Abuso, cartas, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, Violência

Sempre…

Aos desesperados …

Desespero

  1. estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança.”no d. de reconciliar-se com seu antigo amor, entregou-se à bebida”
  2. .estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento.

O barulho das sirenes continuavam a ecoar na minha mente, eu apertava meus pulsos para amenizar o peso de tudo aquilo em mim, a choro ficava preso na garganta enquanto eu me escondia em meus passos, era como se chorar já não bastasse. Queria que me esquecessem, queria esquecer, queria que tudo aquilo parasse, mas era um querer inútil…, o barulho incessante daquele aparelho de comunicação era irritante, me senti sob constante vigilância, me sentia inútil era como se quisessem apenas me controlar e não se preocupasse comigo.

Caminhar só pelas ruas sempre foi uma tarefa difícil, mas dessa vez parecia impossível, era como tropeçar nos próprios pés enquanto fugia de todos. 

Eu era um desastre, meus joelhos sangravam, minhas mãos ardiam, eu perdi todas as palavras enquanto gritava, não consegui assimilar a dor que sentia, não conseguia entender tudo que acontecia, chorei e gritei sob os olhares de desconhecidos, era tudo tão cruel, amanheci tarde demais, tudo em mim doía apenas por existir. 

Eu senti medo, senti vergonha, quis desaparecer, engoli minhas angústias e mordi meus lábios enquanto escondia meus soluços, era desesperador sentir aquilo… Era como se o mundo não me entendesse e me detestasse apenas por existir. Era como se minha respiração estivesse sendo abafada e eu tivesse que lutar desesperadamente por migalhas de ar. A esperança de que eu sobreviveria a mais um dia era escassa.

Ouvi o barulho do relógio enquanto tomava pílulas que desciam arranhando minha garganta, tudo parecia precipitar um desarranjo em meu cérebro, é agoniante, não consigo pensar em nada além do desespero. Respirar em meio a tantos pensamentos descompassados se torna um movimento difícil e sem ritmo definido. 

O chão não se abria e não tinha como se afogar no chuveiro, mas ainda assim o meu corpo parecia não me pertencer, ali no espelho estava alguém que não conhecia, o choro vinha mais forte conforme eu percebia que não adiantava me esconder, o sabão parecia não fazer um bom trabalho,  não adiantava correr eu não tinha hora marcada com ninguém, a água parecia limpa demais mas era uma ilusão. Os soluços vieram junto com o sangue recém adquirido enquanto me punia por algo que eu não sabia como consertar. 

Viver havia se tornado mais complicado, tudo parecia mais silencioso e solitário, não há nada que coloque ritmo em minha respiração ou que faça meus pensamentos se acalmarem. É desconcertante ouvir seu próprio grito, não há como buscar ajuda porque não há esperança, não há tempo e não há certezas de que aquela dor vai passar, ninguém parece realmente disposto a ouvir, tudo que resta é a vontade de que tudo se apague e desça pelo ralo junto com aquele sangue. 

Caminhar era uma tarefa difícil, era difícil se direcionar para qualquer canto, era sufocante tentar se concentrar em uma direção quando existem tantas vozes gritando, os pensamentos vão escalonando a cada alternativa, são muitos “e se”, são muitos medos, tudo sempre parece prestes a desabar, respirar enquanto pensamos em decisões é como se sentir sufocado por uma montanha de poeira. 

Se sentir assim era desconfortante, era como ser um estranho dentro do próprio corpo, como não ter controle das próprias emoções, o dia poderia estar lindo mas nesses dias tudo parecia uma grande tempestade, ouvir outras pessoas quebrando o silêncio e atravessando os nossos pensamentos era uma gota d’água que transbordava qualquer copo, era desgastante tentar assimilar todos aqueles ruídos que invadiam minha mente de forma tão frenética.

Chorar enquanto tentava sair do seu casulo e revisitar o mundo era desesperador, todos pareciam saber tudo sobre você, ninguém te ouvia, te faziam engolir sua verdade enquanto tentava fugir daquele espaço tão assustador, eu só queria sumir, desaparecer, esquecer aquela dor. Tudo faz lembrar o que queremos esquecer, o cheiro, o toque, as palavras, tudo faz com que aquela sensação de pavor e medo surja novamente. 

Por vezes não sei o que quero, se quero a companhia daqueles que supostamente tentam quebrar todas as barreiras e me alcançar ou se quero o afastamento,  não entendo o que sinto, não consigo me expressar, tudo que consigo fazer é desesperar conforme o mundo continua a girar, ele gira sem se importar se ainda estou aqui em constante estágio de estagnação, tal qual um carro parado no meio da linha do trem, sem saber como agir, sem saber se pulo carro ou espero o trem.

É uma sensação esquisita de constante desencontro, é uma indecisão que ocupa um espaço desnecessário em meu peito. É como não se reconhecer mesmo olhando no espelho, é como sufocar com suspiros de angústia em meio a um mar de desespero. É como achar que ninguém te entende, nem no silêncio e nem na constante bagunça que é minha existência. 


Essa semana foi complicada, além de toda bagunça no meu trabalho, em São Paulo uma quadrilha homofóbica anda colocando em risco a vida de jovens, isso não foi só essa semana, mas essa semana alguém morreu. Como se não bastasse, em nosso país o congresso quer legislar a favor do estuprador. Vocês tem noção de quantas crianças são vítimas de uma violência e não reconhecem os sinais de uma gravidez…?

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, silêncio, Violência

Doação involuntária

No mês do orgulho, dedico esse texto para todos que se sentem presos de alguma forma.

Tem pessoas que doam dinheiro, outras doam amor, tempo, paciência e você doou tudo que podia para fazer parte de algo que não te cabia.

Você escutou durante tanto tempo que não cabia nos lugares e ainda assim queria continuar a tentar caber, seus sonhos não cabiam ali, e por isso você aos poucos foi se esquecendo deles, sorria quando riam dos seus sonhos, foi se desfazendo deles pouco a pouco até não restar mais nada. 

Eu não sei se é possível viver sem sonhos, mas para você bastava caber ali naquele espaço que tudo já era suficiente, esse era seu sonho, caber ali naquele lugar tão irregular e desproporcional, por isso tentou, por isso se despedaçou até caber naquela forma tão desconfortável. 

Quando sua forma de agir passou a também não caber, aos poucos foi se aprisionando, podando seus gestos, sua voz, sua forma de existir. Foi se moldando para ainda assim caber naquele lugar apertado, você era maior do que aquele espaço frio e repleto de solidão. 

Foi doando cada parte sua para caber em um espaço que só te fazia chorar, era como ser um passarinho dentro de uma gaiola, passou a ver o mundo pelas grades, passou a retrair suas asas e a falar só o que queriam ouvir, era domesticado e não se importava com isso, aos poucos foram arrancando suas penas, uma a uma elas iam embora enquanto suas lágrimas caiam e ninguém parecia ligar. 

Todos pareciam gostar do que estava se tornando, olhavam para dentro da gaiola e sorriam, você se sentia desnudo diante a tantos olhares, eles jogavam migalhas como recompensa, no começo achou ser suficiente, mas depois, depois elas foram se tornando tão escassas quanto a satisfação em as receber. Um enorme vazio tomava conta de você, a liberdade era convidativa, mas se aprisionou de tantas formas que o mundo do lado de fora da gaiola passou a também não te caber.

A sensação de que não cabia em nenhum lugar passou a fazer parte de quem havia se tornado, então ficava na gaiola, se sentia preso mesmo quando as portas estavam abertas, não importa o que fazia e nem por quem fazia, sempre queriam mais, queriam seus sorrisos, seu apoio, sua boa vontade em ser quem não era, não era desejado ali, mas ainda assim não iriam te expulsar porque no fundo eles precisam te usar, até não ter mais serventia, precisam te fazer útil mesmo te lembrando todos os dias da sua ineficiência em se adequar a aquele espaço.

Como todo passarinho você também sentia falta de um lugar quente, de alguém que entendesse o seu choro triste em meio às conversas, de voar para outros lugares, mas tinha medo e tudo que te restava era olhar para o chão e só ver sua finitude caindo, não tinha como esconder, todos percebiam e se você já não cabia lá antes, agora então é que tudo passou a ser um completo desencaixe. 

O choro latente que invade sua garganta fez com que te jogassem para longe daquele lugar, sua melancolia crescente era um convite a solidão, não tinha para onde ir, não tinha onde ficar, era uma peça quebrada em um brinquedo de encaixe, tentou lançar sorrisos falsos para se convencer de que tudo ficaria bem, mas nada ficaria, não se reconhecia havia se perdido de si mesmo a tanto tempo que não se entendia. 

