Crônica, Opinião, Preconceito, Racismo, Violência

O desconhecido engano…

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Ilustração: Zansky

O choro angustiante e incessante foi ouvido no alto do morro, o baque fatal levava a mulher com as mãos ensanguentadas ao chão, agarrada ao corpo do filho, mãos firmes tentavam violentamente a afastar, era apenas mais um corpo, eles a arrastaram dali a jogaram com tamanha brutalidade para longe enquanto colocavam o corpo no carro.

Quem ligaria? Quem se importaria? Era só mais um, mais um número, mais um pobre, mais um morador daquele morro, antes dele já foram tantos…

O braço estendido para o lado de fora do camburão aumentava ainda mais a dor, ele não era um objeto, era seu filho, era um ser humano que estava sendo tratado como um pedaço de qualquer coisa.

Os coturnos marcados pelo barro caminhavam de um lado para o outro, o céu antes quente se tornava frio, era noite, uma noite fria e tenra, os homens inquietos olhavam furiosos para todos os pares de olhos direcionados a si, as mãos por cima do uniforme tocando levemente a arma esperando em ansiedade pelo reforço, o choro permanecia do outro lado, logo surgia o aglomerado, ninguém andava ou se mexia, eles eram os monstros ali.

Apontaram as armas na direção dos punhos cravados e das pedras não lançadas.

A mulher ainda com as mãos manchadas tentava compreender a onde estava o erro, como aquilo poderia ocorrer? Trabalhou mais de oito horas diárias para que aquele menino chegasse aonde ela nunca chegou. Trocou plantões, fez horas extras, deixou de comer, dormiu em pé e tudo terminou assim, dessa forma, com um tiro no peito, um engano.

Uma agonia lhe consumiu mais do que em qualquer outro dia, uma agonia maior do que a de não saber como sobreviveria com aquela criança, mal tinha como se sustentar sozinha…, ironicamente, anos depois, a agonia é por não saber como sobreviverá sem aquela criança.

Mãe solteira, filha sem pais, irmã sem irmãos, mãe sem filhos, ela que era sozinha ganhou alguém e o perdeu assim dessa forma tão perversa, talvez, só talvez ela tivesse pensado que todo aquele esforço tivesse valido apena se ela o visse formado, segurando o diploma e a abraçando no fim da cerimônia, mas nada disso deixou de ser uma lembrança inexistente a sua memória, um sonho…

Os homens fardados ainda encaravam aquele corpo, mais um corpo, mais um, entre tantos números, a incerteza de não se saber quando um dia estiveram certo, fez um deles se questionar quando deixaram de se importar, quando deixaram de sentir, quando deixaram de respirar enquanto suas mãos puxavam o gatilho e davam fim a vidas.

Vidas, ela sempre chorou pelos filhos de outros, agradecia que em meio a tantas complexidades sociais, ele não ter se rendido a um sistema meritocratico que dava mais a quem já tinha muito. Ela achava que apesar de tudo ele iria reverter o sistema, que iria entrar com a cabeça erguida em alguma das empresas na qual já trabalhou pela porta da frente, que iria defender os pobres e ajudar os que necessitavam a chegar onde ele chegou, era o que ele sempre falou, era o que ele sempre fez, foi o que ela ensinou.

Engoliu todas as lembranças para se colocar de pé, caminhou com os pés apressados, ela já estava habituada a isso, sempre correndo, criou seu filho no mundo, um mundo incerto que sempre a dizia que ela não conseguiria, criou seu filho com os relógios dos patrões, com a solidão e com o medo, um medo que a fazia o esperar todos os dias acordada, um medo que não a deixava sair dos seus olhos sem um “eu te amo”, um medo que não esteve presente quando caminhou até aqueles homens.

