, volume ou peso muito pequeno

Não existe nada pior do que cheiro de saudade, respirar em meio a certeza de que nada vai dar certo, era assim que se sentia, respirar era como retirar pedras atoladas do pulmão, dói, é tudo tão desesperador que se demora a entender que aquele é de fato o fático fim, chorar não adianta, gritar também não, você não consegue se esconder porque em todos os lugares tudo te lembra dessa dor eminente que se alojou em seu peito e te faz sentir como em um desmoronamento. 

Você viu os sinais de que tudo iria desabar, primeiro viu as rachaduras, depois o rastro de terra nos cantos das paredes, mas se sentiu paralisado e apenas assistiu a tudo ruir, tentou manter os olhos fechados, mas era impossível, o barulho, os gritos, o desespero e o cheiro de terra molhada invadiram seus sentidos e te sufocaram, era como ter uma vida inteira passando diante dos seus olhos enquanto tentava buscar por ar. Era difícil ver o mundo se esvaindo diante dos seus olhos, era difícil ver um mundo de amor ser transformado em saudade. 

Amar sempre foi um verbo conjugado de forma tão plural por você, amava a ilusão que construiu, tudo era estável, tinha para onde fugir mas sempre tinha para onde voltar. Amava a confusão, o barulho e as certezas de que tudo sempre ficaria bem, às vezes desejava silêncio, mas ainda assim, mesmo nesses momentos amava estar por ali, em meio a toda confusão que te tirava o ar e arrancava risos de desespero. Essa era sua vida, era uma boa vida. 

Você que sempre soube o que era amor, que sempre soube ser abrigo, agora não sabia como agir, era uma chuva torrencial que inundava seu peito com uma única certeza, nada iria restar e se sentir dessa forma era uma sensação desesperadora, de quem perdeu tudo e agora precisava de ajuda para recomeçar a catar seus pedaços pelo meio do caminho.

Depois de tantos risos ao pé do ouvido, depois das noites mal dormidas, e de todas as histórias construídas, tudo que vai restar é uma saudade vazia. Uma saudade que começou a ser construída antes do ponto final, uma saudade construída no meio de um parágrafo repleto de situações inusitadas. 

O silêncio que você tanto buscava, foi tudo que restou, mas ele foi reconfortante, o silêncio era perverso, torturante e angustiante, ficar sozinho e imaginar os milhares de finais era desesperador. Pensar que aquele silêncio pode se tornar definitivo e aquela voz tão conhecida que te acompanhou por anos pode finalmente cansar e descansar, era inevitável, no início ela tentou se fazer presente, esconder o desespero de não conseguir saber o que falar, o que deixar, mas depois tudo deu lugar a um pranto contido que se tornou um desespero dolorido, que ansiava por um tempo que sabia que não tinha. 

Não havia nada que pudesse fazer para sanar aquelas lágrimas ou para parar o tempo, não havia um ritmo a ser seguido, e todos os dias te lembravam de que não havia tempo a ser perdido, ele não parava e levava aos poucos um pedaço da sua história, não havia nada a ser desfeito e só restava esperar, esperar e desfazer seu pranto enquanto acalenta em seus braços os soluços sôfregos de quem já te deu tanto amor, sente a fragilidade daquele coração que tinha um ritmo tão peculiar de te encantar e mover seu mundo. 

Não há como nada ficar bem, não há… E constatar isso era a pior coisa a ser feita, não havia esperança, conforto ou afeto, havia apenas mágoa, dor e sofrimento. Era tudo tão latente e aumentava conforme o ponteiro do relógio findava, em um primeiro momento você achou que dava conta, abraçou o mundo como sempre fazia, se concentrou em não se concentrar na dor, ela existia, mas você não queria lembrar. Depois ficou impossível disfarçar e dar respostas prontas, a mente vagava e te roubava as palavras. 

As lembranças antes esquecidas invadiam seus dias, o cheiro do alvorecer e o medo do amanhã passaram a ter fazer companhia até mesmo nos momentos mais ínfimos, era uma lembrança constante de que tudo que restava era isso, um porta retrato sem cheiro, sem toque e quebrado. A saudade passou a ser uma amiga constante, não era confortável olhar para trás e observar todos os erros, acertos e afagos, na verdade era torturante, era desesperador sentir saudade do que ainda se tinha, mas sabia que iria perder.

