Ansiedade, cartas, Crônica, Crianças, depressão, Opinião, Padrão, silêncio

“Não me toca, por favor não me toca”,

Têm dias que é difícil se concentrar no mundo, têm dias que é difícil se entender e entender o outro.

Teve dias que eu me perguntei como seriam aquelas crianças quando crescessem. Teve dias em que eu as reencontrei.

Por favor, não me toca.

Eu sei que parece estranho, mas isso me machuca.

Dói quando você me toca, quando se aproxima demais e quando me abraça assim tão apertado. Às vezes parece que está tudo queimando aqui dentro.

Eu queria ficar para sempre no seu abraço, mas isso me machuca, e eu nem sei explicar o que sinto, então eu só espero que seja rápido e que você entenda o quanto isso me machuca.

Eu não consigo explicar, eu não consigo entender, as vezes você me faz sentir em casa, mesmo quando eu não consigo entender o que é uma casa de verdade.

Às vezes eu não sei o que falar, e falo desordenadamente sobre qualquer assunto, mas é que poucas vezes alguém tenta me ouvir.

Às vezes eu troco de assunto sem nem perceber, eu não faço de propósito, é só que é difícil pensar tão rápido e não conseguir controlar o que surge na minha cabeça, eu não consigo me controlar, eu só queria seguir em um único caminho, mas vez ou outra me perco por tantos lugares que nem sei onde estou.

Às vezes eu preciso falar comigo e não gosto que me interrompam, não gosto que não entendam que essa é minha forma de me entender. Eu até tento agir naturalmente, mas nem sempre dá, tem dias que não dá para controlar e parece que tudo que acontece faz tudo ficar ainda mais complicado.

Às vezes eu não quero falar, mas não é que eu não tenha o que dizer, é só que eu não consigo falar. NÃO CONSIGO, por favor entende. Eu só quero ficar quieto, em silêncio, sem todo esse barulho que eu causo e sem todo esse barulho que me causam.

Eu não sei se você entende, ou quão estranho deva ser você para tentar me entender, mas tudo que eu queria era não ser eu e não sentir tudo que eu sinto.

Às vezes eu não sei o que fazer, é complicado ter tantas opções e não saber para onde ir. Tudo dentro de mim parece apertar, minha cabeça fica tão bagunçada que as palavras somem e eu não consigo entender para onde vou.

Eu não gosto de aglomerações, não gosto quando tudo que tenho que fazer é conviver com um monte de gente que não fala comigo, que não me conhece, que encosta em mim sem me avisa, isso faz meu coração acelerar, eu fico atônito tentando fugir, minha garganta arde, meu corpo queima. Parece que tá todo mundo olhando para mim, eu não gosto de ser o centro de toda a atenção.

Tem dias que eu não sei o que sinto por você, não sei se gosto ou não de você, não gosto de como você insiste em ficar perto de mim, não gosto de gostar de ficar perto de você.

Ansiedade, cartas, Crônica, Crianças, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Padrão, silêncio

Pequeno Viajante

Gostaria de compartilhar mais um texto que fiz para mais um dos meus amigos. Uma mesma palavra pode ser usada de muitas formas….

arvoresabedoria
Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/585256914047625312/

Um dia conheci um menino meio perdido por esse mundo…

Pequeno,

Ele era pequeno na forma de agir,

tinha um sorriso gigante mas que quase ninguém via,

mãos curiosas que viviam agindo escondido,

passos tão curtos quanto os de um idoso.

Seus olhos pequenos eram atentos aos pequenos detalhes.

Suas palavras eram curtas e seus silêncios longos;

As vezes ele se perdia,

se perdia no tempo,

se perdia nos lugares,

se perdia até dele mesmo,

as vezes ele se encontrava em meio a uma bagunça que ele nem lembrava ter feito.

As vezes ele arrumava a bagunça,

outras tantas não…

ele precisava da bagunça para poder viajar…

Ele gostava de viagens longas e intermináveis;

Seus lugares preferidos não estavam no mapa,

eram lugares tão secretos, mas tão secretos, que as vezes ele esquecia de como se chegava lá,

as vezes ele lembrava: tudo que precisava era se perder nas entrelinhas do silêncio.

Ele se perdia,

se perdia

e se perdia,

era naquele silêncio tão barulhento que suas aventuras aconteciam,

derrotar vilões, salvar pessoas, invadir planetas,…

eram aventuras tão mágicas que ele se esforçava ao máximo para não esquecer,

as vezes ele esquecia, e aí ele tinha que viajar novamente,

talvez por isso ele goste tanto de colecionar lugares inesperados:

ilhas perdidas,

países nunca descobertos,

planetas fora do sistema solar,

abraços intergalácticos.