Os encarou com um olhar devorador, eles conheciam aquele olhar, conheciam aquela fúria, por esse fato desviaram, desviaram seus olhos dos dela, pediram que ela recuasse, que se afastasse, mas ela não o fez, não teve medo, era seu filho ali, eram seus sonhos, era um pedaço de si abandonado como uma grande merda. Ela se colocou na frente deles, justamente daquele que se questionou quando eles deixaram de sentir, as mãos tremulas enluvadas não entendeu o que aquelas mãos tão calejadas faziam ao segurar sua mão e apontar a arma para o próprio peito.

Logo o tempo começou a estacionar, o silencio deu lugar a gritaria, outras armas foram direcionadas a si.

No chão estavam as horas de sono inexistentes de uma mãe que esperava acordada o filho voltar da Faculdade, estavam as lágrimas de comemoração pela Faculdade Pública, estavam os sonhos, todos os sonhos, juntos com horas de estudo e as xícaras de café, junto com o trabalho de meio período para pagar os livros, junto com o tênis furado e os bolsos vazios.

E em um mero espaço de tempo entre toda a correria que se fez junto aos gritos dos moradores locais tudo se perdeu, nada mais importava, não importa se por um engano eles atingiram seu filho ou a ela, continuaria a ser um engano se eles tivessem acertado outro, seria outra mãe ali em seu lugar, seriam outros sonhos enterrados junto a um corpo, seria outra vida perdida no alto do morro, outro completaria as estatísticas nas folhas de domingo.

Foi se perguntado por um desconhecido, que espreitava tudo por trás de uma coluna de concreto, o que eram sonhos? Justiça? Vida? Enganos?

Ele viu a hora do tiro, não foi um engano, a tal atividade suspeita do tal rapaz era dar ao morador de rua um dos sanduiches que ele vendia na Faculdade. O tal pacote, não era nada. A mãe estava lá do outro lado, como de costume, o esperando descer do ônibus para juntos irem para casa. Ela não viu carros, ela não viu nada a não ser seu filho, caído, jogado e abandonado no chão.

O desconhecido se perguntava o que dava a aqueles homens fardados o poder de se fazer justiceiro, de podar vidas, de escolher e condenar pessoas por sua classe social, por sua cor, por escolhas que não tiveram?

A pena de Morte existe nesse País, ela condena sem julgamento cada um que está fora do círculo, que se encontra fora dos padrões, que por não ter uma escolha encontra um outro caminho, condena as mães, os pais e os filhos, condena os órfãos de um Estado omisso que se esconde atrás de um de sistema excludente.

Homofobia, Opinião, Preconceito, Sem categoria, Violência

Eu quero mais amor!

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Alguém já parou para pensar no significado dessa palavra, Namastê? É uma saudação, utilizada para agradecer e pedir, comum entre os praticantes do budismo, a expressão é utilizada para demonstrar respeito, para saudar o outro, geralmente é acompanhada pelo gesto (mudra) de juntar as palmas das mãos em forma de oração, colocando-as no centro do peito.

Muitas vezes não é necessário, uma única palavra, para acompanhar esse gesto, todo o significado já se encontra enraizado ali:

‘’O Deus que habita no meu coração, saúda o Deus que habita no seu coração”.

Serei sincera, quando no meio de todo esse caos eu me deparei com a notícia do atentado, eu fiquei sem palavras, um homem armado atira e mata pessoas em uma boate latino-americana LGBT, eu fiquei realmente sem palavras certas para escrever alguma coisa, não me senti apta a isso. Para uma pessoa que ama escrever, ficar sem palavras é frustrante.

Sabe aquela sensação de agonia, aquela que parece que você engoliu um tomate inteiro? Então essa foi minha sensação.

Sabem porque pessoas procuram boates LGBTTTIS (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, intersexuais e simpatizantes)? Pelo simples fato de se sentirem seguras dentro desse local.  Elas fogem para esses locais para fugir do Machismo, do Sexismo, da Homofobia… Elas vão a esses locais para poderem ser quem são, longe dos olhares criteriosos de outrem.