Parecia que o choro latente que durante tanto tempo estava guardado resolvia sair em meio a tantas mágoas pelo recém abandono, a gaiola estava quebrada assim como suas asas, seu corpo doía por todas as penas arrancadas, sua voz não saia, e tudo que conseguia era desesperadamente tentar entender os motivos de terem o jogado para fora, você se esforçou tanto para caber, para se encaixar, deu tanto de si, amou mesmo os que te fizeram chorar, sorriu quando só queria se esconder, e ainda assim isso não bastou…

Depois disso, tudo que você queria era juntar seus pedaços e se recolher em um lugar onde ninguém te machucasse, foi se afastando de quem se aproximava, sua voz antes tão dócil se tornava áspera diante a qualquer ameaça de introdução no seu espaço, não queria se permitir machucar novamente, ainda doía e parecia que não iria passar tão cedo, andar por lugares desconhecidos ainda era como pisar em cacos de vidro, não sabia voar para os lugares que queria conhecer, parecia que ninguém era suficientemente treinado para te ouvir. 

Manter diálogos era torturante, não tinha ânimo para falar com pessoas que deduzia que iriam embora na primeira oportunidade, não importava se elas demonstram querer ajudar catando suas penas, era difícil acreditar, não queria ficar perto dessas pessoas, não queria acreditar que elas estavam ali por você quando nem mesmo você estava. 

Então você sentiu, sentiu um toque no canto dos seus olhos, tentou forçar sua visão para entender o que acontecia, você não conseguiu expulsar todos, um riso contido se fez presente, tentou entender o que acontecia e percebeu que o riso era seu, se sentiu culpado pela própria felicidade, mesmo que ela fosse irrisória diante a tanta dor. A culpa também passou a ser sua companheira constante, quanto mais perto as pessoas chegavam mais distante você queria ficar. 

Sentia culpa por não conseguir caber dentro daquele espaço, sentia culpa por não se reconhecer, sentia culpa por não ter um lugar para ir e nem para onde voltar, sua culpa é tão intensa que ela não te deixava sentir nada além da dor de não poder construir novas relações, se sentia tão incompleto, tão inacabado que tudo que sentia era culpa por não ser suficiente para permanecer ali com aquelas pessoas… 

Não importa o quão suficiente seja, você nunca vai caber em lugar algum, nunca vai ser o esperado ou o desejado, mas não é só você, ninguém vai ser. Se permita ter ajuda na hora de juntar seus pedaços e construir um novo espaço, onde caiba você por inteiro e não só aos pedaços, conte seus sonhos mesmo que eles pareçam bobos, ouça sua voz mesmo que digam que você fala desimportâncias. Escute o seu silêncio e cresça com ele, você não está sozinho, há sempre alguém que pode escutar seu piar de lamentação e que vai te fazer sentir em casa em meio a um abraço quente.

Filme, Opinião, Preconceito, Racismo, silêncio

Forever

Créditos da imagem @disneystudiosbr

É saber se sentir infinito
Num universo tão vasto e bonito é saber sonhar
Então, fazer valer a pena cada verso
Daquele poema sobre acreditar

(Ana Vilela)

Eu não sei vocês, mas eu me senti um tanto quanto impactada com a notícia da morte do ator Chadwick Boseman, aos 43 anos. Vocês já repararam que quando alguém morre nós falamos o nome e a idade da pessoa, como se saber a idade fosse uma desculpa para aceitar ou não a morte? Não importa se jovem ou velho aceitar a morte de alguém é uma tarefa arduamente difícil, nós nunca estamos preparados para enfrentarmos o “The end”.

Eu refleti a tarde inteira sobre como a morte de um desconhecido pode influir tanto sobre mim e não cheguei a conclusão alguma. Veja bem, Chadwick Boseman foi um ator, diretor, ativista, mas ele não era alguém que fazia parte do meu círculo social, mas ainda assim, eu senti a dor da sua perda, assim como muitas pessoas sentiram. Sempre que eu sinto essa dor por perder alguém que eu nem conheço, eu fico imaginando a dor da família.

Não existe “até amanhã” quando você perde alguém que você ama, alguém que você considera mais do que um número, um personagem ou uma representação ideológicas. Se eu senti, imagino como sentiram os seus.

Boseman, deu vida não só ao incógnito T’Challa Rei de Wakanda, personagem criado em 1966, mas também deu vida a inúmeros outros personagens em filmes como Crime sem saída (2019), Destacamento Blood (2020), Marshall: Igualdade e Justiça (2017), bem como outros que inspiravam tanto quanto T’Challa, Pantera Negra.

Spike Lee, que dirigiu o ator em Destacamento Blood, disse que “ninguém sabia” sobre o diagnóstico de Boseman, e que foi uma surpresa para ele também. Destacamento Blood foi gravado em 2019, Chadwick Boseman foi diagnosticado com câncer em 2016, logo assim que conseguiu o papel de T’Challa e eu não consigo parar de pensar em tudo que esse homem enfrentou, afinal um diagnóstico de câncer em estágio 3 demanda uma série de tratamentos que desgastam não só fisicamente mas como psicologicamente. Como ele conseguiu?

“Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar
E sim sobre cada momento sorriso a se compartilhar
Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais
Porque quando menos se espera a vida já ficou pra trás”

Não é tão difícil tentar entender os motivos dele não ter contado que estava doente. Imagina você receber um diagnóstico de algo que pode te matar e receber junto com isso o papel do primeiro herói negro no universo cinematográfico da Marvel. Como vocês reagiriam? Como vocês reagiriam sabendo o quão representativo era o seu trabalho para outrem? É triste, mas mais triste ainda é que quando olhamos novamente todas as aparições dele em cena e fora dela, percebemos que tudo foi calculado.

Em uma rápida pesquisa na rede, podemos encontrar uma matéria que faz referência a ele visitar hospitais com crianças com câncer e manter contato com elas, durante as gravações de Pantera Negra, elas queriam muito viver para assistir o filme, pois o herói negro as representava. Elas morreram antes do filme, acho que nunca saberemos como esse homem se sentiu ao longo desses quatro anos de tratamento.

Boseman representou a luta por igualdades raciais, era inspirador e como ele bem disse em um discurso, ele foi “jovem, talentoso e negro” e imortalizou isso no filme Pantera Negra:

“Todos nós sabemos o que é ouvir que não há um lugar para você ser apresentado. No entanto, você é jovem, talentoso e negro. Nós sabemos o que é ouvir que não há uma tela para você ser apresentado, um palco para você ser apresentado. Nós sabemos o que é ser a cauda e não a cabeça. Nós sabemos o que é estar por baixo e não por cima.” – Discurso de Chadwick Boseman na noite do SAG Awards.

“É saber se sentir infinito
Num universo tão vasto e bonito é saber sonhar
Então, fazer valer a pena cada verso
Daquele poema sobre acreditar”

Eu acho que viver personagens foi a sua forma de se fazer imortal e de permanecer vivo, “wakanda forever”, ele viveu intensamente cada um dos seus personagens desde 2016, deixou sua marca, seus gestos e ideais gravados para sempre em seus personagens, ele se fez imortal, poucas pessoas sabiam que ele estava doente e talvez se os produtores soubessem ele teria sido impedido de se sentir vivo, de fazer o que amava fazer, ele seria impedido de acreditar, de acreditar na vida e no amanhã.

Chadwick Boseman inspirou milhares de pessoas com seus discursos, com sua atuação, com seus posicionamentos, agora sabemos porque suas palavras tinham tanta paixão, porque suas ações tinham tanto direcionamento. Sim, ele viveu intensamente cada instante de sua vida e fez isso propositalmente para que lembrássemos dele assim dessa forma.

Eu nunca lidei muito bem com a morte, nem sei se um dia saberei lidar, mas eu entendo que Boseman preferiu se tornar imortal à ser lembrado como o jovem ator negro que foi impedido pela doença de fazer o que amava. Quando iniciei esse texto citei a música “Trem Bala” , eu fiquei com a letra dessa música o dia inteiro na cabeça, essa música fala de sonhos, acreditar e viver, essa musica me remeteu a Chadwick Boseman que sempre estava sorrindo em suas fotos e falando muito com seus olhos, que sempre estava emocionado e que sempre expressava através de sua arte o seu amor pela vida.

“Segura teu filho no colo
Sorria e abrace teus pais enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir”

Gratidão Chadwick Boseman por ter sido inspiração em todos os seus dias, por sua luta para se tornar imortal, por seu amor pela vida e por todas as suas palavras.