Você se engasgava constantemente pensando em tudo que poderia ser feito e desfeito, se havia ou não tempo, tudo é tão subjetivo que te paralisa, não há como voltar no tempo, não há como parar o tempo, não há possibilidades, não há nada a não ser a estranha certeza de que qualquer coisa seria melhor do que o que estava acontecendo, você se culpava por isso, mas já carregava tanta culpa que essa era só mais uma …

Respirar é como se despedir segundo a segundo de quem nós somos, é como gritar em desespero em um navio que afunda. Eu sei, às vezes te falta ar, te falta ânimo para falar sem se engasgar com o ar que te sufoca, mas você continua porque sabe que se desistir vai ser pior, você sente medo do fim, mas sente mais medo do que vai acontecer depois do fim, depois que toda a tempestade passar, depois que a água que te sufoca baixar e você contabilizar o estrago…

Depois de tudo, tudo que vai restar é a estranha saudade, o constante desespero de não saber como continuar e a certeza de que você vai finalmente poder se consolar sem sentir culpa.

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Saúde, silêncio

Filme antigo.

Ainda é cedo amor

Mal começaste a conhecer a vida

Já anuncias a hora de partida

Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

(Cartola)

Aos que se perdem no tempo e perdem tempo…

Algumas vezes seu relógio não marca as horas da forma correta, é como se o seu tempo não fosse cronológico, tem dias que seus minutos duram mais do que horas e outros tantos, suas horas passam mais rápido do que os segundos. É como olhar o mundo, seu mundo, sentado diretamente na cadeira de um cinema vazio, sem ninguém do seu lado, é como ser um espectador da própria vida. 

De repente não mais do que de repente, sua vida antes tingida de tantas cores parece ter virado um eterno filme em preto e branco, sem som, sem direção, a imprevisibilidade passou a fazer parte dos seus dias, você deseja que aquele longo e cansativo filme acabe mas ele não acaba ele se arrasta. Às vezes você assiste ao filme, outras tantas você se transforma em uma personagem coadjuvante que ninguém percebe por ali, uma personagem que arrasta uma longa corrente por todo o filme, é esse seu único enredo, ninguém repara nela, ninguém para, e todos os outros personagens evoluem, mas ela não.

Você percebe que parou e o mundo continuou a girar, todos a sua volta continuam da mesma forma seguindo com suas vidas, tropeçando em você e seguindo sem perguntar se estava tudo bem. As pessoas não param, não perguntam, apenas seguem, elas não querem perder tempo, elas não querem ter suas vidas estacionadas apenas por tropeçar em você. Quando você finalmente consegue se mexer, você percebe que o tempo passou, que ele correu e você nem percebeu. 

É uma batalha perdida, não tem como lutar contra o tempo, de alguma forma você não sabe como começou a se sentir assim, se foi algo de agora ou de muito antes de você se tornar adulto, mas aconteceu e agora tudo que você consegue fazer é assistir a esse filme que se repete dia após dia, você às vezes ri de forma involuntária, as piadas são sem graça mas você apenas faz, para não perder o costume, para que não percebam que as coisas mudaram. 

Algumas vezes é difícil manter o disfarce, e você desaba, e é como se aquele filme desastroso estivesse em um aparelho quebrado, ele é rebobinado várias e várias vezes para que você pudesse lembrar suas derrotas, seus medos e seus erros. Você desaba e se afoga naquele sentimento, não consegue escapar daquela correnteza, se sufoca, se esconde e se machuca. 

Seus suspiros são de desespero, afinal durante tantos anos o medo era tudo que você queria evitar e agora parece que de forma inevitável tudo que você tem pela frente é isso, o medo, o medo constante de se afogar e não ter ninguém ao seu lado, o medo de se tornar um eterno espectador da sua vida. O medo finalmente bateu à sua porta e se mostrou um hóspede bastante exigente, faz festas assustadoras que te tiram o sono, involuntariamente você tenta o expulsar, mas é como se aquela casa não fosse sua e você não tivesse direito a opiniões sobre quem vai ou quem fica. É um medo frio, vazio e silencioso, que te faz ficar doente. 

Viver se tornou sinônimo de esperar, você espera de forma impaciente para que aquela sensação vá embora e seus anseios que antes eram minimizados, se tornam cada vez mais presentes em sua vida. Você questiona o que faria se não tivesse tantos medos.