Segunda passada, quando eu fui assistir ao filme X-MEN e vi aqueles dois meninos fofos que nitidamente se amavam e não ”podiam” demonstrar seu amor se não no escuro do cinema, eu fiquei com um bolo em minha garganta, era esse tomate começando a ganhar forma. Eu não sei viver amor sem demonstra-lo e eu me senti impotente, aquilo era uma prisão sem grades, onde você se torna vigia de seus próprios atos e em algum momento você pode ser repreendido por isso.

Como se amar fosse crime, como se ser livre fosse prisão, como se a segurança fosse insegurança.

Insegurança. Eu conheço essa palavra no momento em que presto atenção na hora para voltar para casa, na minha roupa, na minha maquiagem. Também reconheço a insegurança quando peço para meus amigos e amigas me avisarem quando chegam em casa, seja pelo local que moram, por serem gays, negros ou por serem mulheres…

Quando você tem insegurança, você não consegue não se vê nas páginas policias, seja na moça que foi violentada, morta e esquecida em algum matagal, no menino que mal viveu a vida e foi morto por viver um amor ou no rapaz que foi morto por morar na Favela e ser tornar suspeito por sua cor. Você se reconhece e reconhece outros ali, como se todos estivéssemos inseguros. Na verdade estamos.

Eu sinto. Eu senti a dor daquela mãe ao receber a última mensagem de seu filho, a dor do rapaz que percebeu seu melhor amigo morto ao seu lado, a dor do filho que tevê seu corpo protegido por sua mãe, a dor do irmão, do pai, dos amigos. Poderia ser qualquer pessoa que eu amo ali. É como se toda essa dor estivesse entalada, essas pessoas morreram amando, por um crime de ódio.

Acho preocupante quando começam a questionar sobre a legalização de armas, em legalizar o uso de armas em locais com bebida alcoólica, em dizer que se a vítima estivesse armada ela estaria viva. Sabem o que esse discurso significa? Ele é uma fuga, além de culpar a vítima ele diz que a violência se resolve com violência, esse discurso esconde completamente que esse crime foi um crime de ódio, contra uma comunidade e que armar pessoas não iria evitar que esse crime acontecesse.

Centenas de pessoas são feridas diariamente pela homofobia, não é preciso armas, elas ferem com socos, chutes, barras de ferro, palavras.

Essa violência decorre em qualquer lugar, em igrejas, nas escolas, nas boates, na rua, em casa. Centenas de jovens são expulsos de casa por sua orientação sexual.

Centenas de pessoas são condenadas por amarem.

O pai do atirador afirmou que o filho sentia repulsa ao ver duas pessoas do mesmo sexo se beijando, então não importa se o governo e/ou a mídia americana te dizem que o cara era um muçulmano, isso não significa nada, ele era um homem americano, investigado, homofóbico, que comprou uma arma. A religião dele era o menor dos problemas, quando a tornam maior, só significa que estão direcionando o ódio a uma nova coisa: à religião muçulmana e consequentemente aos imigrantes.

Dessa forma tornam um crime de homofobia um crime político e religioso. Por falar em religião, muitos religiosos se pronunciaram eu sinceramente preferiria que os mesmos continuassem calados.

Religião, desde os meus 17 anos que não tenho uma religião específica, sou uma pessoa de muitos credos, tenho Fé, mas não curto muito os templos. Prefiro dizer que sigo o amor, o que eu penso não poderá jamais se sobrepor ao que os outros pensam. Não somos maiores que ninguém, somos feitos com os mesmos componentes orgânicos. Somos iguais. Mas o que nos torna diferentes?

A nossa sociedade se agrupa por características comuns, dessa forma monta-se grupos que se assemelham em alguns interesses. Assim sendo quando o desconhecido é apresentado a esses grupos, são impostos a eles olhares criteriosos e selecionadores, impondo uma característica que estigmatiza, rotula e que confirma a anormalidade de uns e a normalidade de outros. (Goffman,1981).

Não existe nada que nos torne melhores do que os outros, na verdade quanto mais frisamos e impomos que somos diferentes,superiores, mais nos tornamos piores, estamos apontando um gatilho para alguém. Nós somos culpados, nós selecionamos, nós julgamos, condenamos, impomos regras para as pessoas viverem.

