Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Saúde, silêncio

Filme antigo.

Ainda é cedo amor

Mal começaste a conhecer a vida

Já anuncias a hora de partida

Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

(Cartola)

Aos que se perdem no tempo e perdem tempo…

Algumas vezes seu relógio não marca as horas da forma correta, é como se o seu tempo não fosse cronológico, tem dias que seus minutos duram mais do que horas e outros tantos, suas horas passam mais rápido do que os segundos. É como olhar o mundo, seu mundo, sentado diretamente na cadeira de um cinema vazio, sem ninguém do seu lado, é como ser um espectador da própria vida. 

De repente não mais do que de repente, sua vida antes tingida de tantas cores parece ter virado um eterno filme em preto e branco, sem som, sem direção, a imprevisibilidade passou a fazer parte dos seus dias, você deseja que aquele longo e cansativo filme acabe mas ele não acaba ele se arrasta. Às vezes você assiste ao filme, outras tantas você se transforma em uma personagem coadjuvante que ninguém percebe por ali, uma personagem que arrasta uma longa corrente por todo o filme, é esse seu único enredo, ninguém repara nela, ninguém para, e todos os outros personagens evoluem, mas ela não.

Você percebe que parou e o mundo continuou a girar, todos a sua volta continuam da mesma forma seguindo com suas vidas, tropeçando em você e seguindo sem perguntar se estava tudo bem. As pessoas não param, não perguntam, apenas seguem, elas não querem perder tempo, elas não querem ter suas vidas estacionadas apenas por tropeçar em você. Quando você finalmente consegue se mexer, você percebe que o tempo passou, que ele correu e você nem percebeu. 

É uma batalha perdida, não tem como lutar contra o tempo, de alguma forma você não sabe como começou a se sentir assim, se foi algo de agora ou de muito antes de você se tornar adulto, mas aconteceu e agora tudo que você consegue fazer é assistir a esse filme que se repete dia após dia, você às vezes ri de forma involuntária, as piadas são sem graça mas você apenas faz, para não perder o costume, para que não percebam que as coisas mudaram. 

Algumas vezes é difícil manter o disfarce, e você desaba, e é como se aquele filme desastroso estivesse em um aparelho quebrado, ele é rebobinado várias e várias vezes para que você pudesse lembrar suas derrotas, seus medos e seus erros. Você desaba e se afoga naquele sentimento, não consegue escapar daquela correnteza, se sufoca, se esconde e se machuca. 

Seus suspiros são de desespero, afinal durante tantos anos o medo era tudo que você queria evitar e agora parece que de forma inevitável tudo que você tem pela frente é isso, o medo, o medo constante de se afogar e não ter ninguém ao seu lado, o medo de se tornar um eterno espectador da sua vida. O medo finalmente bateu à sua porta e se mostrou um hóspede bastante exigente, faz festas assustadoras que te tiram o sono, involuntariamente você tenta o expulsar, mas é como se aquela casa não fosse sua e você não tivesse direito a opiniões sobre quem vai ou quem fica. É um medo frio, vazio e silencioso, que te faz ficar doente. 

Viver se tornou sinônimo de esperar, você espera de forma impaciente para que aquela sensação vá embora e seus anseios que antes eram minimizados, se tornam cada vez mais presentes em sua vida. Você questiona o que faria se não tivesse tantos medos.

Dúvidas realmente pairam sobre a sua cabeça, será que as coisas mudaram e deixaram de ser tão prazerosas? Será que um dia elas foram realmente prazerosas? Constantemente sua cabeça roda e você se esquiva de dar respostas para perguntas que sabe que deveriam ser feitas. 

É complicado, seu tempo que antes era só seu, agora pertence a outras pessoas e você não sabe lidar bem com isso, sua cabeça entra em uma guerra constante para conseguir estabelecer objetivos. Tudo parece um eterno conta gotas de um remédio de gosto amargo, as gotas caem devagar e parece que nunca vai chegar a contagem final, você se angustia com aquela sensação de espera eterna. Você tenta ter paciência, tenta esperar, tenta desacelerar sua vida, mas se irrita fácil com o ritmo das gotas, elas caem devagar e parecem te machucar sempre. 

Não existe uma posologia para viver a vida, e por isso você se irrita constantemente pelo ritmo como as gotas caem, é vagaroso demais e você não se concentra naquilo, perde o foco, a contagem e não lida com o erro causado pelo seu cansaço de viver esse filme tão solitário. 

Constantemente você se força a dizer “tenho que continuar”, mas é um mantra falho, seu tempo que por vezes passa tão arrastado parece te impedir de continuar, parece te impedir de assistir esse filme solitário ao lado de outras pessoas, você anseia pelo final sem perspectiva de que ele se torne feliz, afinal você ultimamente dúvida do que é realmente felicidade. 

Por qual motivo você continua? Por qual motivo você não consegue ir por outro caminho, seguir por outra curva? Você se sente perseguido de forma constante pelo medo de errar… 

Sua mente tem muitos barulhos que não são seus, você diz sim quando sabe que deveria dizer não, utiliza vírgula onde deveria haver um ponto final, você escreve parágrafos novos para um assunto que já deveria ter terminado. 

Reinicia, olha para trás e respira, respira forte e tenta fazer o melhor que pode fazer, não o que você acha que as pessoas esperam que seja o melhor. A vida não vai parar, os minutos não vão voltar, mas você pode revisitar seus bons momentos, eles houveram, pode rir dos erros, comemorar as pequenas vitórias, mas não ultrapasse seus limites a vida é como um filme muito antigo, se você rebobinar ou avançar muito rápido, a fita agarra, o filme embola e tudo que vai restar é um drama mexicano como uma recordação que você não vai querer lembrar.

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, Minhas Crônicas, Opinião, silêncio

Barulho de saudade

Em algumas línguas como o espanhol Saudade significa “Nostalgia de casa”, no nosso idioma, significa “um desejo melancólico e nostálgico por uma pessoa, lugar ou coisas, que estão longe, quer no espaço, quer no tempo”

Aos desconhecidos que sentem saudade, saudade de quem se ama e de quem um dia foi a sua casa…

De repente, não mais do que de repente, tudo fica silencioso e por mais barulhento que possa ser do lado de fora, aqui dentro, tudo parece que foi invadido por um turbilhão de emoções, consigo ouvir o ritmo frenético da batida do meu coração fora de ritmo, é algo que eu já deveria ter me acostumado, prendo a respiração de maneira não intencional, sinto meu olho inundar, a sede imediatamente me acomete, quero fugir, mas me sinto preso nessa imensidão que são meus sentimentos. 