Dúvidas realmente pairam sobre a sua cabeça, será que as coisas mudaram e deixaram de ser tão prazerosas? Será que um dia elas foram realmente prazerosas? Constantemente sua cabeça roda e você se esquiva de dar respostas para perguntas que sabe que deveriam ser feitas. 

É complicado, seu tempo que antes era só seu, agora pertence a outras pessoas e você não sabe lidar bem com isso, sua cabeça entra em uma guerra constante para conseguir estabelecer objetivos. Tudo parece um eterno conta gotas de um remédio de gosto amargo, as gotas caem devagar e parece que nunca vai chegar a contagem final, você se angustia com aquela sensação de espera eterna. Você tenta ter paciência, tenta esperar, tenta desacelerar sua vida, mas se irrita fácil com o ritmo das gotas, elas caem devagar e parecem te machucar sempre. 

Não existe uma posologia para viver a vida, e por isso você se irrita constantemente pelo ritmo como as gotas caem, é vagaroso demais e você não se concentra naquilo, perde o foco, a contagem e não lida com o erro causado pelo seu cansaço de viver esse filme tão solitário. 

Constantemente você se força a dizer “tenho que continuar”, mas é um mantra falho, seu tempo que por vezes passa tão arrastado parece te impedir de continuar, parece te impedir de assistir esse filme solitário ao lado de outras pessoas, você anseia pelo final sem perspectiva de que ele se torne feliz, afinal você ultimamente dúvida do que é realmente felicidade. 

Por qual motivo você continua? Por qual motivo você não consegue ir por outro caminho, seguir por outra curva? Você se sente perseguido de forma constante pelo medo de errar… 

Sua mente tem muitos barulhos que não são seus, você diz sim quando sabe que deveria dizer não, utiliza vírgula onde deveria haver um ponto final, você escreve parágrafos novos para um assunto que já deveria ter terminado. 

Reinicia, olha para trás e respira, respira forte e tenta fazer o melhor que pode fazer, não o que você acha que as pessoas esperam que seja o melhor. A vida não vai parar, os minutos não vão voltar, mas você pode revisitar seus bons momentos, eles houveram, pode rir dos erros, comemorar as pequenas vitórias, mas não ultrapasse seus limites a vida é como um filme muito antigo, se você rebobinar ou avançar muito rápido, a fita agarra, o filme embola e tudo que vai restar é um drama mexicano como uma recordação que você não vai querer lembrar.

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Barulho de saudade

Em algumas línguas como o espanhol Saudade significa “Nostalgia de casa”, no nosso idioma, significa “um desejo melancólico e nostálgico por uma pessoa, lugar ou coisas, que estão longe, quer no espaço, quer no tempo”

Aos desconhecidos que sentem saudade, saudade de quem se ama e de quem um dia foi a sua casa…

De repente, não mais do que de repente, tudo fica silencioso e por mais barulhento que possa ser do lado de fora, aqui dentro, tudo parece que foi invadido por um turbilhão de emoções, consigo ouvir o ritmo frenético da batida do meu coração fora de ritmo, é algo que eu já deveria ter me acostumado, prendo a respiração de maneira não intencional, sinto meu olho inundar, a sede imediatamente me acomete, quero fugir, mas me sinto preso nessa imensidão que são meus sentimentos. 

É como se tudo voltasse, menos você. Não entendo o motivo, já se passou tanto tempo, não entendo os gatilhos, na verdade eu não entendo nada, e tudo parece me afogar. A cada instante é como se eu tivesse mergulhado em um mar revolto e não conseguisse voltar para a superfície, sinto algo me puxar para baixo, sinto a água me invadindo, sinto a dor em meu peito. 

Eu sou racional demais, mas ainda assim é dessa forma como me sinto, minhas mãos tremem, e eu me sinto desprotegido, não ouço ninguém porque parece que o silêncio se apoderou de mim, ninguém me ouve, ninguém me enxerga, me sinto ainda mais encolhido, eu não queria sentir, não eu não queria sentir…

Tudo que sinto nessa hora é saudade, saudade de te ouvir sussurrar que me amava, do seu abraço, de estar ao seu lado e de brincar de pique esconde até você me encontrar e me pôr em seus braços. Parece que eu sou uma criança esperando eternamente você me encontrar, esperando você chegar e me pedir desculpas por ter demorado demais…

Nesses dias eu sinto seu toque em meus ombros, como se você ainda estivesse aqui, aperto meus olhos, me encolho no primeiro apoio que encontro, me toco para te tocar, você não estava aqui, não tinha cheiro, não tinha abraço e tudo que restou foi um soluço abafado em meio a dor de não poder te ter novamente. 

