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Nas lentes do Mundo – Crianças são só crianças…

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Agora eu era o rei

Era o bedel e era também juiz

E pela minha lei

A gente era obrigado a ser feliz

(Chico Buarque – João e Maria)

Nas últimas semanas o assunto ‘’Crianças’’ tem se alastrado nas redes sociais, já que essa semana pertence igualmente a toda agitação do Enem, retorno aqui o tema igualmente polêmico do Enem anterior ‘’Publicidade infantil em questão no Brasil”, alguém já parou para pensar em como as crianças se encontram expostas nas redes hoje?

Filósofos e sociólogos diriam que é impossível não se expor a essas redes sociais, fato é que cada vez mais jovens elas se encontram expostas em um mundo tecnológico, o parto é filmado, a ultrassonografia em 3d com som digital, os álbuns de papel foram substituídos pelos tecnológicos, pelos selfies após o nascimento…com o obstetra.

E assim nasce cada vez mais cedo uma geração da Hipertextualidade que faz tudo ao mesmo tempo, ouve música, lê várias páginas em várias abas, curte, compartilha, dança e multiplica conhecimento por aí a fora.

É estranho falar de publicidade infantil quando nós mesmos estivemos tantas vezes expostos a ela, estivemos ali na plateia da Xuxa, Eliana ou da Angélica as vendo beber refrigerante, comer pipoca, devorar chocolates e chocolates e nos dizendo para igualmente os consumir junto com todos os seus produtos, quem não lembra da pipoqueira e da sorveteira da Eliana, os cds da Xuxa as bonecas da Angélica.

A publicidade infantil existiu no momento em que se foi concebido a criança como um público que compra e vende.

Brinquedos, roupas, desenhos, revistas, chicletes, doces, programas infantis, hoje eu tenho vinte e três anos e revejo todos aqueles programas, alguns brinquedos e me pergunto, isso não era para minha faixa-etária né? Não, não era.

Da mesma forma que existe no imaginário social o ideal de homem e de mulher existe nesse imaginário a ideia do que é criança, e para muitos ser criança é ser um mini adulto que gosta de doces e coisas coloridas, ser criança é bem mais do que isso, e é isso que a publicidade infantil tenta esconder atrás dos famosos jogos de vídeo game ou das roupas estilizadas da Barbie.

Da mesma forma que nós adultos tentamos nos moldar, crianças igualmente o fazem, roupas, penteados, meias, quem não usou aquelas meias coloridas, aquele tênis estranho, aquele vestidinho fofo, isso tudo porque queríamos ser como as princesas, apresentadoras, os heróis, ou as personagens da novela, não importa, isso gerou lucros milionários, assim como ainda gera, vide os famosos programas infantis baseados nas versões adultas diferenciados apenas com uma palavra (Kids, Juniors, infantil, crianças)

Falar desses programas é algo particularmente interessante, quando eu falei que essa semana o tema Crianças anda circulando nas redes sociais me referi a isso também, relutei um pouco em saber quem era Valentina, a tal menina de doze anos que remexeu as redes sociais, enfim descobri quem era Valentina a menina de somente doze anos que foi assediada por homens que deveriam ter a idade de seu pai ou até mesmo de seu avô, também conheci o pequeno Hytalo, de apenas onze anos que teve contra si os gritos de uma sociedade homofóbica, instantaneamente lembrei-me da pequena Maísa e de seus colegas apresentadores, das crianças que compuseram os grupos infantis da décadas de 90, dos pequenos  atores e cantores que crescem sobre o olhar dessas câmeras que na mais criteriosa leitura de Focault te puni na mesma medita que observa.

São só crianças, de doze, onze, dez, cinco….

Valentina é uma criança que assim como milhares foram assediadas, tiveram seus corpos violados e seus olhos violentados pela crueldade humana, assim como as meninas traficadas e vendidas, ou as pequenas que tem seus corpos expostos nas rodovias, ou as vizinhas, primas, sobrinhas, conhecidas que tem seus corpos vistoriados como um pedaço de carne. Crianças que não devem saber o significado da palavra machismo, mas mesmo assim a vive. Vivemos em uma sociedade tão hipócrita que os assédios se tornaram tão frequentes quanto um ‘’Bom Dia’’.