É como se tudo voltasse, menos você. Não entendo o motivo, já se passou tanto tempo, não entendo os gatilhos, na verdade eu não entendo nada, e tudo parece me afogar. A cada instante é como se eu tivesse mergulhado em um mar revolto e não conseguisse voltar para a superfície, sinto algo me puxar para baixo, sinto a água me invadindo, sinto a dor em meu peito. 

Eu sou racional demais, mas ainda assim é dessa forma como me sinto, minhas mãos tremem, e eu me sinto desprotegido, não ouço ninguém porque parece que o silêncio se apoderou de mim, ninguém me ouve, ninguém me enxerga, me sinto ainda mais encolhido, eu não queria sentir, não eu não queria sentir…

Tudo que sinto nessa hora é saudade, saudade de te ouvir sussurrar que me amava, do seu abraço, de estar ao seu lado e de brincar de pique esconde até você me encontrar e me pôr em seus braços. Parece que eu sou uma criança esperando eternamente você me encontrar, esperando você chegar e me pedir desculpas por ter demorado demais…

Nesses dias eu sinto seu toque em meus ombros, como se você ainda estivesse aqui, aperto meus olhos, me encolho no primeiro apoio que encontro, me toco para te tocar, você não estava aqui, não tinha cheiro, não tinha abraço e tudo que restou foi um soluço abafado em meio a dor de não poder te ter novamente. 

Eu sinto raiva, sinto vontade de gritar, o desespero me consome e se mistura a minha saudade é algo angustiante demais para lidar sozinho, é algo que eu não sei controlar, mordo meus lábios, aperto meus braços, estrangulo meu coração, a dor não passa, o ruído em meu ouvido também não, ainda é como se eu ouvisse sua voz ninando minhas angústias e me dizendo que tudo ficaria bem. Mas nada ficaria bem, você não está aqui. 

Queria ter conversado mais, e não ter fugido dos seus abraços, queria ter atendido quando você me chamou, queria não sentir o que sinto, ter me despedido com calma e ter te agarrado para não ir, queria poder te ter todos os dias, principalmente nesses em que me sinto tão criança, quando preciso tanto do seu colo, quando tudo que quero é me esconder na sua cama.

Com você eu não tinha medo, eu não tinha saudade, não me faltava o ar para traduzir as palavras que tanto me prendem. A garganta sempre entalada pelo medo que me sufoca, a dor súbita me afoga, eu tento, você sabe que eu tento, mas às vezes eu não consigo. 

Chove lá fora, o vento frio toca minha pele, sinto seu cheiro e tenho certeza que não é a última vez, me afundo ainda mais naquela parede, o choro vem forte, o medo de não conseguir finalmente transborda para fora, eu não tenho para onde ir, nem onde me esconder, eu sinto que quero ser forte, eu sinto que poderia ser forte, mas me falta força. 

Se eu te pedir perdão será que você me escuta? Se eu te contar segredos, será que você me abraça? Eu quero te dizer como são os dias, como são os meus dias, nem todos são bons, mas eu faço o possível para conseguir levantar e me pôr de pé, mesmo sem você. Eu tento, você sabe que eu tento. 

Eu tento me lembrar do seu sorriso, do seu toque e do seu apego, eu quero não te esquecer, não esquecer do que você me ensinou e do que eu te ensinei. As lágrimas caem com um pouco menos de força enquanto me lembro de você, enquanto me lembro de como você me abraçava para que eu permanecesse aqui, para que eu continuasse, você acreditou em mim quando nem eu mesmo acreditei, então eu tenho que continuar…

Ansiedade, cartas, Crônica, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, silêncio

Castelo de cartas

Aos amigos que em silêncio pedem socorro…

Se sintam abraçados.

Eu sei que você queria entender essa dor, que brotou dentro do seu peito de forma tão assustadora que é incapaz de dizer quando começou, foi tudo tão de repente…, um dia você dormiu, colocou a cabeça no travesseiro tranquilamente, e no outro, no outro seu coração parou repassando passo a passo de cada erro seu, de cada sorriso não correspondido, foi tudo abrupto demais, até para você que parecia pensar tão rápido.

Era como se lhe arrancassem o ar e retirassem junto às entranhas, a súbita vontade de gritar tomava conta de sua garganta, mas não saía som, não saía lágrima, não saía nada a não ser a dor, aquela maldita dor que te impedia de ter qualquer reação. 

Seus olhos pareciam doer mais do que o normal, sua vontade de permanecer de pé parecia desaparecer, o choro se tornou tão latente que a cada soluçar você parecia se despedaçar, não existia “eu te amo” que te fizesse sair daquele espaço onde se sentia seguro, enrolou-se nos lençóis e sufocou o primeiro grito enquanto se encolhia esperando por uma ajuda que nunca veio.

De forma súbita você ia desaparecendo, seu sorriso ia se esvaindo e deixava no lugar um leve levantar de lábios que dói cada vez que você tenta mascarar sua dor. De certa forma suas palavras também desapareciam, suas certezas iam embora a cada pequena tempestade dentro de si e aquelas malditas lembranças se tornavam tudo que restou.

Tentou engolir o choro e não adiantou, tentou esconder suas palavras e tudo que conseguiu foi às deixar sair de forma torta, era quase como se rosnasse, se defender do mundo foi a forma que encontrou para minimizar os ferimentos que ninguém enxergava, você focou naquilo que achava que era bom, que não podia criar decepções e se afundou ali, naquele lugar tão desproporcional a você, você começou a sentir que nem ali você cabia, mas era só aquilo que lhe cabia. 

Você já não se reconhecia, seu silêncio silenciava suas verdades, deixava sair apenas aquilo que queriam ouvir, respirava fundo buscando o ar, tentando se reconhecer em meio a toda aquela fantasia que criava, minimizou sua dor, estancou seus medos e se segurou em meio a incertezas, seu frágil coração vez ou outra demonstrava que aquilo não era certo, deixava cair a cada dia um pedaço do que um dia foi.