Eu sinto raiva, sinto vontade de gritar, o desespero me consome e se mistura a minha saudade é algo angustiante demais para lidar sozinho, é algo que eu não sei controlar, mordo meus lábios, aperto meus braços, estrangulo meu coração, a dor não passa, o ruído em meu ouvido também não, ainda é como se eu ouvisse sua voz ninando minhas angústias e me dizendo que tudo ficaria bem. Mas nada ficaria bem, você não está aqui. 

Queria ter conversado mais, e não ter fugido dos seus abraços, queria ter atendido quando você me chamou, queria não sentir o que sinto, ter me despedido com calma e ter te agarrado para não ir, queria poder te ter todos os dias, principalmente nesses em que me sinto tão criança, quando preciso tanto do seu colo, quando tudo que quero é me esconder na sua cama.

Com você eu não tinha medo, eu não tinha saudade, não me faltava o ar para traduzir as palavras que tanto me prendem. A garganta sempre entalada pelo medo que me sufoca, a dor súbita me afoga, eu tento, você sabe que eu tento, mas às vezes eu não consigo. 

Chove lá fora, o vento frio toca minha pele, sinto seu cheiro e tenho certeza que não é a última vez, me afundo ainda mais naquela parede, o choro vem forte, o medo de não conseguir finalmente transborda para fora, eu não tenho para onde ir, nem onde me esconder, eu sinto que quero ser forte, eu sinto que poderia ser forte, mas me falta força. 

Se eu te pedir perdão será que você me escuta? Se eu te contar segredos, será que você me abraça? Eu quero te dizer como são os dias, como são os meus dias, nem todos são bons, mas eu faço o possível para conseguir levantar e me pôr de pé, mesmo sem você. Eu tento, você sabe que eu tento. 

Eu tento me lembrar do seu sorriso, do seu toque e do seu apego, eu quero não te esquecer, não esquecer do que você me ensinou e do que eu te ensinei. As lágrimas caem com um pouco menos de força enquanto me lembro de você, enquanto me lembro de como você me abraçava para que eu permanecesse aqui, para que eu continuasse, você acreditou em mim quando nem eu mesmo acreditei, então eu tenho que continuar…

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Armário bagunçado

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Para uma outra criança que encontrei por aí… talvez ela seja tão bruxa quanto eu.

Tudo era uma confusão.

Não sabia o que sentia, não entendia nada que acontecia, as vezes tudo que sabia era que a incerteza eram sua única certeza;

Não contava mais quantas vezes seu riso escapou ou quantas vezes suas lágrimas surgiam sem motivo aparente.

Não entendia como respirar podia ajudar, sentir a vida se esvaindo entre sua corrente respiratória nunca ajudou.

Era pesado sentir tudo aquilo entrando e saindo de dentro de si…

Contou todas as vezes que deixou cair algo importante enquanto respirava:

Deixou cair seu coração…

Deixou cair seu equilíbrio…

Deixou cair o que acreditava ser certo.

Tudo escapou naquele espaço tão pequeno que existia entre os sentimentos e o vazio.

Sentir…

Era bom sentir, sabia que vivia assim dessa forma: sentindo.

Era ruim sentir, era devastador não poder controlar o que sentia.

Tentou guardar tudo no armário, mas era muita coisa e quase nada cabia naquele espaço tão pequeno, as portas logo cederam e tudo desmoronou em cima de si.

O ar fugiu, e tudo ficou mais turvo do que costuma ser.

Se deparou com coisas que nem ousava pensar ter guardado, havia guardado realmente muita coisa.

Encontrou seus gritos escondidos no fundo do armário.

Encontrou as palavras carregadas de sentimentos que guardou por baixo de todas as tralhas desimportantes.

Encontrou as vozes, aquelas que queria esquecer, mas que não podia negar a existência, elas se multiplicavam.