Eu não lembro do meu primeiro assédio na infância, provavelmente deve ter tido, mas não o lembro, em comparação lembro bem de como fui assediada por conta do uniforme de normalista, eu sei como é você andar a passos apresados para chegar no colégio e olhar para vê se não tem um carro te observando como se você fosse um pedaço de comida, ou ainda lembro da palpitação em segurar um guarda-chuva como se fosse a arma mais mortal do mundo, lembro, eu lembro assim como sei que Valentina, Hytalo e tantos outros vão lembrar de todas essas palavras.

Enquanto escrevo esse texto estou pensando na política de filho único, hoje extinta. É nesse momento em que percebo que independente do lugar quando algum mecanismo de controle percebe seus filhos, ele quer lucros, o governo autoriza mais um filho para impulsionar a economia, não para corrigir um erro social que possivelmente levou a morte milhões de meninas já que os pais preferiam os filhos homens, já que no fim eles proveriam a família. Coincidência ou não, aqui no Brasil um país em que não se tem controle de natalidade, o machismo concebe essas mesmas ideias, mulheres não servem para determinadas tarefas, não podem dirigir, são emocionais demais, são santas, professoras, mães…, mulheres são só mulheres e só elas têm o direito de expressar sentimentos, afinal pais ensinam seus filhos que “homem não chora’’.

Homens choram, psicologicamente e biologicamente, eles choram, eles sentem, eles se prendem tanto quanto nós aos padrões sociais, o machismo só existe porque ele foi ensinado na escola, na partida de futebol, com os carrinhos, em casa. Hytalo sofreu com esse machismo, ele era só uma criança que ouviu e ouve todos os dias comentários que reproduzem uma lógica de ódio quanto aos que não se enquadram nessa sociedade quadrada.

Recordem na mente de vocês quantas vezes foram Hytalo e Valentina, quantas vezes seus corpos e comportamentos foram motivos de constrangimento e lágrimas isso antes dos quinze, crianças deveriam ser só crianças, deveriam ter sonhos, deveriam sonhar poder fazer qualquer coisa e serem da forma e do jeito que quiserem, crianças não deveriam e não poderiam estar expostas a isso.

Teoricamente você nem foi exposto às câmeras, mas quem disse que o ideal social, os olhos milimétricamente programados, não falaram sobre seu cabelo e o motivo dele não ser liso, não falaram sobre seu manequim ou o tamanho da sua saia, ou ainda discursaram sobre o seu comportamento, quem disse que você também não foi violentado por essa sociedade que te consome como um produto qualquer em uma prateleira.

Penso nas crianças expostas ao frio, vítimas de uma sociedade que as vê como mero produto, um pedaço de qualquer coisa, um número, um futuro inexistente, eu nunca me vi grávida mas quero ser mãe, talvez por esse fato eu seja tão sensível a essas crianças que tem tão pouco, por vezes quase nada e que se expõe a tudo. Crianças aprendem fazendo, brigando, correndo, brincando, derrubando, crianças não deixam de ser crianças quando nascem mais pobres ou menos ricas, elas mudam de endereço, de rua, de viaduto.

E é nesse contexto que fui apresentada a outra criança, a de uma escola de um município pequeno aqui do Rio de Janeiro, ela estava agitada, quebrando, reproduzindo, gritando, estava assustada, chorando e os adultos a sua volta filmando, o vídeo que viralizou em poucas horas, me pergunto onde se encontra a sanidade humana quando uma criança que não chegou nos dez anos se descontrola nesse ponto e nem um adulto se preocupa em saber o que de fato acontece, só se preocupam em filmar, compartilhar, curtir…

Observo um pouco desse caso e me recordo dos ex atores mirins, que tiveram suas vidas expostas durantes tantos anos, que acabaram entrando em depressão, fazendo coisas normais e absurdas a olhares de determinadas lentes, ninguém nunca se perguntou o que sentiam, o que queriam, o que verdadeiramente eles eram? Eles só queriam saber de viralizar as notícias sobre os ex queridinhos e atuais problemáticos.

Vendemos nossa alma a uma câmera, em busca de curtidas e comentários elogiando nossa beleza. Certas vezes pergunto-me quem somos nós? Somos o que está dentro ou está fora das redes sócias? Quem nos conhece? Quem nos curti na vida real e compartilha de nossas ideias?