Se olhar no espelho se tornou tão complicado quanto olhar para as roupas abandonadas no fundo do armário, roupas que não lhe servem, mas que você deixava ali, se recusando a se desfazer daquelas lembranças. 

Você se encarava e não se reconhecia, o tempo passava, o choro te afogava, o soluço te impedia de respirar, era como encarar o passado e se perguntar o que ele tinha feito com você, a tortura permeava seus dias e você sentia vontade de esmigalhar aquele maldito vidro. Você repelia toda e qualquer circunstância que pudesse abalar o mundo frágil construído por você.

Olhar o relógio era uma lembrança constante que o tempo não voltava, os ponteiros não andavam na direção contrária, respirar fundo se fazia cada dia mais presente, e você não sabia se queria que o tempo passasse mais rápido ou mais devagar, afinal você parecia se afogar dentro de si mesmo, todo dia que amanhecia parecia um convite para ancorar sua vida em outro porto e modificar seu percurso. 

Era um convite constante que passava por sua cabeça, um convite que você nunca seguia, um convite repleto de incertezas em um mundo construído com cartas tortas que a qualquer vento poderia derrubar, era um mundo repleto de lembranças que iam e voltavam com a mesma velocidade que os ponteiros do relógio andavam. 

Você queria aceitar, eu sei que queria, mas era tão difícil, você tinha medo de tudo desabar com tamanha velocidade que seria impossível as colocar no lugar sozinho, afinal você realmente se achava sozinho, seu choro não era ouvido, e seus medos pareciam te trancar em uma sala deserta e escura sem portas ou janelas, ninguém parecia te ouvir, ninguém parecia ligar, era doloroso demais se encontrar sozinho em um mundo onde verdades são silenciadas e sorrisos falsos se tornam verdadeiros, você se engasgava forte com suas dores, e se despedaçava sem ninguém perceber, ancorar em outro porto exigia uma coragem que você não sabia ter. 

Você respirava fundo buscando soluções para tudo que sua mente tão ágil reproduzia de forma tão insana, não sentiu o abraço, ignorou os pedidos de calmaria e correu em direção contrária ao mundo, mentiu quando perguntaram qual era o problema, disse não quando queria dizer sim, a sensação de casa cheia e coração vazio nunca deixou você. 

Se eu fosse te dar um conselho seria para se ouvir e desabar você mesmo esse castelo de cartas tortas, desaba, ele já tá bambo a muito tempo, deixa cair as lágrimas, o medo e as incertezas, se já não te cabe mais por qual motivo continuar no mesmo lugar?

Respira devagar, você vai conseguir. Olha para trás e vê tudo que você já construiu, você tem sorte, tem mãos que vão te reerguer quando cair, pode ancorar em qualquer porto que você não vai deixar para trás suas conquistas, mas também vai levar junto suas lembranças, lembranças boas e ruins, elas são parte de quem você é, se o castelo realmente desabar, você vai juntar carta a carta e remontar aquele castelo, montar de uma forma que te agrade, que você se encaixe e se reconheça ali dentro. Vai construir e reconstruir esse castelo até você se reconhecer como parte dele.

Ansiedade, cartas, Crônica, Minhas Crônicas, silêncio

Carta 1 – Despedida

Silêncio.

De todos os silêncios que eu poderia desejar, o seu silêncio é o pior de todos. Não percebi quando começou e não sei se um dia vai terminar.

Barulho. 

De todos os barulhos que eu esperava ouvir, o som da sua voz me pedindo para eu não voltar era o último som que eu imaginei quebrar a barreira do nosso silêncio.

Loop

Você me mandando seguir sem olhar para trás é tudo que se repete em minha memória, de forma vagarosa e cruel, é como uma janela se estilhaçando no chão.

Esquecimento. 

Não vou dizer que eu espero que se lembre de mim para todo o sempre, eu prometo que você não vai virar uma vaga lembrança, mas não tenho certeza se ainda vou lembrar do seu vago sorriso enquanto dividimos histórias que nunca vivemos. 

Lembranças. 

Me pergunto quantas lembranças de verdade conseguimos criar juntos sem desistirmos dos nossos planos?

Medo.

Confesso que eu tenho medo de te esquecer e, que talvez me esquecer não seja o seu medo. 

Verdades. 

Talvez nossas vidas se tornem melhores se não estivermos juntos. Nos machucaríamos bem menos em meio a todas as nossas expectativas. 

Mentiras. 

Toda vez que eu abrir um livro complicado que explique coisas simples, eu vou me lembrar de você, mas vou fingir não lembrar, fingir te esquecer e, ignorar todas as páginas que dizem tanto sobre você. 

Ilusão

Aceito que você possa me esquecer, mas lá no fundo eu ainda terei a ilusão de que tudo vai terminar bem de alguma forma, terminar bem pode ser que nós nunca nos encontremos novamente.

Desculpa.

Eu deveria ter cometido menos erros e pedido mais desculpas.

Expectativa. 

Eu te fiz acreditar que eu era diferente, que eu te ouviria em todas as situações, que eu te abraçaria em todos os momentos e que eu te amaria independente do que houvesse. Era verdade, mas também era mentira. Tem dias que eu não me amo, que eu não me ouço, que eu não me entendo. 

Solitude. 

Eu vivo entre muitos, gosto de vozes e de barulho, mas ainda assim sinto falta do seu silêncio que ensurdece meus momentos mais peculiares.

Amor, Ansiedade, Capitalismo, cartas, Crônica, depressão, Minhas Crônicas, Opinião, Padrão, Poesia, Sem categoria, silêncio

Armário bagunçado

wp2030160

Para uma outra criança que encontrei por aí… talvez ela seja tão bruxa quanto eu.

Tudo era uma confusão.

Não sabia o que sentia, não entendia nada que acontecia, as vezes tudo que sabia era que a incerteza eram sua única certeza;

Não contava mais quantas vezes seu riso escapou ou quantas vezes suas lágrimas surgiam sem motivo aparente.

Não entendia como respirar podia ajudar, sentir a vida se esvaindo entre sua corrente respiratória nunca ajudou.