Nesse momento, somos produtos e produtores. Estamos num ciclo. A sociedade nasce das interações entre indivíduos, mas com sua cultura, com seu saber, ela retroage sobre os indivíduos e os produz para se tornarem indivíduos humanos. O fenômeno de produto-produtor é um fenômeno constante. (MORIN, 1999 :28)

Não existe certo ou errado, simplesmente pelo fato de que a condição de normalidade é algo imposto pelo ser-humano, portanto todos somos e estamos certos e ao mesmo tempo errados. Dizer que alguém é um erro é algo completamente desumano, e sinceramente, dizer que alguém não merece viver, ser feliz, porque isso ofenderia ao seu Deus, a sua religião, é a coisa mais cruel que poderia sair da boca de alguém. Se se acredita em um Deus de amor, como os praticantes de uma determinada religião que se utiliza desse Deus podem ter tanto ódio?

Quando eu aprendi o significado de Namastê eu passei a entender que devemos ser gratos de alguma forma ao Universo, sermos gratos por aquele atentado ter nos mostrado que mesmo em meio a todo aquele ódio existe amor, sermos gratos por nosso amadurecimento em compreender que o “eu” não existe e sim o “Nós”, sermos gratos por cada pessoa que ensina seus filhos que as pessoas devem amar e respeitar seus semelhantes, sermos gratos por cada lágrimas que derramamos e por isso nos ensinar que devemos lutar para que as pessoas possam se amar sem barreiras, sem prisões, sem ser no escuro do cinema, para que possam se amar em qualquer lugar, sem medo e sem pressa.

Deixe o amor voar, deixe-o ser livre, na boca, nas mãos, nos toques sem censura. Quero amor por todos os lados, por todos os cantos.

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GOFFMAN Erving. Estigmas – Notas sobre manipulação de identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogar, 1988

MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In. Alfredo Pena-Veja, Elimar Pinheiro do Nascimento (Org.), O Pensar Complexo – Edgar e a crise da modernidade – Rio de Janeiro, Garamond, 1999.

 

Feminismo, Violência

Eu não sou Culpada…

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Na madrugada de terça, 24 de maio, uma moça que poderia ser eu, minha irmã, amiga, conhecida ou desconhecida, qualquer uma de nós, ela foi violentada por trinta homens, que não satisfeitos com tamanha violência, ainda expuseram o vídeo em Rede Social, se vangloriando do ato, com frases como “ essa engravidou” e “foram mais de trinta”.

culpaNão se tem muito o que falar quando no dia seguinte ao ato, dia 25, a primeira visita pública ao Ministro da Educação, para se entregar uma proposta, provavelmente sobre as Escolas sem Partido, é um Estuprador confesso em Rede Nacional. Realmente não se tem muito a falar… principalmente quando o Suplente do atual Ministro da Saúde o deputado Federal Ricardo Barros (PP-PR) está preso desde fevereiro, Osmar Bertoldi, que teve a prisão decretada por cinco crimes, entre eles, estupro, agressão e cárcere privado da ex-noiva.

O Estupro, a cantada, o assédio, o cárcere, tudo isso é resultado de uma sociedade que ensina seus filhos a serem machos, a serem predadores, a não terem sentimentos e a tratarem mulheres como objetos de desejo sem vontades. Meninos são ensinados a serem abusivos, opressores, a excluir a eles mesmos, caso não caibam nessa concepção. Essa é a mesma sociedade que diz que a menina tem que ser sensível, respeitável, educada, linda, recatada e do lar, submissa aos homens.

O agressor se disfarça no comodismo dessa sociedade que não dá a nós (mulheres) direito sobre o próprio corpo. Se reclamos da cantada, eles dizem que são elogios, que é muito mimi; se reclamos das mãos, dos assédios, eles culpam nossas roupas, a bebida, a maquiagem; se somos colocadas em cárcere ou abusadas, a culpa é nossa, da nossa roupa, do horário que saímos, do local onde estávamos, por sermos infiéis, por dizermos não.

