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Pena & Tinta : Tão opostos e tão iguais.

passaros
imagem retirada do Pinterest, não consegui achar autor. ;(

Cartas de amor devem ter saído de moda, mas eu não fui comunicada formalmente a respeito disso, me apaixonei, mais vezes tentando te odiar, do que eu poderia imaginar, na verdade eu me assusto quando escrevo isso, e leio em voz alta.

Te conheci enquanto amarrava meu tênis e me preparava para cobrar uma falta, na aula de educação física, ainda não acredito que os meninos iriam realmente te chamar para entrar no meu lugar, ok, eu já superei isso, (mentira, não superei! Machistas) mas você não aceitou, preferiu continuar lendo aquele seu livro de histórias fantásticas, affs, te achei um tanto quanto “metido”.

Pensando bem você realmente era metido, exibido e estranho, aquele cabelo arrumadinho, aquele tênis completamente branco, aquela calça jeans limpa… Que tipo de adolescente era você? Com toda certeza alguém bem estranho, estranho o suficiente para no primeiro trabalho em grupo a turma inteira te odiar. “Eu não vou fazer com ninguém professora, vou fazer sozinho, eu sou capaz”. É…, naquele dia você conseguiu a antipatia de bastante gente.

Não preciso te lembrar que no final do dia, você precisou correr bastante antes de levar o primeiro soco, e cair de cara na lama. Demorei muito para ir te ajudar, fiquei meio estática quando percebi que os meninos estavam gritando palavras ofensivas na sua direção, o professor de Educação Física foi bem mais rápido do que eu, e te tirou do meio daquilo tudo, enquanto anotava o nome de cada um dos agressores.

Na última semana antes de fecharmos o bimestre você simplesmente sumiu, achamos que você tinha finalmente desistido, mas que tipo de adolescente desiste de algo e os pais não ligam? Essa hipótese foi quebrada quando a coordenadora recebeu uma ligação do seu pai, avisando que você estava doente. Duas semanas depois você apareceu com o braço quebrado.

No dia que você esqueceu seu caderno, e saiu sem nem olhar para trás, eu te segui, e para minha total surpresa, você não percebeu, lá estava você desajeitadamente entrando naquela academia de dança. Balé, quem diria o “senhor arrogante” fazia balé, não preciso dizer a quantidade de pensamentos que surgiam na minha mente né?

Fui homofóbica e o fato de ser adolescente não era desculpa para isso, muito menos para tirar a foto que eu tirei de você, enquanto fazia algo complexo na ponta dos pés, acho que nunca poderei falar o nome daqueles passos. Também acho que nunca serei capaz de realiza-los, lembro que tentei te imitar enquanto te observava.

No fim daquele dia não enviei a foto, não criei perfil falso, não fiz nada a não ser te olhar e imaginar como alguém tão idiota conseguia fazer algo tão lindo, é eu achava, eu ainda acho balé algo intenso e lindo, naquele instante eu só pensei que talvez fosse bom tentar te entender um pouco.

Te devolvi o caderno, e você não me agradeceu, sugeri fazermos o trabalho junto e você simplesmente continuou andando, quando já estava quase perdendo a paciência nossa professora de história resolveu que todos deveríamos fazer os trabalhos em grupo, ninguém queria fazer com você, e você não queria tirar zero.

Fazer um trabalho de ensino médio nunca tinha sido tão difícil, livros, livros, livros?????? Com tanta coisa na internet, como aquela professora pode nos mandar pesquisar na biblioteca da escola, você não falava muito, você não falava nada, apenas copiamos algumas coisas, tiramos algumas xerox e só.

No fim daquela semana já tínhamos feito tudo, era sexta, não nos despedimos, mas você foi embora, chutou as pedras pelo meio do caminho e se perdeu entre as ruas. Eu sabia para onde você ia.

Durante todo aquele ano eu fui a sua única parceira de grupo, o que me causou sérios problemas, era representante de turma e tecnicamente eu havia abandonado meu grupo de trabalho para te ajudar, e não estava recebendo nem bom dia, adolescentes são vingativos, um dia resolvi que não queria mas tentar te ajudar, não queria mais ser do seu “grupo”. Foi a pior coisa que eu fiz admito.

Lá estava você quietinho demais, disperso, fingindo ler aquele livro, aquele maldito casaco escondia quase toda a sua mão, eu não deveria me preocupar, mas estava calor demais e você parecia não ligar para as “zoações” que ocorriam no seu entorno, aquelas brincadeirinhas nada inocentes já estavam cansando, eu não via mais graça. Eu te segui naquele dia, fiquei preocupada, você estava estranho, tinha sobrado nos grupos e eu me senti culpada.