Era pesado sentir tudo aquilo entrando e saindo de dentro de si…

Contou todas as vezes que deixou cair algo importante enquanto respirava:

Deixou cair seu coração…

Deixou cair seu equilíbrio…

Deixou cair o que acreditava ser certo.

Tudo escapou naquele espaço tão pequeno que existia entre os sentimentos e o vazio.

Sentir…

Era bom sentir, sabia que vivia assim dessa forma: sentindo.

Era ruim sentir, era devastador não poder controlar o que sentia.

Tentou guardar tudo no armário, mas era muita coisa e quase nada cabia naquele espaço tão pequeno, as portas logo cederam e tudo desmoronou em cima de si.

O ar fugiu, e tudo ficou mais turvo do que costuma ser.

Se deparou com coisas que nem ousava pensar ter guardado, havia guardado realmente muita coisa.

Encontrou seus gritos escondidos no fundo do armário.

Encontrou as palavras carregadas de sentimentos que guardou por baixo de todas as tralhas desimportantes.

Encontrou as vozes, aquelas que queria esquecer, mas que não podia negar a existência, elas se multiplicavam.

Se culpou, afinal não soube guardas as coisas dentro do armário.

Se culpou porque quando olhavam para si viam aquela bagunça toda que escapava daquele espaço tão pequeno.

Se culpou porque supostamente sua bagunça havia respingado em outras pessoas.

Era estranho, complicado e inteiramente desconfortante.

Tudo que sentia era rápido e não podia controlar, não entendia muito bem como as outras pessoas escondiam tão bem tudo dentro de seus armários.

Não entendeu quando quis se enfiar por inteiro dentro daquele espaço tão pequeno e quebrado.

Respirar doía e ninguém deveria sentir dor enquanto respirava, mas nem sempre era assim.

As vezes respirar era bom, sentir todo aquele ar correndo dentro de si era confortante, era sinal de liberdade, de vida, de história.

Queria ser como o vento, livre, entrar e sair sem pedir licença.

Queria sair sem que perguntassem o motivo, queria sentir que era vida, que era a vida que existia nos outros e em si.

Queria sentir e saber o que sentir.

Preferia pontos finais á vírgulas, não gostava de criar continuação para nada, até gostava, mas se preocupada demais com tudo, pontos finais eram rápidos emergências e não precisavam de explicação.

Era difícil entender que tudo que sentia era seu, eram suas angustias, seus medos, suas alegrias e amores, tudo era seu e de mais ninguém.

Ninguém poderia engavetar o que sentia, ou guardar nos cantos do armário aquilo que não agradava por muito tempo.

Era difícil, era dolorido, era confuso, mas também era bom, afinal as vezes é bom no meio de toda aquela bagunça que desaba sobre nós descobrirmos que lá dentro também está guardado o que somos.

É bom nos reencontrarmos, redescobrirmos o que sentimos e entender ou desentender o que nos faz chorar e sorrir.

 

Ansiedade, cartas, Crônica, Crianças, depressão, Opinião, Padrão, silêncio

“Não me toca, por favor não me toca”,

Têm dias que é difícil se concentrar no mundo, têm dias que é difícil se entender e entender o outro.

Teve dias que eu me perguntei como seriam aquelas crianças quando crescessem. Teve dias em que eu as reencontrei.

Por favor, não me toca.

Eu sei que parece estranho, mas isso me machuca.

Dói quando você me toca, quando se aproxima demais e quando me abraça assim tão apertado. Às vezes parece que está tudo queimando aqui dentro.

Eu queria ficar para sempre no seu abraço, mas isso me machuca, e eu nem sei explicar o que sinto, então eu só espero que seja rápido e que você entenda o quanto isso me machuca.

Eu não consigo explicar, eu não consigo entender, as vezes você me faz sentir em casa, mesmo quando eu não consigo entender o que é uma casa de verdade.

Às vezes eu não sei o que falar, e falo desordenadamente sobre qualquer assunto, mas é que poucas vezes alguém tenta me ouvir.

Às vezes eu troco de assunto sem nem perceber, eu não faço de propósito, é só que é difícil pensar tão rápido e não conseguir controlar o que surge na minha cabeça, eu não consigo me controlar, eu só queria seguir em um único caminho, mas vez ou outra me perco por tantos lugares que nem sei onde estou.

Às vezes eu preciso falar comigo e não gosto que me interrompam, não gosto que não entendam que essa é minha forma de me entender. Eu até tento agir naturalmente, mas nem sempre dá, tem dias que não dá para controlar e parece que tudo que acontece faz tudo ficar ainda mais complicado.

Às vezes eu não quero falar, mas não é que eu não tenha o que dizer, é só que eu não consigo falar. NÃO CONSIGO, por favor entende. Eu só quero ficar quieto, em silêncio, sem todo esse barulho que eu causo e sem todo esse barulho que me causam.

Eu não sei se você entende, ou quão estranho deva ser você para tentar me entender, mas tudo que eu queria era não ser eu e não sentir tudo que eu sinto.

Às vezes eu não sei o que fazer, é complicado ter tantas opções e não saber para onde ir. Tudo dentro de mim parece apertar, minha cabeça fica tão bagunçada que as palavras somem e eu não consigo entender para onde vou.

Eu não gosto de aglomerações, não gosto quando tudo que tenho que fazer é conviver com um monte de gente que não fala comigo, que não me conhece, que encosta em mim sem me avisa, isso faz meu coração acelerar, eu fico atônito tentando fugir, minha garganta arde, meu corpo queima. Parece que tá todo mundo olhando para mim, eu não gosto de ser o centro de toda a atenção.

Tem dias que eu não sei o que sinto por você, não sei se gosto ou não de você, não gosto de como você insiste em ficar perto de mim, não gosto de gostar de ficar perto de você.

Amor, Crônica, Feminismo, Minhas Crônicas, Opinião, Poesia, Preconceito, Sem categoria

Cora Coralina – Aninha e suas pedras

coracoralina

Não sei…

se a vida é curta

ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,

se não tocarmos o coração das pessoas.

(Não sei)

Cora Coralina (1889-1985),  morreu quando eu ainda nem era nascida, em 1985 meus pais nem sonhavam em se conhecer. Quando conheci seus versos, eu já havia me tornado adulta, quase tão adulta quanto Aninha em algumas daquelas linhas.