A sociedade grita na nossa cara que a Culpa não é do agressor e sim da vítima, eles nos culpam simplesmente por existirem.

Vivemos na cultura do Estupro, a prova disso é que a cada comentário que surgia criminalizando o ato, os agressores se justificavam dizendo que “a menina estava bêbada”, “se ela estivesse em casa estudando isso não ocorreria”, que “ela já estava acostumada”. A nossa sociedade banaliza tal violência assim como banaliza o racismo e a homofobia, tornando todos esses atos parte de uma rotina.

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Feminismo Empoderador (Página)

Rotina essa que faz parte da trama das novelas, onde um rapaz abusa de uma moça e é tudo romantizado, como se fosse algo normal, como se ela tivesse por obrigação gostar do ato que foi feito contra sua vontade. A televisão nos diz a cada instante como devemos ser e agir, nos dão um padrão idealizador de mulher perfeita que querem que sejamos.

Querem nos moldar, querem nos calar. Semana passada um ex BBB foi preso acusado de estupro, ao invés das pessoas culparem a ele, culparam a menina que tinha 13 anos que o “seduziu”, as reportagens ao invés de falarem dos crimes sexuais contra menores, falaram de como os “pobres” homens são enganados por menores de idades em baladas…

Ainda hoje, 26 de maio, me deparei com uma notícia na página do Coletivo de Mulheres da UFRRJ, uma das estudantes que havia sido violentada dentro do campus havia se matado. Essa estudante foi vítima não só desse agressor, como de toda uma comunidade que tentou culpabilizar a ela pelo ocorrido. Tal qual fez um professor das Ciências Sociais (UERJ), em uma postagem de uma amiga, que praticamente disse que uma mulher não pode entrar no quarto de um desconhecido.

Culpar, é isso que o Projeto de Lei 5069 pretende fazer, culpar a vítima, fazer ela se responsabilizar por algo que não teve culpa, a PL em questão, dificulta mulheres que sofreram violência a abortarem, aliás não só isso como também torna a essa criminosa, diz que ela tem que ser presa.RTEmagicC_violencia-contra-mulher.jpg

O nosso corpo não é nosso, é isso que esses babacas nos falam a cada segundo.

Não importa a idade dela, ou quem ela era, se tinha filhos ou não, se traiu o namorado ou não, se era viciada, o lugar onde se estava, nada disso importa, isso são apenas justificativas para que cada vez mais possa se culpabilizar a vítima. É isso que a nossa sociedade faz, culpa a vítima, por sua roupa, por seu batom, pela hora em que se encontra na rua, por ser mulher.

            Quem nunca tevê medo de andar sozinha na rua? Quem nunca desconfiou de um carro que misteriosamente diminuiu a velocidade no momento em que você passou por ele? Quem nunca teve seu corpo vítima dos olhares inquisitórios de homens? Quem nunca tevê medo dentro da própria Universidade? A grande realidade meus caros é que ser mulher nessa sociedade machista é praticamente nascer predestinada a sofrer com isso, como se nós, por sermos mulheres tivéssemos, que pagar uma pena por isso.

            Pena, punição… É isso nos culpam e nos penalizam, se vamos a delegacia relatar um caso de violência, nos tratam como loucas, nos olham como culpadas, impõe a nós uma outra violência que nos faz sentir uma #RaivaComRazão, aliás essa é a Tag nova levantada pela Organização Think Olga.

            prmeiroassedioA Culpa não é minha, a culpa não é nossa, a culpa não foi dela, da roupa, do lugar, da droga, a culpa é dessa sociedade que a culpou, a culpa foi dos 30 homens, pais, filhos, irmãos, a culpa foi deles, eles foram os criminosos, eles cometeram o ato, eles não se pronunciaram em defesa da vítima, nenhum deles e assim se fez 30 contra uma.

Aos homens que leram esse texto, nós não vamos nos calar, vamos gritar, não foram 30 contra uma, foram trinta contra todas nós. A cada dia sofremos com esse machismo enraizado em nossa cultura. Nós merecemos andar na rua sem nos preocupar a cada 10 segundos com quem está atrás, merecemos ser livres e não enclausuradas em um mundo que nos culpa por tudo.