Enfim por hoje é só, boa noite.

Agora eu era o herói

E o meu cavalo só falava inglês

A noiva do cowboy

Era você além das outras três

Eu enfrentava os batalhões

Os alemães e seus canhões

Guardava o meu bodoque

E ensaiava o rock para as matinês

(Chico Buarque – João e Maria)

Texto de Juliana Marques publicado Originalmente em 29/10/2015)

Opinião, Sem categoria

Aos 18 anos

 

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Quando se tem dezoito anos, você pensa que tudo que quer é ganhar o mundo, viajar com uma mochila nas costas, desbravar rotas até então desconhecidas além da casa da sua avó em outro estado, mas ai…, bem ai você descobre que você tem que fazer o vestibular…, fazer uma opção sobre o que você quer ser quando crescer…, alguém sabe o que essa escolha significa?

Quando se tem dezoito anos tudo que você menos quer é se vê preso a uma rotina, você quer sair, namorar, beijar na boca, ir pra festas, ou só sentar no sofá e assistir aos clássicos no telecine, mas as coisas não eram bem assim, tinha que existir esse tal vestibular, que segundo o MUNDO, decidiria o que eu tinha que ser quando crescesse, eu já me sentia crescida, eu já tinha escolhas, eu tinha dezoito anos.

Fala sério, eu queria ser tanta coisa ao mesmo tempo:

Ser modista, mesmo detestando moda.

Ser Gastrônoma, mesmo minha mãe não deixando eu chegar perto das panelas.

Ser matemática, mesmo não lidando muito bem com os números.

Ser engenheira, como eu amo embrenhar entre os fios e peças, mesmo que as vezes, só as vezes eu me perca no meio deles e perca eles no meio da bagunça.

Ser mochileira e me perder no mundo, conhecer mil lugares, dormir olhando pro céu, mesmo sabendo que terei que voltar no dia seguinte…

Queria ser tanta coisa, e mesmo assim aos dezoito anos escolhi ser pedagoga, não me arrependo da escolha, mas não foi uma escolha única, acabei percebendo que queria ser mais coisas do que eu realmente poderia ser, queria ser escritora, psicóloga, roteirista, cronista. Queria fazer minhas escolhas e não deixar ninguém fazer por mim…

Quando se tem dezoito anos você acha que todas as escolhas têm que ser a certa, acabando por não perceber que errar é a coisa mais formidável de nossa existência, quando erramos conhecemos caminhos, conhecemos pessoas, conhecemos o que não queremos!

Quando se erra, estamos derrubando todos os pinos do boliche, estamos vivendo, estamos caindo e correndo ao mesmo tempo, o erro vem junto com todas aquelas emoções contraditórias que não devemos sentir, mas acabamos sentindo:

O medo de não agradar alguém,

A vontade de fugir de uma realidade,

A pressa em ser alguma coisa,

A curiosidade de se alcançar um caminho,

A insistência em apenas querer vencer uma corrida interminável contra a vida.

Não importa o motivo, o erro vai sempre existir, principalmente quando se tem dezoito anos, a vida é tão ambígua que o maior erro dela se torna não errar.

Mas o quê isso tudo tem a ver com o fim da minha graduação? É simples as inúmeras perguntas que fiz entre o primeiro e o oitavo período, me fizeram ter a consciência que eu era completamente inacabada, coisa de Pedagoga…

Quando estava na metade do curso, estava louca para me livrar daquilo tudo, esquecer as paredes cinzas da minha floresta de pedra, mas me lembro que alguém me falou que aquela de longe era a pior sensação, a pior de todas é quando você termina, você termina e aí? O que acontece? O que você vai fazer?

Você se sente perdido, bate um medo inexplicável, um medo de errar e não conseguir fazer metade das coisas que você pensou em fazer ao longo da graduação, você tem medo de se prender, de crescer, de virar adulta finalmente, tem medo da liberdade, tem medo de cair e não ter quem te levante…

E o medo, o mesmo medo de antes da faculdade, o medo que me levou a cursa-la é o mesmo medo que eu sinto quando tudo terminou…

Texto de Juliana Marques (originalmente postado no Meu Inexplicável Mundo em 31/07/2015)

 