Música utilizada, Trem Bala de autoria de Ana Vilela disponível em:


Fontes para o texto:

https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/08/29/chadwick-boseman-conversou-com-criancas-com-cancer-durante-pantera-negra.htm

https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/08/29/amigo-divulga-chat-com-boseman-ele-sabia-quao-precioso-era-cada-momento.htm

https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/08/29/chadwick-boseman-gravou-pantera-negra-apos-o-diagnostico-de-cancer.htm

https://www.terra.com.br/diversao/gente/ninguem-sabia-diz-spike-lee-sobre-chadwick-boseman,e545a6dee008fc3185ac21f40b08c849wejim29h.html

portalrapmais.com – portalrapmais.com/discurso-inspirador-de-chadwick-boseman-sobre-serjovem-talentoso-e-negro-viraliza-na-internet-apos-sua-morte/

escolhas, Feminismo, Opinião, Padrão, Preconceito, Proletariado, Racismo, Resenha, Sem categoria, silêncio, Violência

Carolina Maria de Jesus – Diário de uma Favelada

200px-Carolina_Maria_de_Jesus_assinando_seu_livro_Quarto_de_Despejo_em_1960

Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977), foi mais uma das escritoras que conheci durante minha graduação, especificamente durante uma disciplina que estudava a relação de identidade e diários. É estranho tentar entender como uma das escritoras mais importantes de nossa história, reconhecida mundialmente, só me foi apresentada na graduação, no auge dos meus vinte e poucos anos.

Quarto de despejo se tornou o livro que a fez ser conhecida, as palavras que juntas compõe esse livro, se tornam importantes para podermos entender a sociedade da década de 50, pela perspectiva de Carolina, uma catadora de lixo, mulher negra, periférica e mãe solteira, que dia a dia matava seus leões dentro e fora das vielas paulistana.

Sofreu violência de gênero, social e racial, suas linhas não nos fazem sorrir, não nos iludem, são duras, é a realidade e não a fantasia, não teve bolo de aniversário na festa de sua filha, porque não se tinha dinheiro nem para o pão.

Carolina retratou em seu diário muito mais do que ela imaginou, escreveu como quem conta um segredo a um amigo, confessou suas angustias diante a fome de seus filhos e os julgamentos de seus vizinhos, ela questionou, não se calou e gritou para que a ouvissem.

Não queria se submeter a homem algum, era mãe solteira, foi mãe de filhos que nem eram seus para os proteger dos julgamentos que ela tão bem conhecia, se preocupou quando eles demoravam a voltar, abraçou apertado, tão apertado que quase se tornou possível deslumbrar do momento enquanto se lia.

Quarto de despejo foge dos padrões da nossa literatura, ou melhor foge dos padrões da nossa norma culta da linguagem, sua protagonista é negra, pobre e desbocada, trabalhava de sol a sol e lutava para que sua vida não se resumisse a sua casa de madeira, Carolina não era só escritora também era uma leitora que também lia o mundo.

Literatura Marginal, é assim que se chama essa escrita, livre das tradicionais amarras que costumamos ser apresentados na escola, a forma como falamos e escrevemos também é motivo de exclusão, a normatização da linguagem é um instrumento de dominação, onde só se valida o que uma pessoa fala se “sua fala” condizer com as regras de linguagem. Normatizar a linguagem, é excluir outras formas de expressão, outras culturas.

Estudei em escola pública durante minha vida inteira, salvo na educação infantil, eu sei a importância que a literatura de Carolina tem para alunos periféricos assim como tem para mim. Carolina escrevia sobre a sua vida, seus dilemas, sobre mais de cinquenta décadas atrás, quando o Brasil começa a se desenvolver economicamente, e ainda assim nós encontramos tantas semelhanças.

Carolina não se resumiu a quarto de despejo, que era bem mais do que sua casa de madeira, quarto de despejo era a cidade de São Paulo, a sociedade que a excluía de todas as formas possíveis, como se gritasse a todo instante que o lugar dela e de seus filhos não fosse no asfalto.

Quarto de despejo não foi seu único livro, na verdade foi seu diário, antes dele ela havia tentado publicar crônicas e poemas, mas só com seu diário, que ela passou a ser notada e justamente pelo motivo que era excluída. Apesar do livro de rendido bem, Carolina viu pouco desse dinheiro, na verdade ela viu o suficiente para que saísse da favela e fosse morar em um pequeno sítio na periferia de São Paulo.

Outros Livros:

Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios (1963). O volume Diário de Bitita (1982) (Publicação Póstuma).

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário

Conversa com Bial

Literafro

QUARTO DE DESPEJO – MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO FEMININO NA
LITERATURA BRASILEIRA

Recomendação de Leitura: Preconceito Linguístico de Marcos Bagno

 

Amor, Crônica, Feminismo, Minhas Crônicas, Opinião, Poesia, Preconceito, Sem categoria

Cora Coralina – Aninha e suas pedras

coracoralina

Não sei…

se a vida é curta

ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,

se não tocarmos o coração das pessoas.

(Não sei)

Cora Coralina (1889-1985),  morreu quando eu ainda nem era nascida, em 1985 meus pais nem sonhavam em se conhecer. Quando conheci seus versos, eu já havia me tornado adulta, quase tão adulta quanto Aninha em algumas daquelas linhas.

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces.

Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha um poema

(Aninha e suas Pedras)

Me encantei por Cora entre os corredores frios e cinzas da UERJ, os versos pareciam ecoar por cada canto daquele lugar. Suas confissões de menina, faziam eco ao meu coração, suas linhas não eram nem versos e nem poesia, “era um jeito diferente de contar história”. Por mais que ela falasse dela, e eu soubesse disso, parecia que falava de mim, ao mesmo tempo que parecia falar de outras, sua voz não era singular, era plural. Era a voz de quem havia se deparado com muitas pedras e as transformado em poesia.

“Entre pedras

cresceu a minha poesia

Minha vida…

Quebrando pedras

e plantando flores”

(Das Pedras)

Ana Lins dos Guimarães Peixoto, era Cora e Cora era Ana, Aninha, a terceira das quatro filhas, orfã de pai praticamente ao nascer, estudou até a terceira série, teceu ainda na infância seus primeiros versos sem vírgulas, palavras ou linhas, mas que tinham cheiro de mato, de terra molhada, de bolo recém assado pelo vó.

“Era só olhos e boca e desejo

daquele bolo inteiro”

(Antiguidades)

Escreveu suas linhas para fugir de tudo que a machucava, eram sobre o que sentia, sobre o que viveu, e sobre o que ainda queria viver, eram lembranças de uma menina, contadas por uma senhora que continuava a devorar o mundo e a mostrar a ele todas as suas pedras, todas as suas lutas.

Aos 70 anos aprendeu datilografia para que suas poesias pudessem ser enviadas aos editores, aos 75 anos publicou seu primeiro livro, morreu aos 95 anos… Drummond dizia que ela era: “uma velhinha sem posses, rica apenas de sua poesia, de sua invenção, e identificada com a vida como é”.

“Sendo eu mais doméstica do
Que intelectual,
não escrevo jamais de forma
consciente e racionalizada, e sim
impelida por um impulso incontrolável.
Sendo assim, tenho a consciência
de ser autêntica.
Nasci para escrever, mas o meio,
o tempo,as criaturas e fatores
outros contramarcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira
do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes………
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata
Sempre houve na família, senão uma
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
a essa minha tendência inata.”

(Cora Coralina, quem é Você?)

Cora assinava aquilo que Aninha vivia, se tornou poesia em meio a resistência, era tão única quanto o nome inventado, fugiu, amou, vendeu livros, lavou roupa, sofreu a dor da perda, mais de uma vez, se fez doceira que conservava histórias, foi mulher rendeira que teceu seu próprio destino. Dentro de si, existiam tantas e tantas vozes, que ler suas linhas é como caminhar na corda que tece a vida, não só a de Aninha, mas a de Cora e também a minha.

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,

sem preconceitos,

de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário Cora Coralina – todas as vidas

4 poemas de Cora Coralina 

A sabedoria de Cora Carolina em 4 poemas

Enciclopédia Itaú Cultural 

Cora Coralina – por Elder Rocha Lima

15 Poemas de Cora Coralina

 

 

Amor, Crônica, Crianças, escolhas, Homofobia, Minhas Crônicas, Opinião, Padrão, Poliamor, Preconceito, Sem categoria, Violência

Pena & Tinta : Tão opostos e tão iguais.

passaros
imagem retirada do Pinterest, não consegui achar autor. ;(

Cartas de amor devem ter saído de moda, mas eu não fui comunicada formalmente a respeito disso, me apaixonei, mais vezes tentando te odiar, do que eu poderia imaginar, na verdade eu me assusto quando escrevo isso, e leio em voz alta.

Te conheci enquanto amarrava meu tênis e me preparava para cobrar uma falta, na aula de educação física, ainda não acredito que os meninos iriam realmente te chamar para entrar no meu lugar, ok, eu já superei isso, (mentira, não superei! Machistas) mas você não aceitou, preferiu continuar lendo aquele seu livro de histórias fantásticas, affs, te achei um tanto quanto “metido”.