Você havia entrado em uma lanchonete, limpou os olhos e eu estranhei, você estava chorando, hoje eu me pergunto qual o problema? Homens choram… Uma moça bagunçou os seus cabelos enquanto dava um leve beijinho em seu rosto secando suas lágrimas, algo aqui dentro do meu coração ficou bem espremido, sabe o que eu pensei naquele momento? “Ele curte meninas????” Como eu era idiota, me desculpe, deveria ter me perguntado o motivo das suas lágrimas.

Um dia eu apareci naquela lanchonete, você me encarou surpreso, mas não falou comigo, eu também não falei com você. Dias se passaram até você finalmente se sentar ao meu lado e perdurar o silêncio por minutos que mais pareciam horas, enquanto eu bebia o suco de laranja.

“Você pode fazer o trabalho de matemática comigo?”, te encarei durante muitos instantes, sem nenhum por favor, “claro que não”, você se levantou e foi se embora. Eu deveria ter perguntado o motivo de você ter quebrado aquele seu orgulho idiota, mas não fiz, outro maldito erro. Você ficou de recuperação em matemática, você não tinha problemas com números quando eu te conheci, eu não conseguia entender como aquilo era possível.

As férias de dezembro logo chegaram, soube que você tinha passado de ano com média cinco, passou, viajei e só voltei em janeiro, quando fui naquela lanchonete você não trabalhava mais lá, não frequentava as aulas de balé e eu não entendi como você tinha evaporado dessa forma, talvez tivesse viajado, eu desejei que só fosse uma viajem.

A primeira semana finalmente aconteceu, mas você só apareceu duas semanas depois, estava com o braço enfaixado, com olheiras, e andava devagar, jogou suas coisas na cadeira do fundo, aquela que ficava perto da parede, tombou sua cabeça ali, a professora suspirou quando você não respondeu, alguns deram leves risinhos, outros cochicharam, mas estávamos no terceiro ano e bem…, no terceiro já somos meio-adultos, alguns não acharam graça e se preocuparam com você, eu me preocupei.

Você era uma figura estranha, nunca pensei ver você perdendo a cabeça e socando alguém, também nunca pensei te ver fumando, mas lá estava você fazendo tudo aquilo que esperavam que você fizesse…

Quando suas notas baixas no primeiro bimestre surgiram e você passou a não responder os professores, comecei a perceber que eu deveria ter feito aquele trabalho de matemática com você. Pela terceira vez te segui, você não foi para lugar algum especificamente, só sentou no chão de uma rua qualquer, enquanto a chuva caia e se misturava com suas lágrimas, é meninos choram, eu já tinha aprendido isso. Me sentei ao seu lado e você me ignorou, não percebi quando comecei a soluçar, mas que droga eu tinha me apaixonado por você!

“QUAL A PORRA DO SEU PROBLEMA” – Foi essa a primeira frase que eu troquei com você em meses, você me ignorou e eu te bati, foi um soco forte que fez você fechar os olhos.

“O MEU PROBLEMA SÃO OS SERES HUMANOS” – Como assim seres humanos? Fiquei parada tentando entender aquilo, mas você não continuou, se levantou e eu te segui, você me deixou te seguir enquanto fumava mais um dos seus cigarros, entrou naquela casa e bateu a porta na minha cara. No dia seguinte você não foi, nem no outro dia, no terceiro dia eu bati na sua porta, seu pai falou que você estava doente.

Quando finalmente apareceu eu me sentei ao seu lado, estava decidida a não me livrar de você. Mas que DROGA, você nem falava nada, mas por algum motivo você tinha voltado a fazer os trabalhos.

“Eu te vi no dia que tirou aquela foto na academia”, eu te encarei surpresa, você não me olhava estava observando alguma coisa mais interessante em algum outro canto, “minha mãe fazia balé, eu me sinto perto dela quando danço”. Eu não entendi, ainda não entendo, os motivos de você finalmente ter começado a falar…

Quando eu conheci seu pai achei que ele era quem te deixava daquele jeito, machucado. Não, não era seu pai, e eu descobri isso quando você surtou enquanto fazíamos um trabalho de geografia, lembra? Você se cortou na minha frente, eu me desesperei, eu gritei com você, segurei seus braços e te beijei, você desmaiou, eu entendi o motivo das camisas grandes, eu não duvidava que tivessem mais daqueles cortes espalhados. Você não me encarou por dias, eu também não tinha te encarado. Droga eu realmente gostava de você, mas não da forma como você gostava de mim.