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces.

Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha um poema

(Aninha e suas Pedras)

Me encantei por Cora entre os corredores frios e cinzas da UERJ, os versos pareciam ecoar por cada canto daquele lugar. Suas confissões de menina, faziam eco ao meu coração, suas linhas não eram nem versos e nem poesia, “era um jeito diferente de contar história”. Por mais que ela falasse dela, e eu soubesse disso, parecia que falava de mim, ao mesmo tempo que parecia falar de outras, sua voz não era singular, era plural. Era a voz de quem havia se deparado com muitas pedras e as transformado em poesia.

“Entre pedras

cresceu a minha poesia

Minha vida…

Quebrando pedras

e plantando flores”

(Das Pedras)

Ana Lins dos Guimarães Peixoto, era Cora e Cora era Ana, Aninha, a terceira das quatro filhas, orfã de pai praticamente ao nascer, estudou até a terceira série, teceu ainda na infância seus primeiros versos sem vírgulas, palavras ou linhas, mas que tinham cheiro de mato, de terra molhada, de bolo recém assado pelo vó.

“Era só olhos e boca e desejo

daquele bolo inteiro”

(Antiguidades)

Escreveu suas linhas para fugir de tudo que a machucava, eram sobre o que sentia, sobre o que viveu, e sobre o que ainda queria viver, eram lembranças de uma menina, contadas por uma senhora que continuava a devorar o mundo e a mostrar a ele todas as suas pedras, todas as suas lutas.

Aos 70 anos aprendeu datilografia para que suas poesias pudessem ser enviadas aos editores, aos 75 anos publicou seu primeiro livro, morreu aos 95 anos… Drummond dizia que ela era: “uma velhinha sem posses, rica apenas de sua poesia, de sua invenção, e identificada com a vida como é”.

“Sendo eu mais doméstica do
Que intelectual,
não escrevo jamais de forma
consciente e racionalizada, e sim
impelida por um impulso incontrolável.
Sendo assim, tenho a consciência
de ser autêntica.
Nasci para escrever, mas o meio,
o tempo,as criaturas e fatores
outros contramarcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira
do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes………
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata
Sempre houve na família, senão uma
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
a essa minha tendência inata.”

(Cora Coralina, quem é Você?)

Cora assinava aquilo que Aninha vivia, se tornou poesia em meio a resistência, era tão única quanto o nome inventado, fugiu, amou, vendeu livros, lavou roupa, sofreu a dor da perda, mais de uma vez, se fez doceira que conservava histórias, foi mulher rendeira que teceu seu próprio destino. Dentro de si, existiam tantas e tantas vozes, que ler suas linhas é como caminhar na corda que tece a vida, não só a de Aninha, mas a de Cora e também a minha.

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,

sem preconceitos,

de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário Cora Coralina – todas as vidas

4 poemas de Cora Coralina 

A sabedoria de Cora Carolina em 4 poemas

Enciclopédia Itaú Cultural 

Cora Coralina – por Elder Rocha Lima

15 Poemas de Cora Coralina

 

 

Amor, Crônica, Crianças, Minhas Crônicas, Opinião, Sem categoria

Compositor de destinos

coracao-e-vida
Disponível em Pinterest

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo

(Caetano Veloso)

Dedico esse texto aos meus amigos, irmãos, por me ensinarem que viver é florescer entre a tempestade. Dedico esse texto aos amores incondicionais que conjugam o verbo amar da maneira mais intensa possível. Eu amo vocês por me ensinarem tanto de tantas formas.

Em meio a aquele silêncio, ouvia-se um choro,

tão íntimo,

tão pequeno,

tão vulnerável,

Era o primeiro encontro de ambos, seu olhar o encontrou de forma que soubesse que mesmo naquele primeiro momento, aprenderia bem mais do que o ensinaria.

Sorriu, sorriu de maneira tão inusitada ao o segurar, que se esqueceu de como estava sensível, não ligou, continuou a segura-lo de maneira meio torta, meio incerta, de maneira certa, bem ao lado do seu coração, o som estranhamente descompensado acalmava aquele ser tão pequeno, o choro cessava enquanto seguia o embalo daquela voz rouca e dos soluços.

O ninou em seus braços, com toda a experiência que lhe faltava.

Se perguntou desde quando o conhecia? O olhou novamente como se tentasse se lembrar, fechou os olhos e sentiu aquele cheiro meio seu, meio dele, era algo tão improvável, mas sentia, era como se reconhecer ali. Não, com toda certeza não era o primeiro encontro de ambos, soube disso quando o tiraram de seus braços pela primeira vez, sabia que não existia lugar melhor do que ali nos seus braços, e mesmo assim o levaram.

Sentiu o aperto, e reconheceu a saudade imensurável que nunca havia sentido.

Dormiu de cansaço, mesmo não querendo dormir.

Se preocupou, mesmo sabendo que não deveria se preocupar.

Disse que estava tudo bem, apenas para que se preocupassem com ele e não com si.

Por mais que soubesse o que era amar o outro, não sabia descrever aquela sensação, não era racional, era como se a sua dor não existisse, então soube o que era verdadeiramente se doar pelo outro, sentiu necessidade de protege-lo, de o guardar em seus braços, aprendeu um outro significado de amar, bem mais intenso, bem mais voraz, um amor incondicional e sem respostas.

Quando acordou não se importou com as olheiras, ou com qualquer coisa que foi lhe perguntado, esperou ansiosamente para o encontrar novamente, ainda não sabia lidar com tudo aquilo, era tudo meio novo, e nada correspondia a suas expectativas, era tudo mais intenso, antes mesmo de o acolher em seus braços já sentia seu calor tão peculiar.

Independente de todas as crenças que poderia ter, sabia que daquele momento em diante todas as suas preces seriam para ele, para seus sorrisos, para seus machucados, para seus sonhos, para seus abraços.

O alimentar era como regar um pequeno broto, sorria com esse leve pensamento, era como se aquilo os ligasse eternamente, era como se sua vida regasse aquele ser tão pequenino, enquanto ele despreocupadamente sugava cada gota. Não conseguia pensar em mais nada enquanto o encarava.

