Para todos aqueles que criam um outro “eu” para se protegerem das tempestades, eu sei que ai dentro é vazio e parece que ninguém entende, respira, tem sempre alguém que vai te reconhecer no meio da tempestade e abrigar teu coração em meio a um abraço acolhedor.
Quando o carnaval passar
Vamos dançar
qualquer coisa é melhor que tristeza
(Cícero – Laiá Laiá / Canções de Apartamento)
A purpurina se espalhou com tamanha facilidade, as serpentinas estavam por todo canto, as músicas saiam automaticamente enquanto você reconhecia outras línguas, mas estranhamente se sentiu vazio, as pernas se cansaram, se sentou no chão, tudo rodou, não conseguia sorrir, ninguém pareceu ligar, o bloco seguiu e você ficou.
Ficou…
O vazio parecia ecoar mais forte…
Doía o ouvido, a cabeça rodava, algo se entalava na garganta, um cheiro amargo incendiava suas narinas.
Ninguém parecia sentir aquilo…
Se sentiu deslocado, machucado, magoado.
Queria entender o que faltava dentro de si.
Tentou se levantar e caminhar, mas tudo parecia rápido demais, respirou como se seu mundo dependesse disso, mas algo dentro de si desencaixou, foi um desencaixe barulhento mas ainda assim oculto por todo barulho da cidade.
Um choro amargurado surgiu, os soluços saíam em meio a tempestade que parecia cair sobre você, era vazio mesmo com tanta gente ali, a purpurina escorria misturando-se ao suor, quis fugir, mas não conseguia saber como voltar.
Se sentiu perdido.
Os olhos pareciam não acompanhar toda aquela movimentação.
Atravessou a avenida colorida, tropeçou nas garrafas espalhadas, caiu entre os papéis coloridos.
Se machucou mais do que já estava machucado.
Não havia sangue ou algo que foi ralado, mas doía, doía tanto que a dor te guiou sem nem perceber, mesmo não reconhecendo o caminho, você chegou.
A porta parecia aberta, como se alguém tivesse abandonado o lugar às pressas.
Não reconheceu o lugar que deixou, mesmo que o endereço fosse o mesmo, mesmo que nada parecesse ter sumido.
Estava tudo fora do lugar, empoeirado, as certezas escondidas pareciam ainda mais escondidas dentro dos armários bagunçados.
Sentiu o cheiro da saudade de um tempo que não voltava, comprimiu o ar, encolheu o corpo, sentiu frio.
Arrepiou a coluna, mordeu os lábios, engoliu as lágrimas.
Não se lembrou da bagunça, não se lembrava de nada, o vazio aumentava, o choro ganhava força em meio ao silêncio que ecoava ali.
Era vazio, frio e silencioso, seus pensamentos pareciam dar eco.
Uma mistura de medo e agonia apoderou-se de você.
Tentou fechar os olhos, mas descobriu o medo de escuro e de toda a solidão ali representada.
Tentou caminhar devagar entre os destroços, paralisou se dando conta de que não conseguia sozinho, era impossível se reconhecer ali, quis gritar, se desesperou, tudo estava diferente.
Se olhou no espelho, não reconheceu o reflexo ali, a dor aumentou, o vazio ecou e o espelho se quebrou.
Eram tantos de você, ali espalhados naquele chão frio que você se escondeu.
Tropeçou.
Se machucou.
Gritou.
Tentou se levantar e se perdeu em si mesmo, nas lembranças, nos sorrisos em lágrimas.
Lembrava-se vagamente que nas primeiras vezes tentou falar o que sentia, mas não foi suficiente, te pediram sorrisos e você sorriu, pediram para ficar e você ficou, te pediram para ser quem não era, e você fez.
No começo não fazia tanta diferença, mas depois começou a caminhar no automático, respirou a fumaça dos seus sonhos incendiados entre as palavras não ditas e as lágrimas que secaram antes de cair.
Você seguia por linhas retas mesmo que quisesse fazer curvas.
Seguia por caminhos conhecidos para não desconfiarem do que restou de si, para se proteger e manter aquela parte desconhecida protegida de tudo.
Mas não deu certo, você brincou durante tanto tempo de pique esconde com si mesmo que não se reconhecia, não entendia o choro, não conseguia guardar os sentimentos nos lugares, não acompanhava os próprios passos porque não tinha para onde ir ou para o que voltar, era como se embriagar na incerteza de nunca ser quem deveria ser.
Não havia jeito de voltar a ser o que era e a você bastava apenas ser quem realmente era.
