Aos corações que necessitam de saudade para continuar a bater, dedico esse texto, que dezembro termine sereno como a brisa de um verão no fim de tarde, mas se houver tempestade que haja também quem não te deixa sozinho. Eles entendem e eles vão ficar…
Sobrevivo do caos de não saber quem eu sou, não consigo descrever tudo que sinto e meu coração se aperta diante de gatilhos que eu não sei identificar. Quando percebo lágrimas já inundam meus olhos o que torna turva minha visão, eu não consigo ver e entender o que acontece, eu só sei que continua a acontecer independente da minha existência.
Às vezes eu volto para casa, eu preciso me sentir parte de algo, preciso que entendam o que eu sinto e eu sinto saudade de quando me bastava existir sem dar nada em troca. Tudo continua no mesmo lugar, em cada cômodo uma saudade diferente, ao mesmo tempo que nada permanece igual e por mais que digam que existe saudade, tudo que sinto é saudade de quando tudo isso era de verdade.
De forma ínfima percebo que o tempo passou e me deixou todas as lembranças que eu não sabia existir, tudo que antes parecia tão pequeno agora parece me causar uma dor desproporcional, eu revisito cada diálogo, cada sentença, cada erro cometido por mim e por outros, é como rebobinar uma fita mofada de forma insistente, é assim que me sinto.
Eu choro mesmo sem lágrimas, eu grito sem nenhum som, eu não entendo o que eu fui e se um dia eu fui algo diferente, sinto saudade de quando respirar não me causava tanta dor, a cada novo suspiro é como se algo me machucasse por dentro, dói, dói tanto que eu não consigo explicar o tamanho dessa dor.
Eu me escondo em lugares desconhecidos, eu invado espaços que não me pertencem, às vezes tudo que sinto é saudade mas tudo que me resta é a lembrança do cheiro de mofo nas paredes, o tempo é cretino, ele leva tudo até mesmo os sonhos…
Constantemente eu preciso de ajuda para organizar meus pensamentos, tudo me foge, me perco nas horas, tudo é muito rápido, é como se eu constantemente estivesse em uma corrida na última posição, me sinto ofegante, trêmulo e solitário. Me afogo todos os dias nos meus pensamentos, é um mergulho sem volta em uma piscina sem borda. Eu quero fugir, mas me sinto preso sem ter para onde ir.
Agora mesmo que só tenha passado pouco tempo, parece que tudo me cansa, tudo por mais conhecido que possa ser, se torna desgastante demais para lidar sozinho, sem ajuda, eu não queria precisar dessa ajuda, mas eu me perco até mesmo por caminhos conhecidos, eu me escondo de tudo que não conheço e eu tento me fazer presente para que não me esqueçam, não esqueçam o que eu fui e não percebam o que me tornei.
Sinto saudade de quando a solidão não era um problema, agora por mais que eu ame, eu não consigo me manter presente mesmo que eu queira, mesmo que eu insista, eu me sinto como um eterno visitante nos corações que eu julguei que fossem casas. Eu não consigo evitar essa sensação, eu me tornei um desencaixe em um mundo de peças perfeitamente polidas, me tornei aquele que deixam de lado mesmo quando sou convidado.
Sinto vontade de chorar, sinto que me esconder é necessário, eu sinto como se todos os abraços que me acolhem fossem vazios, como se eles não quisessem realmente estar ali, me ouvindo, não sei como reagir, quando me perguntam como me sinto, eu não sei responder, quando respondo ou tento responder, todas as vozes se calam e somem…
Não acho que isso é culpa de alguém além de mim, talvez eu tenha me tornado uma pessoa desinteressante, um rastro interminável de saudade do que um dia eu fui, talvez só isso mantenha a porta aberta para essas pessoas se manterem aqui, inclusive eu. Talvez seja eu que esteja empurrando essa porta para ser fechada.
Eu vivo de saudade, de tudo que um dia eu fui, de acompanhar o riso, de andar entre os sonhos, de não me perder com facilidade nas conversas e de não ligar para o meu desencaixe, eu sinto saudade de quando tudo que me bastava era o encaixe dos braços envolta do meu coração.
Sinto saudade de quando minhas decisões bastavam, de quando eu não me importava com as palavras, com os olhares ou os suspiros. Apesar de não me arrepender das minhas decisões eu sinto saudades de quando tudo era mais simples, de quando isso tudo não causava tanta dor, de quando eu não tinha que engolir tudo que sentia para permanecer ali.
Sinto saudade de quando meu soluço não precisava ser contido, de quando minhas palavras não precisavam ser escondidas e de quando eu sabia me encontrar mesmo nas maiores tempestades, sinto saudade de quando eu não sentia dor por cair e me machucar, agora tudo dói demais, minha presença não é mais tão importante, meus abraços já não são necessários e meu medo de desaparecer se torna cada dia mais frequente.
Talvez tudo que reste seja o cheiro da inconstante saudade de tudo que fui, de tudo que vivi em cada canto desta casa. Nunca senti que desapareceria realmente, mas se eu pensar bem o desaparecimento é tudo que me resta, tudo se foi mesmo que todos ainda estejam aqui, de todas as tempestades que eu poderia enfrentar essa sem dúvida é a pior.