Apaguei aquela foto do meu celular quase que ao mesmo tempo que seu pai me ligou pedindo para conversarmos, seu pai sim era um cara engraçado, ele nem sabia como começar aquela maldita conversa, sua mãe tinha morrido, você se mudado para morar com ele, trocou de escola, teve que abandonar o namorado, finalmente eu tinha descoberto que você era gay, finalmente eu tinha descoberto sua história, sua depressão e sua tendência autodestrutiva.

Eu também era meio autodestrutiva naquela época, engoli minhas lágrimas enquanto te encarava brincando com uma caixa de música na cama, eu estava decidida a não te deixar sofrer, me sentei ao seu lado, respirei fundo enquanto vi você se sentar e abaixar os olhos me perguntando se eu sabia, o silêncio era tão ensurdecedor que eu quase me perdi enquanto meu corpo me empurrava na sua direção, te abracei e foi nosso primeiro abraço debulhado em lágrimas. Droga eu te amava, e isso estava me destruindo.

Nos tornamos amigos finalmente, era final de ano, vestibular, provas finais, decidir o que fazer durante boa parte da vida era algo tão complexo que tudo que eu pensei foi “não quero fazer nada, quero fazer de tudo”, minha primeira opção foi uma universidade longe de casa, liberdade finalmente, trote, professores malucos, solidão. Passamos pelas mesmas coisas em locais diferentes, não estudávamos mais juntos, mas você parecia melhor, eu não me preocupei, seu pai também não, mas estávamos errados, nenhum de nós notou suas olheiras voltando a surgir, ou suas palavras sumindo em meio as frases. Droga eu era sua amiga, eu te amava, como deixei isso acontecer.

Naquele dia você simplesmente não ligou avisando que chegaria mais tarde, tinha sumido, comunicamos a polícia, dias depois você apareceu, estava um caco, não queria falar, tivemos que te dopar para que cuidassem de você. Você só ficava dopado, mas um dia, um determinado dia você simplesmente se cansou.

Eu realmente deveria não ter te amado, talvez se eu tivesse te amado menos eu tivesse percebido toda aquela dor disfarçada de sorrisos pequenos, eu ainda penso em você toda vez que abro aquela caixa de música, ainda penso em você enquanto ouço alguma música clássica e ainda penso em você quando percebo que eu poderia ter amenizado a sua dor.

Brincadeiras machucam, arrancam sangue, cansam… Eu entendo o motivo de naquele dia você me dizer que o seu problema eram os “seres humanos”, acho que no fundo esse é um problema de todos. DROGA eu ainda te amo…

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Esse texto faz parte do Pena & Tinta, um projeto de escrita criativa que tem como objetivo a criação de textos (crônicas, contos, poesias, relatos pessoais etc) em cima de temas predeterminados mensalmente. Um dos temas de novembro é OPOSTOS.

 Tem um blog e quer participar das próximas edições do Pena & Tinta? A gente está te esperando AQUI.

Feminismo, Poliamor, Sexo

Solidão a dois… O poliamor e a complexidade de amar

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Imagem retirada do site: sucessonosrelacionamentos.com.br

 Solidão a dois de dia
Faz calor, depois faz frio
você diz: já foi
Eu concordo contigo
você sai de perto
Eu penso em suicídio
Mas no fundo eu nem ligo
Você sempre volta
com as mesmas notícias (Cazuza)

 

Eu sou uma escritora de coisas pesadas, poucas, pouquíssimas pessoas sabem desse meu lado mais caliente, mas não é para mostrar meus textos que eu vim aqui, na verdade os leitores do blog raramente vão descobrir esse meu lado, entretanto entrei nesse tema por um simples fato eu acredito no poliamor,  o amor além das convenções sociais, um amor que não se contenta em ser só a dois, mas eu sou um contraponto, minhas histórias continuam sendo monogâmicas e cedendo ao que a sociedade acredita ser o certo.

A sociedade nos diz ‘’e viveram felizes para sempre’’, que ‘’ele era o único e verdadeiro’’, que ‘’só existe um único amor’’, isso não é mentira, mas também não é verdade, existem pessoas que amam demais, que não se contentam em sentir um único olhar e que amam amar e não se sentirem presas a determinadas convenções. Existem pessoas que amam amar loucamente o mundo, que dizem “eu te amo” para o vento enquanto beijam o mar.

O poliamor não é um fetiche, veneração a masculinidade ou feminilidade, poliamor é assumir um amor além, com respeito, com diálogo, um amor partilhado e ao mesmo tempo ampliado, amar é se doar, estar em um relacionamento poligâmico é entender que todas as partes, tem voz, não existe líder, existe amor, não se ama sozinho, se ama sendo correspondido, partilhando e não se reprimindo, afinal poli no latím significa vários, amor entre várias pessoas.