Sem categoria

Nas lentes do Mundo – Crianças são só crianças…

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Agora eu era o rei

Era o bedel e era também juiz

E pela minha lei

A gente era obrigado a ser feliz

(Chico Buarque – João e Maria)

Nas últimas semanas o assunto ‘’Crianças’’ tem se alastrado nas redes sociais, já que essa semana pertence igualmente a toda agitação do Enem, retorno aqui o tema igualmente polêmico do Enem anterior ‘’Publicidade infantil em questão no Brasil”, alguém já parou para pensar em como as crianças se encontram expostas nas redes hoje?

Filósofos e sociólogos diriam que é impossível não se expor a essas redes sociais, fato é que cada vez mais jovens elas se encontram expostas em um mundo tecnológico, o parto é filmado, a ultrassonografia em 3d com som digital, os álbuns de papel foram substituídos pelos tecnológicos, pelos selfies após o nascimento…com o obstetra.

E assim nasce cada vez mais cedo uma geração da Hipertextualidade que faz tudo ao mesmo tempo, ouve música, lê várias páginas em várias abas, curte, compartilha, dança e multiplica conhecimento por aí a fora.

É estranho falar de publicidade infantil quando nós mesmos estivemos tantas vezes expostos a ela, estivemos ali na plateia da Xuxa, Eliana ou da Angélica as vendo beber refrigerante, comer pipoca, devorar chocolates e chocolates e nos dizendo para igualmente os consumir junto com todos os seus produtos, quem não lembra da pipoqueira e da sorveteira da Eliana, os cds da Xuxa as bonecas da Angélica.

A publicidade infantil existiu no momento em que se foi concebido a criança como um público que compra e vende.

Brinquedos, roupas, desenhos, revistas, chicletes, doces, programas infantis, hoje eu tenho vinte e três anos e revejo todos aqueles programas, alguns brinquedos e me pergunto, isso não era para minha faixa-etária né? Não, não era.

Da mesma forma que existe no imaginário social o ideal de homem e de mulher existe nesse imaginário a ideia do que é criança, e para muitos ser criança é ser um mini adulto que gosta de doces e coisas coloridas, ser criança é bem mais do que isso, e é isso que a publicidade infantil tenta esconder atrás dos famosos jogos de vídeo game ou das roupas estilizadas da Barbie.

Da mesma forma que nós adultos tentamos nos moldar, crianças igualmente o fazem, roupas, penteados, meias, quem não usou aquelas meias coloridas, aquele tênis estranho, aquele vestidinho fofo, isso tudo porque queríamos ser como as princesas, apresentadoras, os heróis, ou as personagens da novela, não importa, isso gerou lucros milionários, assim como ainda gera, vide os famosos programas infantis baseados nas versões adultas diferenciados apenas com uma palavra (Kids, Juniors, infantil, crianças)

Falar desses programas é algo particularmente interessante, quando eu falei que essa semana o tema Crianças anda circulando nas redes sociais me referi a isso também, relutei um pouco em saber quem era Valentina, a tal menina de doze anos que remexeu as redes sociais, enfim descobri quem era Valentina a menina de somente doze anos que foi assediada por homens que deveriam ter a idade de seu pai ou até mesmo de seu avô, também conheci o pequeno Hytalo, de apenas onze anos que teve contra si os gritos de uma sociedade homofóbica, instantaneamente lembrei-me da pequena Maísa e de seus colegas apresentadores, das crianças que compuseram os grupos infantis da décadas de 90, dos pequenos  atores e cantores que crescem sobre o olhar dessas câmeras que na mais criteriosa leitura de Focault te puni na mesma medita que observa.

São só crianças, de doze, onze, dez, cinco….

Valentina é uma criança que assim como milhares foram assediadas, tiveram seus corpos violados e seus olhos violentados pela crueldade humana, assim como as meninas traficadas e vendidas, ou as pequenas que tem seus corpos expostos nas rodovias, ou as vizinhas, primas, sobrinhas, conhecidas que tem seus corpos vistoriados como um pedaço de carne. Crianças que não devem saber o significado da palavra machismo, mas mesmo assim a vive. Vivemos em uma sociedade tão hipócrita que os assédios se tornaram tão frequentes quanto um ‘’Bom Dia’’.