Pensando bem você realmente era metido, exibido e estranho, aquele cabelo arrumadinho, aquele tênis completamente branco, aquela calça jeans limpa… Que tipo de adolescente era você? Com toda certeza alguém bem estranho, estranho o suficiente para no primeiro trabalho em grupo a turma inteira te odiar. “Eu não vou fazer com ninguém professora, vou fazer sozinho, eu sou capaz”. É…, naquele dia você conseguiu a antipatia de bastante gente.

Não preciso te lembrar que no final do dia, você precisou correr bastante antes de levar o primeiro soco, e cair de cara na lama. Demorei muito para ir te ajudar, fiquei meio estática quando percebi que os meninos estavam gritando palavras ofensivas na sua direção, o professor de Educação Física foi bem mais rápido do que eu, e te tirou do meio daquilo tudo, enquanto anotava o nome de cada um dos agressores.

Na última semana antes de fecharmos o bimestre você simplesmente sumiu, achamos que você tinha finalmente desistido, mas que tipo de adolescente desiste de algo e os pais não ligam? Essa hipótese foi quebrada quando a coordenadora recebeu uma ligação do seu pai, avisando que você estava doente. Duas semanas depois você apareceu com o braço quebrado.

No dia que você esqueceu seu caderno, e saiu sem nem olhar para trás, eu te segui, e para minha total surpresa, você não percebeu, lá estava você desajeitadamente entrando naquela academia de dança. Balé, quem diria o “senhor arrogante” fazia balé, não preciso dizer a quantidade de pensamentos que surgiam na minha mente né?

Fui homofóbica e o fato de ser adolescente não era desculpa para isso, muito menos para tirar a foto que eu tirei de você, enquanto fazia algo complexo na ponta dos pés, acho que nunca poderei falar o nome daqueles passos. Também acho que nunca serei capaz de realiza-los, lembro que tentei te imitar enquanto te observava.

No fim daquele dia não enviei a foto, não criei perfil falso, não fiz nada a não ser te olhar e imaginar como alguém tão idiota conseguia fazer algo tão lindo, é eu achava, eu ainda acho balé algo intenso e lindo, naquele instante eu só pensei que talvez fosse bom tentar te entender um pouco.

Te devolvi o caderno, e você não me agradeceu, sugeri fazermos o trabalho junto e você simplesmente continuou andando, quando já estava quase perdendo a paciência nossa professora de história resolveu que todos deveríamos fazer os trabalhos em grupo, ninguém queria fazer com você, e você não queria tirar zero.

Fazer um trabalho de ensino médio nunca tinha sido tão difícil, livros, livros, livros?????? Com tanta coisa na internet, como aquela professora pode nos mandar pesquisar na biblioteca da escola, você não falava muito, você não falava nada, apenas copiamos algumas coisas, tiramos algumas xerox e só.

No fim daquela semana já tínhamos feito tudo, era sexta, não nos despedimos, mas você foi embora, chutou as pedras pelo meio do caminho e se perdeu entre as ruas. Eu sabia para onde você ia.

Durante todo aquele ano eu fui a sua única parceira de grupo, o que me causou sérios problemas, era representante de turma e tecnicamente eu havia abandonado meu grupo de trabalho para te ajudar, e não estava recebendo nem bom dia, adolescentes são vingativos, um dia resolvi que não queria mas tentar te ajudar, não queria mais ser do seu “grupo”. Foi a pior coisa que eu fiz admito.

Lá estava você quietinho demais, disperso, fingindo ler aquele livro, aquele maldito casaco escondia quase toda a sua mão, eu não deveria me preocupar, mas estava calor demais e você parecia não ligar para as “zoações” que ocorriam no seu entorno, aquelas brincadeirinhas nada inocentes já estavam cansando, eu não via mais graça. Eu te segui naquele dia, fiquei preocupada, você estava estranho, tinha sobrado nos grupos e eu me senti culpada.

Você havia entrado em uma lanchonete, limpou os olhos e eu estranhei, você estava chorando, hoje eu me pergunto qual o problema? Homens choram… Uma moça bagunçou os seus cabelos enquanto dava um leve beijinho em seu rosto secando suas lágrimas, algo aqui dentro do meu coração ficou bem espremido, sabe o que eu pensei naquele momento? “Ele curte meninas????” Como eu era idiota, me desculpe, deveria ter me perguntado o motivo das suas lágrimas.

Um dia eu apareci naquela lanchonete, você me encarou surpreso, mas não falou comigo, eu também não falei com você. Dias se passaram até você finalmente se sentar ao meu lado e perdurar o silêncio por minutos que mais pareciam horas, enquanto eu bebia o suco de laranja.

“Você pode fazer o trabalho de matemática comigo?”, te encarei durante muitos instantes, sem nenhum por favor, “claro que não”, você se levantou e foi se embora. Eu deveria ter perguntado o motivo de você ter quebrado aquele seu orgulho idiota, mas não fiz, outro maldito erro. Você ficou de recuperação em matemática, você não tinha problemas com números quando eu te conheci, eu não conseguia entender como aquilo era possível.

As férias de dezembro logo chegaram, soube que você tinha passado de ano com média cinco, passou, viajei e só voltei em janeiro, quando fui naquela lanchonete você não trabalhava mais lá, não frequentava as aulas de balé e eu não entendi como você tinha evaporado dessa forma, talvez tivesse viajado, eu desejei que só fosse uma viajem.

A primeira semana finalmente aconteceu, mas você só apareceu duas semanas depois, estava com o braço enfaixado, com olheiras, e andava devagar, jogou suas coisas na cadeira do fundo, aquela que ficava perto da parede, tombou sua cabeça ali, a professora suspirou quando você não respondeu, alguns deram leves risinhos, outros cochicharam, mas estávamos no terceiro ano e bem…, no terceiro já somos meio-adultos, alguns não acharam graça e se preocuparam com você, eu me preocupei.

Você era uma figura estranha, nunca pensei ver você perdendo a cabeça e socando alguém, também nunca pensei te ver fumando, mas lá estava você fazendo tudo aquilo que esperavam que você fizesse…

Quando suas notas baixas no primeiro bimestre surgiram e você passou a não responder os professores, comecei a perceber que eu deveria ter feito aquele trabalho de matemática com você. Pela terceira vez te segui, você não foi para lugar algum especificamente, só sentou no chão de uma rua qualquer, enquanto a chuva caia e se misturava com suas lágrimas, é meninos choram, eu já tinha aprendido isso. Me sentei ao seu lado e você me ignorou, não percebi quando comecei a soluçar, mas que droga eu tinha me apaixonado por você!

“QUAL A PORRA DO SEU PROBLEMA” – Foi essa a primeira frase que eu troquei com você em meses, você me ignorou e eu te bati, foi um soco forte que fez você fechar os olhos.

“O MEU PROBLEMA SÃO OS SERES HUMANOS” – Como assim seres humanos? Fiquei parada tentando entender aquilo, mas você não continuou, se levantou e eu te segui, você me deixou te seguir enquanto fumava mais um dos seus cigarros, entrou naquela casa e bateu a porta na minha cara. No dia seguinte você não foi, nem no outro dia, no terceiro dia eu bati na sua porta, seu pai falou que você estava doente.

Quando finalmente apareceu eu me sentei ao seu lado, estava decidida a não me livrar de você. Mas que DROGA, você nem falava nada, mas por algum motivo você tinha voltado a fazer os trabalhos.

“Eu te vi no dia que tirou aquela foto na academia”, eu te encarei surpresa, você não me olhava estava observando alguma coisa mais interessante em algum outro canto, “minha mãe fazia balé, eu me sinto perto dela quando danço”. Eu não entendi, ainda não entendo, os motivos de você finalmente ter começado a falar…

Quando eu conheci seu pai achei que ele era quem te deixava daquele jeito, machucado. Não, não era seu pai, e eu descobri isso quando você surtou enquanto fazíamos um trabalho de geografia, lembra? Você se cortou na minha frente, eu me desesperei, eu gritei com você, segurei seus braços e te beijei, você desmaiou, eu entendi o motivo das camisas grandes, eu não duvidava que tivessem mais daqueles cortes espalhados. Você não me encarou por dias, eu também não tinha te encarado. Droga eu realmente gostava de você, mas não da forma como você gostava de mim.

Apaguei aquela foto do meu celular quase que ao mesmo tempo que seu pai me ligou pedindo para conversarmos, seu pai sim era um cara engraçado, ele nem sabia como começar aquela maldita conversa, sua mãe tinha morrido, você se mudado para morar com ele, trocou de escola, teve que abandonar o namorado, finalmente eu tinha descoberto que você era gay, finalmente eu tinha descoberto sua história, sua depressão e sua tendência autodestrutiva.