Era o seu pequeno pedaço do mundo, era o seu mundo, nunca o imaginou tão pequeno, nunca imaginou que algo tão grande pudesse caber nos seus braços, mas cabia, sabia que não caberia para sempre e inquestionavelmente sentiu um súbito medo dos dias tão distantes em que não bastaria o seu amor, seus braços, suas palavras, respirou fundo e ignorou todos esses pensamentos, por enquanto ele ainda era o seu pequeno pedaço do mundo, tão pequeno que cabia nos seus braços.

Se pegou rindo para o nada, respondendo perguntas inexistentes, inventando músicas sem refrão, era tudo tão único que nem ligava para que os outros diziam, nem todos os manuais de instruções poderiam sugerir como seria seus dias agora.

O cansaço batia, o choro surgia, e o único verbo que conseguia conjugar era o amar, o conjugava das maneiras mais improváveis e impossíveis.

Meu canto hoje dobra as tuas notas
Me olhas como se fosse normal
Me coro ao seguir a tua rota
Meu abraço te amarrota
Meu estranho natural

_Maria Gadú_

Amor, Cores, Crônica, Minhas Crônicas, Sem categoria

Pena & Tinta: Entre corpos e purpurina

carnavalEm meio ao confete e a serpentina, ela retocava o batom verde neon na mesa do bar enquanto esperava sua companhia, não acreditava que estava trabalhando no primeiro dia de carnaval, levou mais uma vez a garrafa de água com gás aos lábios enquanto o procurava em meio a toda aquela purpurina, piscou mais de algumas vezes quando viu a camisa colorida e a maquiagem extravagante marcando o rosto, ele estava ali com aquele sorriso sorrateiro puxando a cadeira do bar pois o escritório estava fechado, arqueou a sobrancelha e mostrou as anotações resolveu esquecer a fantasia nada discreta e indecifrável que ele trajava, terminaram a conversa falando de política e do lixo acumulado na cidade, era sempre assim, mas dessa vez era diferente, ela se despediu dele e pediu ajuda para colocar a máscara no rosto, errou o local do beijo, se devoraram ali, ninguém se importou, todos estavam fazendo a mesma coisa.

Ela olhou a hora no relógio dele enquanto tomava o último gole d’agua, ele roubou um beijo novamente enquanto pegava a garrafa e jogava em uma lixeira qualquer, mal perceberam quando já subiam a rua em direção ao apartamento dela, girou a chave rapidamente, fechou a porta e se viu prensada ali, fechou os olhos, ainda conseguia se lembrar da última vez, retirou os botões apressadamente das casas, riu percebendo o péssimo gosto dele, jogou a camisa longe enquanto o puxava pelos cabelos e o mordia, detestou usar um dos seus batons que não eram alta durabilidade, podia perceber as pequenas marcas deixadas em verde neon no corpo alheio.

O arrastou até o quarto e quando percebeu ele havia deixado aquela bermuda por algum canto de sua sala sem ela perceber, sentiu quando desceu o fecho do vestido quase em câmera lenta os olhos dele a devorando vendo o tecido negro cair, o pulou enquanto se livrava do salto e abria o fecho do sutiã, o soltou por qualquer canto, enquanto ele mergulhava entre seus modestos seios, riu vendo que a maquiagem dele era deixada por seu corpo, uma trilha colorida que pintava seu corpo, sentiu a mordida e mordeu seus próprios lábios, abaixou a mão na cueca branca e apertou, o apertou e o sentiu ali, desceu o elástico quase na mesma velocidade em que ela sentia os beijos descendo no seu corpo, ele a ajudou na árdua tarefa de se livrar daquela pequena peça, se viu livre quando ela o apertou mais, ainda estava de calcinha, mas rapidamente não estava mais, sentiu quando ele desenhou com suas mãos seu corpo, enquanto fazia leves cócegas em sua perna esquerda.

Colou seus lábios no dele e sentiu a mão subindo por suas pernas, retirou a máscara e encarou mais uma vez aqueles olhos tão negros, o sorriso de lado que a devorava sem ao menos tocar, sentiu o hálito de hortelã se aproximando, se deitou, ele a acompanhou naquela dança nada planejada, mais um beijo, as mãos já passeavam por seu corpo, sentiu os lábios mergulhando em seu ventre, arqueou o corpo, respirou profundamente quando sentiu um beijo profundo e molhado lhe descendo a virilha, agarrou o emaranhado negro enquanto sorria e esperava impacientemente ele mergulhar furtivamente dentro de si, com sua língua, com seus lábios, com tamanha intimidade, respirou fundo enquanto inalava o cheiro de ambos, fechou os olhos enquanto cravava as curtas unhas no lençóis brancos, mordeu os lábios, e sentiu quando ele a sugou como se sugasse suas forças, sentiu a língua subindo e deixando um rastro delicadamente por cada parte do seu corpo.

Ela o puxou, o puxou com urgência e pelos cabelos, o puxou para selar seus lábios e o devorar sentindo seu próprio gosto, viu o riso frouxo que tanto amava em meio ao colorido da purpurina que enfeitava seus corpos, bagunçou com carinho aqueles fios negros enquanto suas pernas dançavam pelo corpo dele, o pé com as unhas pela metade brincava ali com os pelos de seu abdome, ela sorriu enquanto o fazia deitar para que ela ficasse por cima, talvez aquela natureza tão aquariana não ligasse para o fato de estarem uma hora atrasados para o tal bloco de carnaval, quem liga? Não era da natureza dela ser obrigada a cumprir compromissos, sorriu furtivamente pronta a devora-lo, mordeu os lábios já marcados por seus dentes e pelo resto do batom neon que usava, respirou profundamente ali no pescoço dele, o lambeu arrancando risadas, mergulhou-se ali, marcando-o, suspirou em seus ouvidos e cruzou seu olhar com o dele, não o beijou, não, não ainda, o lambeu em meio  a uma arqueada de sobrancelha e um piscar de olhos, desceu calmamente pelo pescoço, mais um cheiro, dessa vez do lado esquerdo suas mãos se apoiaram na cama enquanto ela se inclinava no peito dele.