Homofobia, Sem categoria

Opção

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Já viram a lua hoje? Não, eu não quero falar da lua cheia, apesar de ter sido uma notícia TOP, eu realmente não quero falar nela, isso não é uma opção caros leitores, isso é uma realidade, não me renderei a essa lua duplamente cheia, onde os cientistas discutem sobre o motivo da nomeação de lua azul, se eles não se acertaram muito bem, quem sou eu para dissertar sobre isso…

Mas já que eu falei sobre opção, você realmente sabe o significado dela? Pois bem, opção é o ato, faculdade ou efeito de optar; escolha, preferência… Eu nunca entendi porque algumas pessoas utilizam opção para tantas coisas onde não há opção:

Você não tem a opção de escolher outra família mesmo quando sente vontade de mandar a casa com todos dentro para o espaço…

Assim como, você não escolhe de quem gosta, classe social, cor, aparência estética.

Bem você não escolhe, mas as vezes parece que escolhem por nós:

Ouvia-se os gritos,

Ninguém respondeu,

Silêncio,

Era um menino conhecido,

Meu amigo,

Seu filho, irmão, vizinho…

Suas roupas foram rasgadas,

Havia sangue,

Ele não queria, claro que não queria…

Ele não teve escolha…, mesmo as pessoas falando que havia,

Mesmo que ele pedisse, ajoelhasse, clamasse, as coisas nunca mudaram.

Ele não compreendia, ele gritava, se desculpava, mesmo não fazendo nada de errado.

Fazendo tudo da forma como todos queriam, que diziam ser o certo.

Mas o que era certo?

As roupas, as falas, os gostos, tudo era controlado, ele nem sabia quem era.

Ele tentava, mas não dava certo.

Ele não sentia, não conseguia gostar.

Sentiu angustia, medo, dor…

Sentiu tudo…, menos o que deveria sentir de verdade amor.

Ele odiou até mesmo quem deveria amar,

Odiou a si mesmo por não conseguir sentir algo diferente.

Odiou as palavras de Fé direcionadas a ele,

Todos o recriminavam, tentavam o curar,

Ele não era doente,

Não veio com erro, ou rótulo de validade vencido,

Mas mesmo assim, ele pedia, da forma sempre foi ensinado: Perdão,

Ele nem sabia o porquê mas pedia, pedia para mudar, mas nunca mudava,

Ele nem ao menos pensou que talvez o errado fosse certo, e por isso nunca foi atendido.

Talvez tenha pensado…,

Talvez não tenha pensado,

Ele não aguentava, por mais que pensasse que podia ser certo, todos pensavam que era errado.

Ele se jogou, se machucou, se feriu…

E finalmente pensou que poderia viver o seu errado sem ninguém lhe dizer o que era certo.

Texto de Juliana Marques (publicado no Meu Inexplicável Mundo em 30/07/2015)

Homofobia, Opinião, Sem categoria

A vítima

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Silêncio…,

O recinto não estava vazio, ele nunca esteve e talvez esse fosse o erro,

O silêncio foi causado pelo corpo que caia ao chão,

Os olhares que antes se desviavam, se inquietavam procurando um culpado,

estávamos sempre lá,

estavam todos lá quando aconteceu,

ouvindo calados, sentados, em pé, passando, perambulando, olhando.

Estávamos lá…,

antes do primeiro soco ou até mesmo da primeira lágrima,

estávamos lá quando a primeira palavra foi pronunciada,

e os risos que diziam ser tão inocentes foram clamados,

e os olhares esses se direcionavam procurando motivos para o ato,

cor,

sexo,

olhos,

cabelo,

amores,

desejos,

diferenças,

uma mão tentou parar um dos socos, mas era uma única mão contra todas,

as lágrimas desse se cruzou com a da vítima…, eles se conheciam…

era sua família,

amigo,

conhecido,

amor.

Alguns se identificaram com essa dor, e sentiram como se ela também fosse sua,

mas houve apenas uma única mão que tentava parar tantas mãos.

Ouvia-se gritos, gritos de raiva.

Olhares enfurecidos, quase tão vermelhos quanto o liquido que saia daquela vítima.

Os olhos novamente procuravam por algo,

ou talvez apenas tentassem se esconder em meio a aquilo tudo.

”mas continuavam ali”.

E finalmente todos os olhares se cegaram pela cena,

estava caído ao chão a vítima de todos nós.

Texto de: Juliana Marques