Eu também era meio autodestrutiva naquela época, engoli minhas lágrimas enquanto te encarava brincando com uma caixa de música na cama, eu estava decidida a não te deixar sofrer, me sentei ao seu lado, respirei fundo enquanto vi você se sentar e abaixar os olhos me perguntando se eu sabia, o silêncio era tão ensurdecedor que eu quase me perdi enquanto meu corpo me empurrava na sua direção, te abracei e foi nosso primeiro abraço debulhado em lágrimas. Droga eu te amava, e isso estava me destruindo.

Nos tornamos amigos finalmente, era final de ano, vestibular, provas finais, decidir o que fazer durante boa parte da vida era algo tão complexo que tudo que eu pensei foi “não quero fazer nada, quero fazer de tudo”, minha primeira opção foi uma universidade longe de casa, liberdade finalmente, trote, professores malucos, solidão. Passamos pelas mesmas coisas em locais diferentes, não estudávamos mais juntos, mas você parecia melhor, eu não me preocupei, seu pai também não, mas estávamos errados, nenhum de nós notou suas olheiras voltando a surgir, ou suas palavras sumindo em meio as frases. Droga eu era sua amiga, eu te amava, como deixei isso acontecer.

Naquele dia você simplesmente não ligou avisando que chegaria mais tarde, tinha sumido, comunicamos a polícia, dias depois você apareceu, estava um caco, não queria falar, tivemos que te dopar para que cuidassem de você. Você só ficava dopado, mas um dia, um determinado dia você simplesmente se cansou.

Eu realmente deveria não ter te amado, talvez se eu tivesse te amado menos eu tivesse percebido toda aquela dor disfarçada de sorrisos pequenos, eu ainda penso em você toda vez que abro aquela caixa de música, ainda penso em você enquanto ouço alguma música clássica e ainda penso em você quando percebo que eu poderia ter amenizado a sua dor.

Brincadeiras machucam, arrancam sangue, cansam… Eu entendo o motivo de naquele dia você me dizer que o seu problema eram os “seres humanos”, acho que no fundo esse é um problema de todos. DROGA eu ainda te amo…

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Esse texto faz parte do Pena & Tinta, um projeto de escrita criativa que tem como objetivo a criação de textos (crônicas, contos, poesias, relatos pessoais etc) em cima de temas predeterminados mensalmente. Um dos temas de novembro é OPOSTOS.

 Tem um blog e quer participar das próximas edições do Pena & Tinta? A gente está te esperando AQUI.

Capitalismo, Crônica, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, Proletariado, Racismo, Sem categoria, Violência

“As vezes eu falo com a vida”

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Foto de Tércio Teixeira, Morro da Mangueira, RIO, durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas

Me abrace e me dê um beijo
Faça um filho comigo
Mas não me deixe sentar na poltrona
No dia de domingo (domingo!)

O Rappa

A forma como o olhavam dizia muito mais do que qualquer palavra pronunciada, era como um mar de história, história escrita a muitas décadas. Era uma epidemia que se espalhava como a agonia que subia em sua garganta, ele queria gritar, mas não podia.

Revirou os olhos, ignorou “os canas” do outro lado da rua, apertou o passo, endireitou a mochila, mas antes mesmo de atravessar a segunda esquina ele ouviu o primeiro aviso, o som dos tiros ecoaram, as crianças se abrigaram nos braços da mãe, baixaram as portas do comércio, ele apenas olhou para o relógio enquanto fazia mais uma vez o sinal da “cruz”, que “ele o protegesse”.

Entre o silêncio gritante que se instaurou naquelas ruas sem asfalto, ele tropeçou nas pedras, enquanto via as portas sendo arrombadas, sentiu novamente os olhares, baixou a cabeça ao passar bem perto de uma das crianças que praticamente viu crescer, o tiro tinha sido para ele, jogado ao chão, como tantas outras, podia ouvir o grito silencioso daquela mãe.

“Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz, é medo!”

_Tá olhando o quê? – Perguntavam, ignorou. Apertou o passo, cravou os olhos ignorando as lágrimas, “podia ter sido eu!”, ele sempre pensava.

Enquanto se perdia nos seus pensamentos, ouviu mais tiros, viu os carros pretos, os homens armados, estavam invadindo novamente, adentrando as vielas onde a “Segurança” nunca entrou.

“Qual a paz que eu não quero conservar
Pra tentar ser feliz?”

Se abrigou no bar de esquina. O tal português não gostava muito de si, torceu o nariz antes dele entrar e pedir uma garrafa d’água, viu a mulher correndo, ofereceu-lhe água e ela negou. Se sentou no chão mesmo, ouviu a gritaria, o choro, podia imaginar o sangue, todos ali eram seus conhecidos, a dor era algo eminente.

_Já acabou? – Nem percebeu quando o dono do bar o olhou de cima para baixo, o medindo, olhou suas roupas, sua mochila e finalmente seus olhos. Se negou a responder, ele não podia o expulsar e tão pouco ele poderia sair dali, limpou os olhos e continuou a ouvir todas aquelas vozes que vinham de tão longe e ainda assim tão perto.

Pegou os cadernos na mochila, e resolveu se perder por ali, era assim que sua mãe tinha o ensinado. Sempre se acalmava e se lembrava dela enquanto pegava os cadernos no meio de todo aquele barulho. Ainda podia a escutar brigando consigo, tentando o distrair, o mandando estudar, dizendo que “aquele lugar” não era para si. Nunca entendeu aquela frase, aquela era sua casa, ela deveria ser segura.

“Eu não quero ficar
esperando
o tempo passar, passar”

Não percebeu quando suas lágrimas voltaram a cair e muito menos quando suas mãos automaticamente passavam as folhas, o dono do bar mais uma vez o encarava, um olhar descrente em negação, um suspiro e mais uma pergunta.

_Difícil né? – não era difícil, talvez até fosse, mas não aquilo, se limitou a responder um “unhum” e voltou sua atenção para o livro, o fechou finalmente, haviam cessado a guerra, se levantou calmamente, arrumou novamente a mochila e esperou o homem finalmente abrir a porta do bar, saiu, estava chovendo, apressou o passo até finalmente chegar no ponto de ônibus, suspirou apertado, quando viu as crianças saindo da escola, corriam desesperadas pela rua, as imaginou encontrando tudo aquilo do qual estava fugindo.

O ônibus finalmente apareceu, não parou, o motorista tinha sido alertado a não parar ali, caminhou até mais a frente, andou por toda aquela avenida a pé, olhou os carros apressados, ouviu as buzinas, observou o rio começando a encher, sabia que quando chegasse teria que escoar a água, ficou frustrado pensando se havia lembrando de retirar tudo do chão.

“Não dava tempo de voltar”, o relógio mais uma vez o dizia que estava atrasado, apressou o passo, mas o manteve cauteloso, não podia e nem queria ser “confundido” novamente, “atividade suspeita”, ele era uma “atividade suspeita” desde que nascerá.

“Oh! Meu Deus
Se eu não rezei direito
A culpa é do sujeito
Desse pobre que nem sabe fazer a oração”

Ignorou os pensamentos, e enxergou o ponto de ônibus, correu um pouco a fim de chegar mais rápido, viu que recuaram a sua presença, se arrumou um pouco, limpou um pouco a roupa e evitou mexer nos bolsos e na mochila, tudo que ele menos queria era parecer uma atividade suspeita estando atrasado.

Embarcou no ônibus lotado, colocou a mochila pra frente, e fechou os olhos, teria que encarar mais alguns bons minutos em pé se nada estivesse alagado, ignorou toda a confusão dos bancos preferenciais, enquanto voltava sua concentração para se lembrar dos artigos, falou em silêncio, e percebeu que arrancou a curiosidade de um menino sentado no colo da mãe, mexeu um pouco o cabelo enquanto observava que ela brigava com ele por algum motivo, não entendeu muito bem, mas viu o menino rindo e resolveu acompanhar aquele riso sapeca destinado a si.

Observou quando a moça entrou, ela também estava molhada e apresada, chegou a trocar olhares com ela, principalmente quando ela esbarrou em si propositalmente, ela o conhecia, já o tinha visto outras vezes ali, naquele mesmo ônibus, trocaram algumas poucas palavras e logo depois cada um voltou a se enterrar em seu próprio mundo.

Ela era linda, mas não tinha nome”.

Apertou o ferro de apoio do ônibus quando o motorista freou, alguém tinha acabado de ser atropelado, o trânsito tinha parado de vez. Ficaram bons minutos esperando tudo se resolver, viu o homem levantar apressadamente, pegar suas coisas do chão, falar que “estava tudo bem” e adentrar a condução apressadamente, tempo era dinheiro…

O ônibus voltou a andar, acelerou, ouviu alguns xingamentos do motorista enquanto ele cortava alguns outros carros na avenida, era sempre assim, deixou alguns no ponto, outros fora até finalmente chegar aquele que todos já conheciam, “Olha a bala, a paçoca, o amendoim, tudo baratinho só na mão do amigo, lá fora é mais caro”, ele já havia decorado o discurso, os rostos eram diferentes, mas a oratória era a mesma.