Se culpou, afinal não soube guardas as coisas dentro do armário.

Se culpou porque quando olhavam para si viam aquela bagunça toda que escapava daquele espaço tão pequeno.

Se culpou porque supostamente sua bagunça havia respingado em outras pessoas.

Era estranho, complicado e inteiramente desconfortante.

Tudo que sentia era rápido e não podia controlar, não entendia muito bem como as outras pessoas escondiam tão bem tudo dentro de seus armários.

Não entendeu quando quis se enfiar por inteiro dentro daquele espaço tão pequeno e quebrado.

Respirar doía e ninguém deveria sentir dor enquanto respirava, mas nem sempre era assim.

As vezes respirar era bom, sentir todo aquele ar correndo dentro de si era confortante, era sinal de liberdade, de vida, de história.

Queria ser como o vento, livre, entrar e sair sem pedir licença.

Queria sair sem que perguntassem o motivo, queria sentir que era vida, que era a vida que existia nos outros e em si.

Queria sentir e saber o que sentir.

Preferia pontos finais á vírgulas, não gostava de criar continuação para nada, até gostava, mas se preocupada demais com tudo, pontos finais eram rápidos emergências e não precisavam de explicação.

Era difícil entender que tudo que sentia era seu, eram suas angustias, seus medos, suas alegrias e amores, tudo era seu e de mais ninguém.

Ninguém poderia engavetar o que sentia, ou guardar nos cantos do armário aquilo que não agradava por muito tempo.

Era difícil, era dolorido, era confuso, mas também era bom, afinal as vezes é bom no meio de toda aquela bagunça que desaba sobre nós descobrirmos que lá dentro também está guardado o que somos.

É bom nos reencontrarmos, redescobrirmos o que sentimos e entender ou desentender o que nos faz chorar e sorrir.

 

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“Não me toca, por favor não me toca”,

Têm dias que é difícil se concentrar no mundo, têm dias que é difícil se entender e entender o outro.

Teve dias que eu me perguntei como seriam aquelas crianças quando crescessem. Teve dias em que eu as reencontrei.

Por favor, não me toca.

Eu sei que parece estranho, mas isso me machuca.

Dói quando você me toca, quando se aproxima demais e quando me abraça assim tão apertado. Às vezes parece que está tudo queimando aqui dentro.

Eu queria ficar para sempre no seu abraço, mas isso me machuca, e eu nem sei explicar o que sinto, então eu só espero que seja rápido e que você entenda o quanto isso me machuca.

Eu não consigo explicar, eu não consigo entender, as vezes você me faz sentir em casa, mesmo quando eu não consigo entender o que é uma casa de verdade.

Às vezes eu não sei o que falar, e falo desordenadamente sobre qualquer assunto, mas é que poucas vezes alguém tenta me ouvir.

Às vezes eu troco de assunto sem nem perceber, eu não faço de propósito, é só que é difícil pensar tão rápido e não conseguir controlar o que surge na minha cabeça, eu não consigo me controlar, eu só queria seguir em um único caminho, mas vez ou outra me perco por tantos lugares que nem sei onde estou.

Às vezes eu preciso falar comigo e não gosto que me interrompam, não gosto que não entendam que essa é minha forma de me entender. Eu até tento agir naturalmente, mas nem sempre dá, tem dias que não dá para controlar e parece que tudo que acontece faz tudo ficar ainda mais complicado.

Às vezes eu não quero falar, mas não é que eu não tenha o que dizer, é só que eu não consigo falar. NÃO CONSIGO, por favor entende. Eu só quero ficar quieto, em silêncio, sem todo esse barulho que eu causo e sem todo esse barulho que me causam.

Eu não sei se você entende, ou quão estranho deva ser você para tentar me entender, mas tudo que eu queria era não ser eu e não sentir tudo que eu sinto.

Às vezes eu não sei o que fazer, é complicado ter tantas opções e não saber para onde ir. Tudo dentro de mim parece apertar, minha cabeça fica tão bagunçada que as palavras somem e eu não consigo entender para onde vou.

Eu não gosto de aglomerações, não gosto quando tudo que tenho que fazer é conviver com um monte de gente que não fala comigo, que não me conhece, que encosta em mim sem me avisa, isso faz meu coração acelerar, eu fico atônito tentando fugir, minha garganta arde, meu corpo queima. Parece que tá todo mundo olhando para mim, eu não gosto de ser o centro de toda a atenção.