 

 

Feminismo, Violência

Enem 2015: Redação ou Relatos?

Eu estava no
meu trabalho quando pensei: Sabe, eu vou estudar, meus filhos já estão crescidos. Então saí do trabalho e vim ao colégio. Fiquei tão feliz quando consegui! Cheguei em casa e falei para os meus filhos e para o meu marido. Eles acharam legal e me deram a maior força para eu voltar a estudar. (Sandra Maria, 2009:86).

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      A fala em questão diz respeito a uma das muitas falas presentes na minha monografia, especificamente no terceiro capítulo que trata da questão de Gênero na Educação de Jovens e Adultos, voltar, abandonar, amar, construir versos pulados, estrofes abandonadas, isso tudo faz parte daquelas mulheres que compõe essa modalidade de Ensino, elas abandonaram tudo por outros e não por elas. É com essa fala que dou início ao texto de hoje.

          Em 2014, o Disque 180, Central de Atendimento a Mulher prestou atendimento a 485.105 pessoas, desses 52.957 faziam referência à relatos de violência esses dados são disponibilizados pela SPM-Secretaria de Políticas para as Mulheres. Ainda ontem os jornais noticiavam que 55 redações do ENEM 2015, segundo o MEC, tiveram relatos pessoais de violência sofrida, de acordo o Ministério, essas mulheres relataram serem vítimas ou testemunhas de alguma violência.

             Observar esses dados é perceber que nascer Mulher em um País com uma essência machista é nascer no Desprivilegio, nascer sem ter suas próprias escolhas, é nascer com a certeza de que sua vida sera incerta, que a sociedade colocará sobre si comandos que você não quer realiza, sua única certeza será que ao menos uma vez na vida você será subjugada a alguma violência física ou psicológica apenas por ser mulher.

         Dede muito cedo os filhos desse país são ensinados a serem machistas, nossos pais são machistas, nossos amigos, nós somos machistas, fomos criadas diante a uma ideologia que trata as mulheres como frágeis criaturas que são incapazes de decidir por si mesma suas ações, roupas, costumes e maquiagens, somos veladas e cultuadas para bel prazer, nos dizem o que é certo e o que é errado, e o que para muitos é cuidado na verdade é machismo, violência, controle emocional.

          Vozes gritam a cada dez segundos que elas tem ESCOLHAS, que nós temos Escolhas, mas isso não é verdade, as frases são convincentes, os gritos são muitos, nos calam e calam, as razões são muitas, filhos, pais, dependência, baixa alta estima, opressão seletiva, falta de apoio, é difícil nadar contra maré diante a tantos fatores, afinal meninas brincam com bonecas para desdê pequenas aprenderem que a elas competem os filhos, a casa, o cuidar e o amar, não foi nos dado escolhas. Recorro mais uma vez a minha monografia para falar de tal ato:

Escolha? Ela parecia inexistente em um mundo de certezas, certezas que não eram as suas. Sentiu-se culpada por seus sonhos irem além dos seus casulos, se sentiu culpada pelos olhares famintos, e pelas dores alheias, se sentiu culpada por não saber dizer não e por ser obrigada a dizer sim, se sentiu culpada por sua roupa, por seus medos, por tudo que era relacionado a si, porque simplesmente nesse momento ela era outro. (SILVA. Juliana. UERJ)

           A essas mulheres como Sandra, Tereza, Maria, minhas tias ou avós competia uma única coisa abdicar de seus direitos em prol de outros, estudar, viver, sair, sua vida não a pertencia mais e isso significava que todas as suas escolhas eram em função dos que estavam a sua volta, cuidar dos irmãos enquanto os pais trabalhavam, cuidar dos filhos enquanto o marido trabalhava, cuidar da casa e do marido, abandonar os estudos para trabalhar, abandonar o trabalho para cuidar da casa e dos que nela residem. 