_Ajuda o parceiro aqui, irmão. – sentiu o toque nos braços, mostrou os bolsos vazios e o sorriso de canto, o homem entendeu, sempre entendiam, no fundo rolava sempre aquela identificação, viu o homem caminhando dentro do coletivo e por fim jogando um pacote de amendoim para o motorista, desceu e agradeceu.

A viagem seguiu tranquila até o seu destino, desceu naquele bairro diferente, prédios altos, poucas pichações, o olhavam de cima sempre, abaixou o olhar enquanto apertou o passo, evitou encarar, atravessou a rua olhando apenas para os lados, desviou das pessoas e antes que o parassem por algum motivo ele descruzava os caminhos, o céu ali estava limpo.

“As grades do condomínio
São pra trazer proteção
Mas também trazem a dúvida
Se é você que tá nessa prisão”

Encarou os morros que cercavam aquele local, ainda estava chovendo daquele lado, mas ali não, o comercio estava aberto, as crianças andavam tranquilamente, caminhou pela calçada, admirou o asfalto liso e não encarou aquelas pessoas, viu de relance um carro passando, os homens armados passando por ele, deu uma breve olhada para dentro do “camburão”, o suficiente para reconhecer um rosto, a mão caída para o lado de fora, o corpo jogado, com toda certeza ainda chovia no morro.

Atravessou a última rua até finalmente entrar naquele lugar, ainda tinha prova, estava atrasado e tinha certeza que havia perdido todo o primeiro tempo, correu apresado, não esperou o elevador, correu desesperadamente no único lugar em que se sentia à-vontade para correr, escorregou um pouco, admirou a vista enquanto tinha pressa, olhou o entorno e observou tamanha contradição, prédios, casas, medo, lágrimas, morro, asfalto.

Estacionou seus passos, colocou a mão na porta, observou o olhar repreensivo do professor enquanto ele desviava pelo canto dos olhos ele caminhar até seu lugar, permaneceu calado, fez algumas anotações e trocou alguns olhares com os colegas enquanto ouvia as indiretas a respeito dos atrasos.

Recebeu a prova, secou as mãos, bateu na testa ao perceber que havia esquecido o estojo, pegou emprestado o material, refletiu, leu, respondeu, demorou mais do que deveria, fez a prova, saiu correndo voltaria mais tarde, estava atrasado para o trabalho, olhou o relógio, andou até o trabalho, vestiu o uniforme, atendeu, atendeu, atendeu, foi ignorado quando falou que algo estava errado, “ele estava errado”, esqueceu do almoço, correu para a próxima aula, bateu a cabeça de cansaço, se forçou a ouvir o que tanto falavam naquela aula, olhou pela janela, para o relógio, bateu os dedos na mesa.

_Está com pressa? – Era claro que estava, estava chovendo, ele podia ouvir bem longinquamente que estava se tendo um tiroteio por algum lugar, mas mesmo assim respondeu que não, encarou os malditos três tempos finais de uma quarta feira como se fossem os últimos, faltavam só mais alguns meses para tudo terminar, só mais alguns meses.

“Sou pescador de ilusões
Sou pescador de ilusões”

10 horas, correu até o ponto, algumas luzes piscavam, estava deserto o suficiente para ele pensar em pegar dois ônibus ao invés de um, mas percebeu que se fizesse isso possivelmente ficaria sem dinheiro no final da semana, apressou os passos, limpou os olhos pelo sono e por sorte o ônibus já estava lá quanto chegou, o motorista o conhecia, o esperou.

Finalmente estava sentado, encarava a noite chuvosa que pincelava aquele lugar tão contraditório, fechou os olhos inalando a fina brisa, podia ter certeza que ficaria doente, tentou evitar esses pensamentos e voltou a pensar em coisas banais, desejou que a tal moça de todas as manhãs entrasse no ônibus, ele não sabia quem ela era, nem para onde ia, mas gostava de imaginar coisas sobre ela, mesmo que no fundo ele soubesse serem impossíveis de acontecer.

Não deu sinal, estava cansado demais para se lembrar do ponto, mas por muita sorte o motorista o conhecia bem o suficiente para saber que ele havia esquecido, deu um grande sorriso enquanto descia as escadas e desejava “boa noite” e agradecia, correu para casa, lembrou-se da chuva pela manhã, olhou o rio e como de esperado ele havia subido, podia ver a marca d’agua na parede assim como as ondas de terra no chão.

As ruas estavam silenciosas, vazias, algumas fracas luzes iluminavam seu caminho, podia ver alguns homens fardados o seguindo com os olhares, entrou em casa, pegou o rodo escoou a água, se jogou no chão, cansado, se arrastou até o banheiro, ligou a água fria, ainda não podia dormir, se sentou no corredor, onde não haviam janelas, ascendeu a fraca luz, e voltou a sua leitura…

Mal percebeu quando seus olhos finalmente fecharam…

A minha alma tá armada e apontada
Para cara do sossego!
Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz, é medo!(Medo!)
As vezes eu falo com a vida
As vezes é ela quem diz
Qual a paz que eu não quero conservar
Pra tentar ser feliz?
– O Rappa-

Músicas Utilizadas:

Minha Alma,

Pescador de Ilusões,

Súplicas  cearenses,

Lei da sobrevivência,

Rodo cotidiano.

Crônica, Opinião, Preconceito, Racismo, Violência

O desconhecido engano…

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Ilustração: Zansky

O choro angustiante e incessante foi ouvido no alto do morro, o baque fatal levava a mulher com as mãos ensanguentadas ao chão, agarrada ao corpo do filho, mãos firmes tentavam violentamente a afastar, era apenas mais um corpo, eles a arrastaram dali a jogaram com tamanha brutalidade para longe enquanto colocavam o corpo no carro.

Quem ligaria? Quem se importaria? Era só mais um, mais um número, mais um pobre, mais um morador daquele morro, antes dele já foram tantos…

O braço estendido para o lado de fora do camburão aumentava ainda mais a dor, ele não era um objeto, era seu filho, era um ser humano que estava sendo tratado como um pedaço de qualquer coisa.

Os coturnos marcados pelo barro caminhavam de um lado para o outro, o céu antes quente se tornava frio, era noite, uma noite fria e tenra, os homens inquietos olhavam furiosos para todos os pares de olhos direcionados a si, as mãos por cima do uniforme tocando levemente a arma esperando em ansiedade pelo reforço, o choro permanecia do outro lado, logo surgia o aglomerado, ninguém andava ou se mexia, eles eram os monstros ali.

Apontaram as armas na direção dos punhos cravados e das pedras não lançadas.

A mulher ainda com as mãos manchadas tentava compreender a onde estava o erro, como aquilo poderia ocorrer? Trabalhou mais de oito horas diárias para que aquele menino chegasse aonde ela nunca chegou. Trocou plantões, fez horas extras, deixou de comer, dormiu em pé e tudo terminou assim, dessa forma, com um tiro no peito, um engano.

Uma agonia lhe consumiu mais do que em qualquer outro dia, uma agonia maior do que a de não saber como sobreviveria com aquela criança, mal tinha como se sustentar sozinha…, ironicamente, anos depois, a agonia é por não saber como sobreviverá sem aquela criança.

Mãe solteira, filha sem pais, irmã sem irmãos, mãe sem filhos, ela que era sozinha ganhou alguém e o perdeu assim dessa forma tão perversa, talvez, só talvez ela tivesse pensado que todo aquele esforço tivesse valido apena se ela o visse formado, segurando o diploma e a abraçando no fim da cerimônia, mas nada disso deixou de ser uma lembrança inexistente a sua memória, um sonho…

Os homens fardados ainda encaravam aquele corpo, mais um corpo, mais um, entre tantos números, a incerteza de não se saber quando um dia estiveram certo, fez um deles se questionar quando deixaram de se importar, quando deixaram de sentir, quando deixaram de respirar enquanto suas mãos puxavam o gatilho e davam fim a vidas.

Vidas, ela sempre chorou pelos filhos de outros, agradecia que em meio a tantas complexidades sociais, ele não ter se rendido a um sistema meritocratico que dava mais a quem já tinha muito. Ela achava que apesar de tudo ele iria reverter o sistema, que iria entrar com a cabeça erguida em alguma das empresas na qual já trabalhou pela porta da frente, que iria defender os pobres e ajudar os que necessitavam a chegar onde ele chegou, era o que ele sempre falou, era o que ele sempre fez, foi o que ela ensinou.

Engoliu todas as lembranças para se colocar de pé, caminhou com os pés apressados, ela já estava habituada a isso, sempre correndo, criou seu filho no mundo, um mundo incerto que sempre a dizia que ela não conseguiria, criou seu filho com os relógios dos patrões, com a solidão e com o medo, um medo que a fazia o esperar todos os dias acordada, um medo que não a deixava sair dos seus olhos sem um “eu te amo”, um medo que não esteve presente quando caminhou até aqueles homens.