Tem dias que eu não sei o que sinto por você, não sei se gosto ou não de você, não gosto de como você insiste em ficar perto de mim, não gosto de gostar de ficar perto de você.

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Respirar

Tente passar pelo que estou passando
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar pois estou te amando

-Pérola Negra

Composição: Luiz Carlos Dos Santos

Certo dia senti vontade de voltar a escrever e senti preguiça, o texto morreu antes mesmo de nascer. Mas hoje em meio a meditação ao som de Caetano e os livros de engenharia de requisito que eu deveria ler, resolvi me arriscar a escrever sobre o que mais amo amar, pessoas.

Ao irmão extraterreno.

Era confuso, muito confuso.

Ninguém entendia, nem quem estava perto e muito menos quem estava longe. Nem ele se entendia.

A respiração pesava, e parecia acumular um bolo no meio do peito, era pesado, estava cansado, a dor não era explicável e nem tinha remédio, era angustiante e tudo que queria era se encostar em algum lugar, onde a dor tão inexplicável pudesse ser sentida.

Respirar, respirar era tudo que queria. Fechar os olhos e ouvir o som das ondas batendo nas pedras, como ninguém jamais o ouviu.

Não gostava de responder perguntas, porque geralmente não tinha respostas. Não gostava de não ter explicações para as lágrimas ou para o acumulo no peito que o impedia de encontrar palavras e tentar se explicar.

Ele nem sabia os motivos de tentar se explicar, mas era como se a todo instante lhe cobrassem isso. Era dolorido, denso e perverso, não tinha explicação.

Respirar, tudo que restava era respirar e sentir todo aquele ar invadindo seu corpo. Respirar era se sentir pesado pelo que não conseguia colocar para fora.

Era estranho como todos achavam que o conheciam, e que tinham a solução para o que estava sentindo. No meio de todo aquele caos que eram seus sentimentos, tudo que conseguiam era que ele achasse que seus sentimentos eram o problema.

Ele respirava forte e engolia o que queria sair, respirar as vezes era se sentir fora do próprio corpo. Respirar era dolorido, machucava e rasgava. O que não podia sair transbordava e inundava quando menos esperava.

Respirar, respirar e fechar os olhos, tudo escuro, tudo que se ouve são gotas caindo no nada, vazio sufocante. Respirar era viver em um silêncio barulhento.

Era difícil se ouvir em meio a todo aquele barulho que vivia sua mente, não eram frases fáceis de serem compreendidas, era tanto barulho que lhe dava vertigem e facilmente ele se perdia principalmente pelos caminhos fáceis.

Era mais fácil aceitar que seus passos jamais seriam retos.

Respirar, respirar as vezes era pesado, mas também era leve. Respirar era ter calma, para não se engasgar com si mesmo.

As vezes ele conseguia se entender, não era tão fácil, mas se contentava em chegar mesmo que por caminhos tortos nos lugares que deveria.

Respirar enquanto caía e se machucava era uma especialidade, o ato de respirar era longo, denso e solitário a espera que no final alguém o enxergasse e o ajudasse a levantar, alguém que o ajudasse a respirar.

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Diáspora

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Diáspora : dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica.

Se perderam…

Não era silencioso, havia correria, era turbulento…,

se perderam mesmo de mãos dadas.

Eram rostos tão diferentes, vozes diferentes, ninguém se entendia, ninguém se conhecia e os que se conheciam se perdiam, ou haviam perdido.

perdido, perdido tudo, desde abraços, afagos até lembranças.

Não existiam mais as paredes que guardavam segredos, ou a escadas responsável por tantos tombos, não tinham como voltar para os braços que recebiam sempre abertos.

Tudo se perdeu não só para si como para todos.

Eram desconhecidos que reconheciam suas dores, as mãos que consolavam eram igualmente consoladas.

O peito subia, o peito descia, as pernas tremiam, a voz falhava, não se reconhecia, procurava por quem lhe pertencia.

Seu pedaço da história havia se perdido de si, o vento era quente e sufocante, lhe roubava todo o ar, era como se sua cabeça não conseguisse se concentrar, pesava.

Tudo pesava, pesava mais do que quando o carregou no ventre, pesava mais do que quando o carregou pela primeira vez nos braços.