Ele a olhava curioso enquanto ela dissipava leves arranhões por seu corpo, retraiu-se, sentiu peito descer no momento em que encostou seus lábios gélidos nos dela, ela o beijou ali, enquanto as mãos brincavam com os pelos do corpo dele, os enrolou nos dedos enquanto devorava o mamilo, mal acreditou quando ela o mordeu bem ali, a olhou incrédulo enquanto a mão descia, ela o mordeu mais uma vez enquanto o segurava, ele arfou, quase perdeu o ar, havia gostado, era diferente, sorriu quando abriu os olhos e a viu descendo por seu corpo nu, deixando marcas vermelhas pinceladas de pigmentosos brilhantes, trilhou até seu pênis já ereto, ela o beijou, enquanto o envolvia com as mãos, o lambeu, ela fez tudo isso o encarando, soltou as mãos enquanto o sugava, o estimulou enquanto apertou a farta carne de sua bunda, doce virilidade masculina, o arranhou ali entre a costela, ele perdia as contas de quantas vezes fechou os olhos se controlando para prender suas mãos no lugar, ele sabia o quanto ela detestava quando puxava seus cabelos, mais era quase inevitável, principalmente quando ele sentia-se tão cheio, iria explodir e tentou alerta-la, ela não ligou, aconteceu ali, e quando percebeu ela o beijava de maneira tão intensa enquanto compartilhavam o seu gosto.

Ela sorriu sorrateiramente enquanto encaminhava seu corpo para o canto da cama e abria a gaveta, ele, admiravelmente puxava a outra mão sugando os dedos dela, apresou-se em pegar a embalagem roxa e o entregou, nem ligou para o resto que caia no chão e para o riso que ele deu quando viu o ocorrido, ela apenas esperou que ele rapidamente fizesse o que tinha que fazer, ela gostava dele, gostava de verdade, gostava quando seus dedos se perdiam naquele emaranhado negro que eram aqueles cabelos, gostava tanto quando aquelas mãos inquietas se perdiam entre suas pernas e a fazia suspirar, mordeu os lábios quando viu aquele sorriso perdido a encarando ela engatinhou felinamente até ele e o pegou pelas mãos, o amava mais do que amava as sextas feiras, o amava mais do que amava os dias anteriores aos feriados, se encaixaram perfeitamente, eles eram assim se encaixavam bem, mesmo quando não combinavam em nada.

Reparou mais uma vez que ela também estava com purpurina e em meio ao balançar dos corpos, reparou as mãos perdidas em sua cintura, os olhos fechados, os apertos, ela o abraçou desejando que todos os dias fossem carnavais, sentiu quando os braços dele a enlaçaram também, caíram juntos na cama, se encararam quase que ao mesmo tempo que encararam o relógio, o bloco de  rua tinha se dissipado, tinham certeza que os celulares estavam entulhados de mensagens, o tempo pareceu parar em meio a um beijo calmo, se perguntaram silenciosamente o que aconteceria depois daquele dia, o que restaria daquele dia, tudo seria esquecido mais uma vez no fim da quarta-feira de cinzas?

Sentaram-se na cama e riram de suas aparências, estavam ensopados, completamente bagunçados, ainda ouviam alguma marchinha de carnaval passando na rua, ela se encostou nele pensando em qual o motivo de eles nunca darem certo, ele era de virgem ela aquariana, os ascendentes eram acidentes astrais, nenhuma das luas se cruzava, não tinham nada em comum e se dependesse dos astros eles nem ao menos trabalhariam juntos, ela riu mais uma vez enquanto ele se arrastava até o banheiro.

_Você vem? – ela não soube o que responder, ficou parada enquanto ele catava as roupas no chão e adentrava o banheiro.

Respirou fundo, estava com fome, queria mais, talvez fazer do resto do ano um grande carnaval não fosse tão ruim, mal percebeu quando seus passos tortos caminharam até o banheiro, abriu a porta de vidro e o abraçou por trás a água fria inundou ambos os corpos, enquanto eles respiravam aceleradamente a procura de uma resposta.

Ele a amava mais do que sorvete de chocolate, ele amava aquele riso engasgado em suas costas, amava a admirar enquanto ela buscava soluções inteligentes para mudar a órbita do mundo, para o tirar de órbita, ele se sentia perdido sempre que estava perto dela, já havia jurado tantas vezes se afastar, mal percebeu quando ela o apertou mais e soluçou, ele raramente a via chorando, se virou rapidamente se soltando dela, e levantou seu rosto, beijou seus olhos como tantas vezes ela fazia com si.

_Eu não quero mais… – o peito dele parou e ele concordou enquanto fechava o registro, quando se preparou para sair daquele pequeno espaço ela o segurou. _Eu não quero que seja passageiro, quero que não acabe na quarta-feira de cinzas.

Ele mal acreditou quando ouviu aquelas palavras tão doces saindo da boca daquela que jurava não se amarrar a ninguém.

_Aceita fazer do meu ano um eterno carnaval?

_________________________________________________________________

Esse texto faz parte do Pena & Tinta, um projeto de escrita criativa que tem como objetivo a criação de textos (crônicas, contos, poesias, relatos pessoais etc) em cima de temas predeterminados mensalmente. Um dos temas de Fevereiro é Amor de Carnaval.

 Tem um blog e quer participar das próximas edições do Pena & Tinta? A gente está te esperando AQUI.

Amor, Crônica, Feminismo, Sexo

The End…

TheEnd-01-thumb-800x600-97034.jpg

Recentemente me vi no meio de turbilhões de emoções que não eram minhas, eu não lido muito bem com perdas, ironicamente, eu nunca tive um grande termino, os que eu tive eu soube superar teoricamente bem, mas resolvi buscar nos anexos dos meus sórdidos pensamentos algo para escrever sobre esse momento tão profanamente inevitável:

O mundo vai continuar a ser o mundo, mesmo se amanhã eu não estiver ao seu lado, a inexplicável rotação da Terra continuará a acontecer, o Sol ainda estará iluminando nossas manhãs, e o frio da noite ainda nos fará desejar alguém ao nosso lado, não por amor, mas por egoísmo, vamos querer o corpo alheio para aquecer o nosso, e nos envolver em uma camada de braços e abraços, sussurrando palavras indecifráveis em meio ao sono, enquanto ouvimos o batucar do coração alheio, que não nos pertence…

O vazio na cama se torna maior, o espaço antes tão pequeno se tornou uma cratera, não existe bagunça, não existe risos, não existe… Mas o correto seria que isso tudo continuasse a existir, afinal, continuamos a viver e somos a parte inteira de tudo que restou, a matéria orgânica, presente nesse corpo, ainda é a mesma de antes de tudo acontecer, o que prova que ainda é possível respirar, suspirar, andar, viver…

Encarar a vida pode ter se tornado um pouco mais difícil, afinal quando se termina com algo de forma tão abrupta e inesperada você fica sem reação, não sabe que rumo tomar, que caminho seguir, e um medo transborda nos seus olhos, sim nos seus olhos, afinal todas as possibilidades que esbarram com você naquele primeiro momento não fazem sentido algum, você ainda continua se sentindo incompleto, mesmo com todos os seus pedaços no lugar, você adquire um medo absurdo de que tudo sempre seja assim, sempre…, sempre.