Os encarou com um olhar devorador, eles conheciam aquele olhar, conheciam aquela fúria, por esse fato desviaram, desviaram seus olhos dos dela, pediram que ela recuasse, que se afastasse, mas ela não o fez, não teve medo, era seu filho ali, eram seus sonhos, era um pedaço de si abandonado como uma grande merda. Ela se colocou na frente deles, justamente daquele que se questionou quando eles deixaram de sentir, as mãos tremulas enluvadas não entendeu o que aquelas mãos tão calejadas faziam ao segurar sua mão e apontar a arma para o próprio peito.

Logo o tempo começou a estacionar, o silencio deu lugar a gritaria, outras armas foram direcionadas a si.

No chão estavam as horas de sono inexistentes de uma mãe que esperava acordada o filho voltar da Faculdade, estavam as lágrimas de comemoração pela Faculdade Pública, estavam os sonhos, todos os sonhos, juntos com horas de estudo e as xícaras de café, junto com o trabalho de meio período para pagar os livros, junto com o tênis furado e os bolsos vazios.

E em um mero espaço de tempo entre toda a correria que se fez junto aos gritos dos moradores locais tudo se perdeu, nada mais importava, não importa se por um engano eles atingiram seu filho ou a ela, continuaria a ser um engano se eles tivessem acertado outro, seria outra mãe ali em seu lugar, seriam outros sonhos enterrados junto a um corpo, seria outra vida perdida no alto do morro, outro completaria as estatísticas nas folhas de domingo.

Foi se perguntado por um desconhecido, que espreitava tudo por trás de uma coluna de concreto, o que eram sonhos? Justiça? Vida? Enganos?

Ele viu a hora do tiro, não foi um engano, a tal atividade suspeita do tal rapaz era dar ao morador de rua um dos sanduiches que ele vendia na Faculdade. O tal pacote, não era nada. A mãe estava lá do outro lado, como de costume, o esperando descer do ônibus para juntos irem para casa. Ela não viu carros, ela não viu nada a não ser seu filho, caído, jogado e abandonado no chão.

O desconhecido se perguntava o que dava a aqueles homens fardados o poder de se fazer justiceiro, de podar vidas, de escolher e condenar pessoas por sua classe social, por sua cor, por escolhas que não tiveram?

A pena de Morte existe nesse País, ela condena sem julgamento cada um que está fora do círculo, que se encontra fora dos padrões, que por não ter uma escolha encontra um outro caminho, condena as mães, os pais e os filhos, condena os órfãos de um Estado omisso que se esconde atrás de um de sistema excludente.

Homofobia, Opinião, Preconceito, Sem categoria, Violência

Eu quero mais amor!

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Alguém já parou para pensar no significado dessa palavra, Namastê? É uma saudação, utilizada para agradecer e pedir, comum entre os praticantes do budismo, a expressão é utilizada para demonstrar respeito, para saudar o outro, geralmente é acompanhada pelo gesto (mudra) de juntar as palmas das mãos em forma de oração, colocando-as no centro do peito.

Muitas vezes não é necessário, uma única palavra, para acompanhar esse gesto, todo o significado já se encontra enraizado ali:

‘’O Deus que habita no meu coração, saúda o Deus que habita no seu coração”.

Serei sincera, quando no meio de todo esse caos eu me deparei com a notícia do atentado, eu fiquei sem palavras, um homem armado atira e mata pessoas em uma boate latino-americana LGBT, eu fiquei realmente sem palavras certas para escrever alguma coisa, não me senti apta a isso. Para uma pessoa que ama escrever, ficar sem palavras é frustrante.

Sabe aquela sensação de agonia, aquela que parece que você engoliu um tomate inteiro? Então essa foi minha sensação.

Sabem porque pessoas procuram boates LGBTTTIS (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, intersexuais e simpatizantes)? Pelo simples fato de se sentirem seguras dentro desse local.  Elas fogem para esses locais para fugir do Machismo, do Sexismo, da Homofobia… Elas vão a esses locais para poderem ser quem são, longe dos olhares criteriosos de outrem.

Segunda passada, quando eu fui assistir ao filme X-MEN e vi aqueles dois meninos fofos que nitidamente se amavam e não ”podiam” demonstrar seu amor se não no escuro do cinema, eu fiquei com um bolo em minha garganta, era esse tomate começando a ganhar forma. Eu não sei viver amor sem demonstra-lo e eu me senti impotente, aquilo era uma prisão sem grades, onde você se torna vigia de seus próprios atos e em algum momento você pode ser repreendido por isso.

Como se amar fosse crime, como se ser livre fosse prisão, como se a segurança fosse insegurança.

Insegurança. Eu conheço essa palavra no momento em que presto atenção na hora para voltar para casa, na minha roupa, na minha maquiagem. Também reconheço a insegurança quando peço para meus amigos e amigas me avisarem quando chegam em casa, seja pelo local que moram, por serem gays, negros ou por serem mulheres…

Quando você tem insegurança, você não consegue não se vê nas páginas policias, seja na moça que foi violentada, morta e esquecida em algum matagal, no menino que mal viveu a vida e foi morto por viver um amor ou no rapaz que foi morto por morar na Favela e ser tornar suspeito por sua cor. Você se reconhece e reconhece outros ali, como se todos estivéssemos inseguros. Na verdade estamos.

Eu sinto. Eu senti a dor daquela mãe ao receber a última mensagem de seu filho, a dor do rapaz que percebeu seu melhor amigo morto ao seu lado, a dor do filho que tevê seu corpo protegido por sua mãe, a dor do irmão, do pai, dos amigos. Poderia ser qualquer pessoa que eu amo ali. É como se toda essa dor estivesse entalada, essas pessoas morreram amando, por um crime de ódio.

Acho preocupante quando começam a questionar sobre a legalização de armas, em legalizar o uso de armas em locais com bebida alcoólica, em dizer que se a vítima estivesse armada ela estaria viva. Sabem o que esse discurso significa? Ele é uma fuga, além de culpar a vítima ele diz que a violência se resolve com violência, esse discurso esconde completamente que esse crime foi um crime de ódio, contra uma comunidade e que armar pessoas não iria evitar que esse crime acontecesse.

Centenas de pessoas são feridas diariamente pela homofobia, não é preciso armas, elas ferem com socos, chutes, barras de ferro, palavras.

Essa violência decorre em qualquer lugar, em igrejas, nas escolas, nas boates, na rua, em casa. Centenas de jovens são expulsos de casa por sua orientação sexual.

Centenas de pessoas são condenadas por amarem.

O pai do atirador afirmou que o filho sentia repulsa ao ver duas pessoas do mesmo sexo se beijando, então não importa se o governo e/ou a mídia americana te dizem que o cara era um muçulmano, isso não significa nada, ele era um homem americano, investigado, homofóbico, que comprou uma arma. A religião dele era o menor dos problemas, quando a tornam maior, só significa que estão direcionando o ódio a uma nova coisa: à religião muçulmana e consequentemente aos imigrantes.

Dessa forma tornam um crime de homofobia um crime político e religioso. Por falar em religião, muitos religiosos se pronunciaram eu sinceramente preferiria que os mesmos continuassem calados.

Religião, desde os meus 17 anos que não tenho uma religião específica, sou uma pessoa de muitos credos, tenho Fé, mas não curto muito os templos. Prefiro dizer que sigo o amor, o que eu penso não poderá jamais se sobrepor ao que os outros pensam. Não somos maiores que ninguém, somos feitos com os mesmos componentes orgânicos. Somos iguais. Mas o que nos torna diferentes?

A nossa sociedade se agrupa por características comuns, dessa forma monta-se grupos que se assemelham em alguns interesses. Assim sendo quando o desconhecido é apresentado a esses grupos, são impostos a eles olhares criteriosos e selecionadores, impondo uma característica que estigmatiza, rotula e que confirma a anormalidade de uns e a normalidade de outros. (Goffman,1981).

Não existe nada que nos torne melhores do que os outros, na verdade quanto mais frisamos e impomos que somos diferentes,superiores, mais nos tornamos piores, estamos apontando um gatilho para alguém. Nós somos culpados, nós selecionamos, nós julgamos, condenamos, impomos regras para as pessoas viverem.

Nesse momento, somos produtos e produtores. Estamos num ciclo. A sociedade nasce das interações entre indivíduos, mas com sua cultura, com seu saber, ela retroage sobre os indivíduos e os produz para se tornarem indivíduos humanos. O fenômeno de produto-produtor é um fenômeno constante. (MORIN, 1999 :28)

Não existe certo ou errado, simplesmente pelo fato de que a condição de normalidade é algo imposto pelo ser-humano, portanto todos somos e estamos certos e ao mesmo tempo errados. Dizer que alguém é um erro é algo completamente desumano, e sinceramente, dizer que alguém não merece viver, ser feliz, porque isso ofenderia ao seu Deus, a sua religião, é a coisa mais cruel que poderia sair da boca de alguém. Se se acredita em um Deus de amor, como os praticantes de uma determinada religião que se utiliza desse Deus podem ter tanto ódio?