Amar, amar e amar muito, isso é poliamor, é sentir e ser sentida entre os versos de mais de uma boca, entre os olhares horas tão calmos, horas devoradores, poliamor é desejo, tesão, carinho, atenção.

O fato de eu acreditar no poliamor não significa que eu não entre em um relacionamento a dois, significa apenas que eu aceite que existam enumeras chances de eu me pegar amando alguém que não é meu companheiro, significa que meu amor não cabe a nós dois, significa dizer que eu vou me sentir só em algum momento por não estar completa, significa dizer que eu provavelmente seja uma pessoa bem resolvida quanto a minha sexualidade e que não imponha sobre ela rótulos.

A forma mais conhecida de poliamor é a poligamia, essa forma na verdade é bem recriminada pelos que acreditam no poliamor, (tipo eu), a ideia da poligamia se encontra ligada a arem, a disputa ciúmes e muitas vezes ao não diálogo, em sua maioria não existe um convívio entre todos e só entre o casal, a figura central e seus ou suas parceiras, é um relacionamento a dois, baseado no controle e na afirmação de poder.

A polifidelidade como o nome diz preza a fidelidade dos membros daquele relacionamento, seguindo as regras da monogamia, eles se relacionam entre si e são felizes assim, se relacionando e se amando, todos ao mesmo tempo, ou não.

Existe ainda os famosos relacionamentos abertos, onde os dois parceiros ou apenas um tem relações extraconjugais, baseadas apenas no desejo, continuam tendo um relacionamento a dois, não considerando as relações extras como traição.

Eu só entro em relacionamentos quando eu amo, eu entro em um relacionamento conjugando o verbo amar, mergulho, solto de cabeça, mas eu saio com a mesma sintonia que entrei quando não me sinto inteira, correspondida, minha inconstância me permite amar até mesmo quando o relacionamento termina, o amor não acaba ele estaciona e fica ali no cantinho, escondido, paradinho naquele local tão pequeno, esperando para ser desperto ou apenas abandonado ali.

O maior erro dos términos é a doce e perversa ilusão de se esperar que tudo vai ser apagado, não vai, vai ficar tudo paradinho ali, então uma boa forma de se terminar uma coisa é aceitar que iniciar aquilo não foi um erro, foi apenas um desvio, houveram tropeços mas também felicidades, acabe algo compreendo que você não é culpada ou culpado, as coisas só não podiam ficar daquela forma, por vezes imutáveis e não satisfatórias a ambos.

Amar é isso e também aquilo, amar é dizer sim e dizer não, amar é dividir e agregar, amar é odiar a sensação de se te amor. Amar é um erro matemático onde dois mais dois nunca dá quatro, amar é compreender que só você amar não basta.

Não existe amar sozinho, existe amar e conjugar com outro, ou outros esse amor, amar é se olhar no espelho e falar que “eu posso ser feliz”, é acreditar que sua felicidade só depende de você, amar é fazer sua felicidade com o outro, amar é se completar com erros e acertos, amar é ri e dançar na chuva apenas encarando aquele riso te admirando enquanto se embalava ali nos seus passos tortos.

Amar é  encarar que esse relacionamento, seja ele qual for, pode não dá certo, pode ser mal interpretado, você pode não saber lidar, amar é compreensão entre todos, amar não  é subjugar. O poliamor tá bem longe de ser uma relação de controle e sim de respeito e liberdade.

Muita gente acha que liberdade sexual, é o sexo sem camisinha ou transar loucamente, na verdade a liberdade sexual é sim você ter o direito de fazer sexo com que bem entender, é você poder falar disso sem ser recriminada, é entender os seus desejos e os desejos do outro, com respeito e cuidado (usem camisinha povo!), a liberdade sexual é o caminho para aceitar que somos livres para sermos felizes e construir ou não relacionamentos.

Devia ter amado mais / Ter chorado mais / Ter visto o sol nascer Devia ter arriscado mais/ E até errado mais/ Ter feito o que eu queria fazer (Titãs)

Construir um relacionamento não é pautar todos os seus sonhos no outro, longe disso, amar a dois, três, quatro, quantos forem é respeitar, dialogar e se tornar um sabendo que vocês não são só isso, é se amar, ter seus sonhos e sonhar com o outro. Amar se torna complexo quando se confunde com prisão, o amor não é feito de amarras… O amor deve se confundir com a loucura, com os desatinos, com a liberdade e com o respeito, não existe amar só com um.

Texto publicado por Juliana Marques no dia 22/01/2016