A solidão parece ser um eco no meio do seu peito. As letras de música parecem ecoar na sua mente “é impossível ser feliz sozinho”, quem disse isso? Quem nos ensinou a pensar assim? Infelizmente quando se está com todos esses sentimentos “a flor da pele e qualquer beijo de novela nos faz chorar”, não conseguimos enxergar um erro mortal nessa frase, só é possível ser feliz sozinho, quando dependemos de outros para fazer/trazer nossa felicidade transformamos isso em dependência. Amar não é criar dependência, amar é ser livre é viver independente do outro, partilhando o “nós”, junto com todos os sorrisos e lágrimas, mas sem esquecer do “eu”.

E nesse desespero em que me vejo

Já cheguei a tal ponto

De me trocar diversas vezes por você

Só pra ver se te encontro

_Caetano Veloso – Você não me ensinou a te esquecer.

Dizem que os seres humanos se distinguem dos demais animais por sua racionalidade, mentira, não somos racionais principalmente quando isso envolve sexo e amor. A grande verdade é que a maioria de nós busca no outro aquilo que deveríamos encontrar em nós, sabem aquela velha frase de contos de fadas: e se tornaram um só”? Essa frase deveria ser banida de qualquer história para ninar crianças, não deveríamos as ensinar que o amor é egoísmo, deveríamos ensinar que o amor é compartilhado.

Amar é a conjugação do verbo no plural, “amamos”. Mas e quando um dos dois não ama mais, ou esse amor não é suficiente? A hora em que o fim chega, é sempre a pior hora…

É meus caros, o fim é algo tão intenso que raramente acontece por decisão inteira, não há conversas, abraços ou beijos, tudo que resta é uma série de soluços e questionamentos sobre os motivos que levaram a àquele ponto final. É claro que tiveram motivos, mas quando é você que ouve o último adeus, é você que se acha culpado, é você que se esconde, é você que não sabe responder àquela fática pergunta: “por que terminaram? ” Meia hora após essa pergunta, um filme roda na sua mente, seus olhos transbordam e seu mundo desaba, a pergunta que deveria ter sido feita é “você está bem? ’’

Afinal ainda ontem seus corpos estavam juntos, em meio ao suor, os beijos, os afagos e os sussurros de prazer ao pé do ouvido. “Você tem certeza que está bem?” Não, não está, eu sei que não, isso tudo foi ainda ontem…

Essa sem dúvida é a pergunta mais correta, não existem motivos plausíveis o suficiente para um termino, não para quem recebe o ponto final, tudo que essa pessoa precisa nesse momento é compreender que ela não foi culpada, que o mundo vai continuar girando e que ela vai ter um abraço silencioso para aquele momento, que aquele só foi “um momento” e que vão existir inúmeros outros momentos. Afinal não importa os motivos, todos eles não vão fazer sentido algum para os corpos aquém de toda aquela história.

Não importa se foram, dias, meses ou anos, não importa e nem nunca vai importar, no momento em que o ponto final é colocado no meio de uma frase, ele corta todas as possibilidades de se saber o final da história, ele causa angústia por tudo que poderia acontecer e nunca aconteceu, ele causa medo, desespero, tristeza, ele transforma em lágrimas todas as boas lembranças e palavras.

O irônico disso tudo é que esse ponto final só se transforma em vírgula quando os dois lados dessa frase se permitem conversar, não existe relação de um só, a vida não é um monólogo, é um incansável diálogo onde criamos inúmeras conversas ao pé das amendoeiras imaginárias.

“Não vou me sujar fumando apenas um cigarro

Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom

Quanto ao pano dos confetes, já passou meu carnaval

E isso explica por que o sexo é assunto popular.”

_ Zé Ramalho, Chão de Giz

No fim tudo que resta é uma dor inconstante no meio do seu peito e por mais que se diga, “eu entendo”, tudo vai parecer não ter sentido nos próximos minutos. Sabiam que somos bem mais egoístas no “fim” do que no início? Sim, somos egoístas, aliás no “fim” ambas as partes são egoístas, ambas querem continuar e terminar aquela história por motivos individuais e que nem sempre condizem com a realidade.

No fim, o poeta realmente estava certo.

“Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.”

_Vinicius de Moraes – soneto de Fidelidade

 Era frio,

Era noite,

Era o fim,

Estávamos felizes, sentados, conversando ao pé da amendoeira, os carros passavam, as crianças corriam pelo parque, e você estava ali, me olhando, como quem olha pela última vez alguém.

O beijo de despedida aconteceu,

O último selar de lábios,

O último toque.

Eu não estava morrendo e nem você indo para outro planeta, era um adeus tão vulnerável em termos explicativos, que cheguei a me perguntar se ele realmente chegou a existir.

Toquei meus lábios,

Ouvi meu coração bater,

Respirei freneticamente,

Minha garganta secou,

Você não estava ali…

No fim tudo ficou a como sempre esteve,

Você não existia antes e nem vai existir depois…

Demorou um certo tempo para eu perceber que tudo continuava em ordem a minha volta, não me acalmei e nem quis me acalmar, busquei na ânsia de um desejo voraz outros braços para te encontrar, mas inevitavelmente me vi perdida.

Parei,

Respirei,

Percebi, não era você que eu buscava, nunca foi, sorri enquanto observava as folhas da amendoeira se espalharem por aquele parque…

Me encontrei.

*Escrito em homenagem aos meus amigos…