Quando eu aprendi o significado de Namastê eu passei a entender que devemos ser gratos de alguma forma ao Universo, sermos gratos por aquele atentado ter nos mostrado que mesmo em meio a todo aquele ódio existe amor, sermos gratos por nosso amadurecimento em compreender que o “eu” não existe e sim o “Nós”, sermos gratos por cada pessoa que ensina seus filhos que as pessoas devem amar e respeitar seus semelhantes, sermos gratos por cada lágrimas que derramamos e por isso nos ensinar que devemos lutar para que as pessoas possam se amar sem barreiras, sem prisões, sem ser no escuro do cinema, para que possam se amar em qualquer lugar, sem medo e sem pressa.

Deixe o amor voar, deixe-o ser livre, na boca, nas mãos, nos toques sem censura. Quero amor por todos os lados, por todos os cantos.

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GOFFMAN Erving. Estigmas – Notas sobre manipulação de identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogar, 1988

MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In. Alfredo Pena-Veja, Elimar Pinheiro do Nascimento (Org.), O Pensar Complexo – Edgar e a crise da modernidade – Rio de Janeiro, Garamond, 1999.

 

Feminismo, Filme, Filmes, Homofobia, Preconceito, Resenha, X-MEM

Uma louca analise de X-MEN Apocalipse

xmenapocalypseimaxAssistir X-MEN é sempre interessante, você nunca sabe o que te espera, eu prefiro começar esse texto não sabendo sobre como vou falar do filme. Começo dizendo que essa não era a minha primeira opção, mas a sala que exibiria Warcraft estava quebrada então X-MEN era o que tinha para hoje.

Vou dizer que o filme acabou me fazendo refletir mais sobre como as pessoas são hipócritas do que com o próprio filme, explicarei os motivos que me levaram a essa conclusão em instantes, para não tirar o foco da crítica, aliás se tiver com dinheiro sobrando não assista em 3D principalmente se for no Cinesystem do Shopping Via Brasil no RJ. Aliás essa rede de cinema possui ótimas promoções aproveitem, principalmente com a pessoa amada.

Por falar em pessoa amada, estamos a quatro dias do “Dia dos Namorados” e tinha um casal que iria assistir X-men na mesma sala que eu, e o que tem de anormal nisso? O casal não segurava nas mãos, apenas conversavam juntos, alguns sorrisos, brincadeiras, conversas nerdes sobre o enredo dos outros filmes de heróis que estreariam, mas nada de beijos e nem relação de afeto. Isso é muito estranho!

Imaginem-se nessa situação, você ir assistir um filme que fala basicamente sobre  Lutas contra qualquer tipo de preconceito existente no Mundo e você não poder demonstrar amor com uma pessoa por ela ser do mesmo sexo que você. Realmente é de se dá um nó em qualquer garganta.

A bilheteria de X-MEN alcança milhões de pessoas assim como as Hqs e séries animadas, mas as pessoas ironicamente são impedidas pelos mesmos fãs de demonstrar seu amor em público, de dizer um “eu te amo” de abraçar e se beijar, os dois meninos, que sentaram na mesma fileira que eu e meu irmão acabaram por finalmente se renderem ao amor, no escuro, longe dos olhos julgadores e inquisitórios, seria irônico se não estivéssemos a 53 anos do primeiro lançamento de X-MEN, as pessoas ainda são obrigadas a se esconderem em máscaras para não serem julgadas e condenadas a exclusão por outros que as veem diferentes.

Vamos ao filme meu povo!

Para os amantes de efeitos especiais a FOX não fez lá um trabalho grandioso nível Disney, mas deu para o gasto, o roteiro ao contrário do que eu pensava que seria foi bem elaborado, o que não significa que existiu sentido nele, já que se quebrou completamente a ordem cronológica da história, e se você for um amante da série tanto quanto eu, abstraia de sua mente tudo que sabe e conheceu sobre os X-MEN, sente na cadeira e assista, apenas assista e procure os símbolos comunistas embutidos pelo filme! Sim, possuem muitos, incluindo frases! Aproveite e procure também Stan Lee, quem sabe ele te convoca para a escola de Superdotados!

Alguém que vocês não devem procurar nesse filme é Wolverine, vocês só vão conseguir encontrar Logan e uma breve referência aos dias de seu passado antes de encontrar o professor Xavier.

Aos fãs que tinham alguma ilusão de vestígios da história original do Apocalipse, ou para os íntimos, En Sabah Nur, percam a esperança, não rolou as explicações esperadas para o viajante no tempo convertido em faraó, vulgo mentor de Nur, e muito menos para as primeiras manifestações de poderes do mutante, ao menos deixaram um vestígio de traição, mas sem o traidor.

Aos que sempre se perguntaram como Charles finalmente perderia os cabelos? Eles deram um jeito, no filme existiu um sentido não se preocupe, mas que passou bem longe da história original (a calvície do professor X nada mais é que, consequência de seus poderes). Mas nem só de cabelo vive nosso professor depressivo, Moira também estava presente nessa guerra, sem memória, com um filho e divorciada… ao menos no filme ela não deu “Adeus Charles, preciso de alguém como eu”.

Moira pode até preferir os carecas, mas eu curto os barbudos, nosso amado irlandês Michael Fassbender, o Magneto, agora é pai de família, amoroso e dedicado. (Roteiristas são tão criativos!) Infelizmente sabemos que a vida de Magneto não é fácil e não importa a merda que ele faça você vai querer o abraçar no final.

Já falei dos carecas, barbudos, falta os cabeludos, Alex Summers, o erro vivo (ou não) em continuidade, o Destrutor deveria ser o irmão mais novo de Scott e não o mais velho, mas veja pelo lado positivo o rapaz continua divinamente no vinho, mesmo após dez anos.

Mas se não curtir nenhum desses podem tentar o azuzinho, Noturno, aquela coisinha fofa filho da Mística, aliás isso fica subentendido, é aos que não conhecem a origem de Noturno (e gostaram do que foi dito no filme), não tentem conhecer porque vai bugar o celebro, roteiristas são pessoas malignas com papel e caneta na mão…

Falando em Mística, o que falar da Bela Raven Darkholme, (a personagem é tão maravilhosa quanto a atriz) nossa terrorista preferida que sempre salva o Mundo, seria interessante um filme que contasse a história dela, aliás Raven é Bi e isso explica o futuro envolvimento dela e da Tempestade que ficou subentendido nas cenas finais do filme, isso sim vai ser maneiro.

Se você é Fã da Ororo Munroe, vai ficar feliz, das histórias contadas a que mais coincide com os fatos mencionados na Hq é a dela, já que você verá muitas fases de Tempestade em um único filme, mostrando o quão ruim é a cronologia desse troço, então não se anime muito, só o suficiente para não chorar de raiva ao perceber os erros básicos que qualquer fã descobriria. Dica do dia foque em Nur a chamando de Deusa e fique muito feliz.

Super topo um filme dela com Pantera Negra!!!

Sabem o que eu gostei nesse filme além das mensagens de Comunismo e das mensagens de “seja você mesmo independente do que os outros pensam”? Eu gostei do protagonismo feminino! Tirando Mercúrio fruto de uma rapidinha do Magneto, todas as ações positivas do filme decorrem graças as heroínas e vilãs. O ideal de mulher é a Mística azul, que salvou humanos e mutantes, aquela que Raven tenta sempre esconder.

Mas falando sério agora, tirando “Dias de Um Futuro Esquecido” nenhum desses filmes de fato deveriam fazer parte da franquia, eles não seguem cronologia e muito menos o enredo das histórias originais, sinceramente eu acho desrespeitoso com os fãs que de certa forma cresceram lendo essas Hqs e aprendendo com elas. A impressão que dá é que eles jogam os personagens lucrativos nas histórias, capricham no surrealismo para justificar o gasto nos efeitos especiais.

Agora fiquei até com vontade de falar sobre os X-men! Aguardem!

*AH!!!! Se a pergunta que paira em sua cabeça é se esse filme faz sentido sem os outro? Sim faz sentido, não se sinta obrigado a assistir aos anteriores, porque esse roteiro é praticamente independente, ele possui sentido mesmo não tendo sentido. Mas se quiser assistir, assista aos dois últimos, principalmente ”Dias de Um Futuro Esquecido”.

* Aos que ficaram curiosos recomendo que procure por, “A era do Apocalipse”, vai te deixar com vontade de chorar quando se lembrar do filme, e olha que essa é a aparição dele no Universo Alternativo.