Não entendia o que acontecia, uma hora o tinha tão perto de seus braços e no outro o perdia.

Não havia vento, e ainda assim sentia como se seus passos fossem a cada instante apagados.

Não havia como olhar para trás, não tinha como voltar.

Nada mais existia, nada além do desespero de não se ter para onde ir e pra quem voltar.

Transforam as lembranças em poeira, tiraram seu futuro das suas mãos.

Sentiu a dor dos que perderam seus amores, sentiu sua própria dor enquanto gritava em desespero.

Doeu, se dilacerou por dentro.

Fechou os olhos e viu a massa cinzenta, o fogo, e o vermelho carmim que manchava tudo inclusive sua roupa.

Se perdeu,

aos poucos se perdeu dentro de si.

A escuridão foi aos poucos enevoando tudo…

Quando mais se apertavam para caber naquele espaço tão pequeno, mais sua cabeça recordava os gritos.

A dor aumentou, não existia luz.

A angustia entalou na garganta, não tinha o que mais por pra fora além de seus gritos.

Atravessamos o mar Egeu
O barco cheio de fariseus
Como os cubanos, sírios, ciganos
Como romanos sem Coliseu
Atravessamos pro outro lado
No Rio Vermelho do mar sagrado
Os Center shoppings superlotados
De retirantes refugiados

(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte)

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Carolina Maria de Jesus – Diário de uma Favelada

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Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977), foi mais uma das escritoras que conheci durante minha graduação, especificamente durante uma disciplina que estudava a relação de identidade e diários. É estranho tentar entender como uma das escritoras mais importantes de nossa história, reconhecida mundialmente, só me foi apresentada na graduação, no auge dos meus vinte e poucos anos.

Quarto de despejo se tornou o livro que a fez ser conhecida, as palavras que juntas compõe esse livro, se tornam importantes para podermos entender a sociedade da década de 50, pela perspectiva de Carolina, uma catadora de lixo, mulher negra, periférica e mãe solteira, que dia a dia matava seus leões dentro e fora das vielas paulistana.

Sofreu violência de gênero, social e racial, suas linhas não nos fazem sorrir, não nos iludem, são duras, é a realidade e não a fantasia, não teve bolo de aniversário na festa de sua filha, porque não se tinha dinheiro nem para o pão.

Carolina retratou em seu diário muito mais do que ela imaginou, escreveu como quem conta um segredo a um amigo, confessou suas angustias diante a fome de seus filhos e os julgamentos de seus vizinhos, ela questionou, não se calou e gritou para que a ouvissem.

Não queria se submeter a homem algum, era mãe solteira, foi mãe de filhos que nem eram seus para os proteger dos julgamentos que ela tão bem conhecia, se preocupou quando eles demoravam a voltar, abraçou apertado, tão apertado que quase se tornou possível deslumbrar do momento enquanto se lia.

Quarto de despejo foge dos padrões da nossa literatura, ou melhor foge dos padrões da nossa norma culta da linguagem, sua protagonista é negra, pobre e desbocada, trabalhava de sol a sol e lutava para que sua vida não se resumisse a sua casa de madeira, Carolina não era só escritora também era uma leitora que também lia o mundo.

Literatura Marginal, é assim que se chama essa escrita, livre das tradicionais amarras que costumamos ser apresentados na escola, a forma como falamos e escrevemos também é motivo de exclusão, a normatização da linguagem é um instrumento de dominação, onde só se valida o que uma pessoa fala se “sua fala” condizer com as regras de linguagem. Normatizar a linguagem, é excluir outras formas de expressão, outras culturas.

Estudei em escola pública durante minha vida inteira, salvo na educação infantil, eu sei a importância que a literatura de Carolina tem para alunos periféricos assim como tem para mim. Carolina escrevia sobre a sua vida, seus dilemas, sobre mais de cinquenta décadas atrás, quando o Brasil começa a se desenvolver economicamente, e ainda assim nós encontramos tantas semelhanças.

Carolina não se resumiu a quarto de despejo, que era bem mais do que sua casa de madeira, quarto de despejo era a cidade de São Paulo, a sociedade que a excluía de todas as formas possíveis, como se gritasse a todo instante que o lugar dela e de seus filhos não fosse no asfalto.