Eu não lembro do meu primeiro assédio na infância, provavelmente deve ter tido, mas não o lembro, em comparação lembro bem de como fui assediada por conta do uniforme de normalista, eu sei como é você andar a passos apresados para chegar no colégio e olhar para vê se não tem um carro te observando como se você fosse um pedaço de comida, ou ainda lembro da palpitação em segurar um guarda-chuva como se fosse a arma mais mortal do mundo, lembro, eu lembro assim como sei que Valentina, Hytalo e tantos outros vão lembrar de todas essas palavras.

Enquanto escrevo esse texto estou pensando na política de filho único, hoje extinta. É nesse momento em que percebo que independente do lugar quando algum mecanismo de controle percebe seus filhos, ele quer lucros, o governo autoriza mais um filho para impulsionar a economia, não para corrigir um erro social que possivelmente levou a morte milhões de meninas já que os pais preferiam os filhos homens, já que no fim eles proveriam a família. Coincidência ou não, aqui no Brasil um país em que não se tem controle de natalidade, o machismo concebe essas mesmas ideias, mulheres não servem para determinadas tarefas, não podem dirigir, são emocionais demais, são santas, professoras, mães…, mulheres são só mulheres e só elas têm o direito de expressar sentimentos, afinal pais ensinam seus filhos que “homem não chora’’.

Homens choram, psicologicamente e biologicamente, eles choram, eles sentem, eles se prendem tanto quanto nós aos padrões sociais, o machismo só existe porque ele foi ensinado na escola, na partida de futebol, com os carrinhos, em casa. Hytalo sofreu com esse machismo, ele era só uma criança que ouviu e ouve todos os dias comentários que reproduzem uma lógica de ódio quanto aos que não se enquadram nessa sociedade quadrada.

Recordem na mente de vocês quantas vezes foram Hytalo e Valentina, quantas vezes seus corpos e comportamentos foram motivos de constrangimento e lágrimas isso antes dos quinze, crianças deveriam ser só crianças, deveriam ter sonhos, deveriam sonhar poder fazer qualquer coisa e serem da forma e do jeito que quiserem, crianças não deveriam e não poderiam estar expostas a isso.

Teoricamente você nem foi exposto às câmeras, mas quem disse que o ideal social, os olhos milimétricamente programados, não falaram sobre seu cabelo e o motivo dele não ser liso, não falaram sobre seu manequim ou o tamanho da sua saia, ou ainda discursaram sobre o seu comportamento, quem disse que você também não foi violentado por essa sociedade que te consome como um produto qualquer em uma prateleira.

Penso nas crianças expostas ao frio, vítimas de uma sociedade que as vê como mero produto, um pedaço de qualquer coisa, um número, um futuro inexistente, eu nunca me vi grávida mas quero ser mãe, talvez por esse fato eu seja tão sensível a essas crianças que tem tão pouco, por vezes quase nada e que se expõe a tudo. Crianças aprendem fazendo, brigando, correndo, brincando, derrubando, crianças não deixam de ser crianças quando nascem mais pobres ou menos ricas, elas mudam de endereço, de rua, de viaduto.

E é nesse contexto que fui apresentada a outra criança, a de uma escola de um município pequeno aqui do Rio de Janeiro, ela estava agitada, quebrando, reproduzindo, gritando, estava assustada, chorando e os adultos a sua volta filmando, o vídeo que viralizou em poucas horas, me pergunto onde se encontra a sanidade humana quando uma criança que não chegou nos dez anos se descontrola nesse ponto e nem um adulto se preocupa em saber o que de fato acontece, só se preocupam em filmar, compartilhar, curtir…

Observo um pouco desse caso e me recordo dos ex atores mirins, que tiveram suas vidas expostas durantes tantos anos, que acabaram entrando em depressão, fazendo coisas normais e absurdas a olhares de determinadas lentes, ninguém nunca se perguntou o que sentiam, o que queriam, o que verdadeiramente eles eram? Eles só queriam saber de viralizar as notícias sobre os ex queridinhos e atuais problemáticos.

Vendemos nossa alma a uma câmera, em busca de curtidas e comentários elogiando nossa beleza. Certas vezes pergunto-me quem somos nós? Somos o que está dentro ou está fora das redes sócias? Quem nos conhece? Quem nos curti na vida real e compartilha de nossas ideias?

Enfim por hoje é só, boa noite.

Agora eu era o herói

E o meu cavalo só falava inglês

A noiva do cowboy

Era você além das outras três

Eu enfrentava os batalhões

Os alemães e seus canhões

Guardava o meu bodoque

E ensaiava o rock para as matinês

(Chico Buarque – João e Maria)

Texto de Juliana Marques publicado Originalmente em 29/10/2015)