           O machismo tá ali, logo ali, no canto da sala ouvindo os gritos de Não pode da mãe e as ordens do pai, se encontra na desistência em prol de um amor, nos gritos calados, nas manchas roxas inquestionáveis, nos gritos de choro, nos desabafos…

            A redação do ENEM que para muitos foi algo perfeitamente normal para outros se tornou um diário secreto, um diário aberto, um veículo para gritar ao mundo que tudo aquilo que vemos relatado no Facebook, nos jornais não é mera ficção, não é algo difícil de se encontrar, que aquilo que outros tem tanta facilidade de escrever para ela ou para ele é algo extremamente torturante pois aconteceu com a irmã, com a mãe, com a tia, com a avó, com ela.

       Essa infantilidade humana de se dizer perfeita e olhar apenas para as notas 1.000 e não questionar as notas baixas, os zeros, os motivos que foram muitos para tal ato acontecer. Para muitos pode parecer impossível que alguém que fale e lute com tamanha propriedade sobre esse assunto consiga tirar uma nota abaixo de 600, mas essa não é a realidade, não falo apenas de coesão, coerência e toda aquela finalidade da língua portuguesa, se expressar em palavras é algo muito difícil ainda mais para quem viveu algo assim. Quem garante que os mais de 104 alunos que tiveram nota mil ao menos alguns não eram os agressores que praticam tal ato, falar de agressão se torna fácil quando se é o manipulador que convence a todos que é o inocente.

            O tema da redação na verdade expôs um problema grande no Brasil a violência e a banalidade com a qual a tratamos, uma menina não pode ser assediada em um programa de televisão e isso ser tido como normal, uma mulher não pode ser morta e isso virar piada, nascer mulher não é nascer como um pedaço de carne que qualquer um pode avançar e pegar. O tema da redação expôs algo muito pior não estamos preparado para lidar com nossos erros, a sociedade te puni pela saia curta, pelo batom vermelho, pela calça apertada, pela forma como anda, a sociedade não aceita que isso é uma violência, não aceita que oprimir o outro não te faz pior ou melhor do que quem comete violências físicas, te torna igual e igualmente opressor.

         Banalizar, normalizar e romantizar, nós conjugamos esses verbos, disfarçamos a violência e impomos a elas rótulos que não cabem, ter ciúmes não dá o direito de agredir, matar e humilhar o outro. Não sei se alguns de vocês acompanham a nova minissérie da Rede Globo, Ligações Perigosas, baseada em um livro que já teve milhares de adaptações, eu não li e nem vi nenhuma delas, muito menos essa mas a internet ferve e eu vejo, mas isso não vem ao caso, o ponto que quero chegar é no Estupro que tendenciosamente foi romantizado nas telas da dramaturgia, o problema não foi a demonstração do ato, o problema foi a direção da telenovela ter romantizado o ato como se aquilo fosse algo normal, uma virgem tendo sua primeira experiência, aprendendo e deixando de ser menina, a banalidade como a cena foi tratada foi tamanha que até mesmo o site da emissora em questão apenas noticiou que fulanos ”dormiram” juntos, como se ambos quisessem consumar o ato.

         É nesse momento em que a ficção se mistura com a realidade no momento em que deixarmos de pensar que violar um corpo é algo normal, que a culpa pela violação é de quem foi violado, no momento em Pensarmos que as pessoas tem escolhas, tem desejos, elas podem dizer NÃO, elas não são obrigadas, não é por ser mulher que eu tenho que ser assediada pela minha roupa curta ou por descer até o chão. O fato de eu nascer mulher não deve significar que eu tenha que seguir uma linha reta daquilo que a sociedade espera de mim, aliás a sociedade não pode esperar nada de mim, porque nem eu mesma espero algo de mim.

         Nós como sociedade temos que olhar para outro como se outro fossemos nós, afinal nós fazemos parte da sociedade e só quando percebemos o significado da palavra empatia aprenderemos o que é viver em sociedade. 

Texto publicado por Juliana Marques em 12/01/2016