Quarto de despejo não foi seu único livro, na verdade foi seu diário, antes dele ela havia tentado publicar crônicas e poemas, mas só com seu diário, que ela passou a ser notada e justamente pelo motivo que era excluída. Apesar do livro de rendido bem, Carolina viu pouco desse dinheiro, na verdade ela viu o suficiente para que saísse da favela e fosse morar em um pequeno sítio na periferia de São Paulo.

Outros Livros:

Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios (1963). O volume Diário de Bitita (1982) (Publicação Póstuma).

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário

Conversa com Bial

Literafro

QUARTO DE DESPEJO – MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO FEMININO NA
LITERATURA BRASILEIRA

Recomendação de Leitura: Preconceito Linguístico de Marcos Bagno

 

Amor, Crônica, Feminismo, Minhas Crônicas, Opinião, Poesia, Preconceito, Sem categoria

Cora Coralina – Aninha e suas pedras

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Não sei…

se a vida é curta

ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,

se não tocarmos o coração das pessoas.

(Não sei)

Cora Coralina (1889-1985),  morreu quando eu ainda nem era nascida, em 1985 meus pais nem sonhavam em se conhecer. Quando conheci seus versos, eu já havia me tornado adulta, quase tão adulta quanto Aninha em algumas daquelas linhas.

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces.

Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha um poema

(Aninha e suas Pedras)

Me encantei por Cora entre os corredores frios e cinzas da UERJ, os versos pareciam ecoar por cada canto daquele lugar. Suas confissões de menina, faziam eco ao meu coração, suas linhas não eram nem versos e nem poesia, “era um jeito diferente de contar história”. Por mais que ela falasse dela, e eu soubesse disso, parecia que falava de mim, ao mesmo tempo que parecia falar de outras, sua voz não era singular, era plural. Era a voz de quem havia se deparado com muitas pedras e as transformado em poesia.

“Entre pedras

cresceu a minha poesia

Minha vida…

Quebrando pedras

e plantando flores”

(Das Pedras)

Ana Lins dos Guimarães Peixoto, era Cora e Cora era Ana, Aninha, a terceira das quatro filhas, orfã de pai praticamente ao nascer, estudou até a terceira série, teceu ainda na infância seus primeiros versos sem vírgulas, palavras ou linhas, mas que tinham cheiro de mato, de terra molhada, de bolo recém assado pelo vó.

“Era só olhos e boca e desejo

daquele bolo inteiro”

(Antiguidades)

Escreveu suas linhas para fugir de tudo que a machucava, eram sobre o que sentia, sobre o que viveu, e sobre o que ainda queria viver, eram lembranças de uma menina, contadas por uma senhora que continuava a devorar o mundo e a mostrar a ele todas as suas pedras, todas as suas lutas.

Aos 70 anos aprendeu datilografia para que suas poesias pudessem ser enviadas aos editores, aos 75 anos publicou seu primeiro livro, morreu aos 95 anos… Drummond dizia que ela era: “uma velhinha sem posses, rica apenas de sua poesia, de sua invenção, e identificada com a vida como é”.

“Sendo eu mais doméstica do
Que intelectual,
não escrevo jamais de forma
consciente e racionalizada, e sim
impelida por um impulso incontrolável.
Sendo assim, tenho a consciência
de ser autêntica.
Nasci para escrever, mas o meio,
o tempo,as criaturas e fatores
outros contramarcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira
do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes………
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata
Sempre houve na família, senão uma
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
a essa minha tendência inata.”

(Cora Coralina, quem é Você?)

Cora assinava aquilo que Aninha vivia, se tornou poesia em meio a resistência, era tão única quanto o nome inventado, fugiu, amou, vendeu livros, lavou roupa, sofreu a dor da perda, mais de uma vez, se fez doceira que conservava histórias, foi mulher rendeira que teceu seu próprio destino. Dentro de si, existiam tantas e tantas vozes, que ler suas linhas é como caminhar na corda que tece a vida, não só a de Aninha, mas a de Cora e também a minha.

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,

sem preconceitos,

de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário Cora Coralina – todas as vidas

4 poemas de Cora Coralina 

A sabedoria de Cora Carolina em 4 poemas

Enciclopédia Itaú Cultural 

Cora Coralina – por Elder Rocha Lima

15 Poemas de Cora Coralina