Feminismo, Poliamor, Sexo

Solidão a dois… O poliamor e a complexidade de amar

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Imagem retirada do site: sucessonosrelacionamentos.com.br

 Solidão a dois de dia
Faz calor, depois faz frio
você diz: já foi
Eu concordo contigo
você sai de perto
Eu penso em suicídio
Mas no fundo eu nem ligo
Você sempre volta
com as mesmas notícias (Cazuza)

 

Eu sou uma escritora de coisas pesadas, poucas, pouquíssimas pessoas sabem desse meu lado mais caliente, mas não é para mostrar meus textos que eu vim aqui, na verdade os leitores do blog raramente vão descobrir esse meu lado, entretanto entrei nesse tema por um simples fato eu acredito no poliamor,  o amor além das convenções sociais, um amor que não se contenta em ser só a dois, mas eu sou um contraponto, minhas histórias continuam sendo monogâmicas e cedendo ao que a sociedade acredita ser o certo.

A sociedade nos diz ‘’e viveram felizes para sempre’’, que ‘’ele era o único e verdadeiro’’, que ‘’só existe um único amor’’, isso não é mentira, mas também não é verdade, existem pessoas que amam demais, que não se contentam em sentir um único olhar e que amam amar e não se sentirem presas a determinadas convenções. Existem pessoas que amam amar loucamente o mundo, que dizem “eu te amo” para o vento enquanto beijam o mar.

O poliamor não é um fetiche, veneração a masculinidade ou feminilidade, poliamor é assumir um amor além, com respeito, com diálogo, um amor partilhado e ao mesmo tempo ampliado, amar é se doar, estar em um relacionamento poligâmico é entender que todas as partes, tem voz, não existe líder, existe amor, não se ama sozinho, se ama sendo correspondido, partilhando e não se reprimindo, afinal poli no latím significa vários, amor entre várias pessoas.

Amar, amar e amar muito, isso é poliamor, é sentir e ser sentida entre os versos de mais de uma boca, entre os olhares horas tão calmos, horas devoradores, poliamor é desejo, tesão, carinho, atenção.

O fato de eu acreditar no poliamor não significa que eu não entre em um relacionamento a dois, significa apenas que eu aceite que existam enumeras chances de eu me pegar amando alguém que não é meu companheiro, significa que meu amor não cabe a nós dois, significa dizer que eu vou me sentir só em algum momento por não estar completa, significa dizer que eu provavelmente seja uma pessoa bem resolvida quanto a minha sexualidade e que não imponha sobre ela rótulos.

A forma mais conhecida de poliamor é a poligamia, essa forma na verdade é bem recriminada pelos que acreditam no poliamor, (tipo eu), a ideia da poligamia se encontra ligada a arem, a disputa ciúmes e muitas vezes ao não diálogo, em sua maioria não existe um convívio entre todos e só entre o casal, a figura central e seus ou suas parceiras, é um relacionamento a dois, baseado no controle e na afirmação de poder.

A polifidelidade como o nome diz preza a fidelidade dos membros daquele relacionamento, seguindo as regras da monogamia, eles se relacionam entre si e são felizes assim, se relacionando e se amando, todos ao mesmo tempo, ou não.

Existe ainda os famosos relacionamentos abertos, onde os dois parceiros ou apenas um tem relações extraconjugais, baseadas apenas no desejo, continuam tendo um relacionamento a dois, não considerando as relações extras como traição.

Eu só entro em relacionamentos quando eu amo, eu entro em um relacionamento conjugando o verbo amar, mergulho, solto de cabeça, mas eu saio com a mesma sintonia que entrei quando não me sinto inteira, correspondida, minha inconstância me permite amar até mesmo quando o relacionamento termina, o amor não acaba ele estaciona e fica ali no cantinho, escondido, paradinho naquele local tão pequeno, esperando para ser desperto ou apenas abandonado ali.

O maior erro dos términos é a doce e perversa ilusão de se esperar que tudo vai ser apagado, não vai, vai ficar tudo paradinho ali, então uma boa forma de se terminar uma coisa é aceitar que iniciar aquilo não foi um erro, foi apenas um desvio, houveram tropeços mas também felicidades, acabe algo compreendo que você não é culpada ou culpado, as coisas só não podiam ficar daquela forma, por vezes imutáveis e não satisfatórias a ambos.

Amar é isso e também aquilo, amar é dizer sim e dizer não, amar é dividir e agregar, amar é odiar a sensação de se te amor. Amar é um erro matemático onde dois mais dois nunca dá quatro, amar é compreender que só você amar não basta.

Não existe amar sozinho, existe amar e conjugar com outro, ou outros esse amor, amar é se olhar no espelho e falar que “eu posso ser feliz”, é acreditar que sua felicidade só depende de você, amar é fazer sua felicidade com o outro, amar é se completar com erros e acertos, amar é ri e dançar na chuva apenas encarando aquele riso te admirando enquanto se embalava ali nos seus passos tortos.

Amar é  encarar que esse relacionamento, seja ele qual for, pode não dá certo, pode ser mal interpretado, você pode não saber lidar, amar é compreensão entre todos, amar não  é subjugar. O poliamor tá bem longe de ser uma relação de controle e sim de respeito e liberdade.

Muita gente acha que liberdade sexual, é o sexo sem camisinha ou transar loucamente, na verdade a liberdade sexual é sim você ter o direito de fazer sexo com que bem entender, é você poder falar disso sem ser recriminada, é entender os seus desejos e os desejos do outro, com respeito e cuidado (usem camisinha povo!), a liberdade sexual é o caminho para aceitar que somos livres para sermos felizes e construir ou não relacionamentos.

Devia ter amado mais / Ter chorado mais / Ter visto o sol nascer Devia ter arriscado mais/ E até errado mais/ Ter feito o que eu queria fazer (Titãs)

Construir um relacionamento não é pautar todos os seus sonhos no outro, longe disso, amar a dois, três, quatro, quantos forem é respeitar, dialogar e se tornar um sabendo que vocês não são só isso, é se amar, ter seus sonhos e sonhar com o outro. Amar se torna complexo quando se confunde com prisão, o amor não é feito de amarras… O amor deve se confundir com a loucura, com os desatinos, com a liberdade e com o respeito, não existe amar só com um.

Texto publicado por Juliana Marques no dia 22/01/2016

Feminismo, Violência

Enem 2015: Redação ou Relatos?

Eu estava no
meu trabalho quando pensei: Sabe, eu vou estudar, meus filhos já estão crescidos. Então saí do trabalho e vim ao colégio. Fiquei tão feliz quando consegui! Cheguei em casa e falei para os meus filhos e para o meu marido. Eles acharam legal e me deram a maior força para eu voltar a estudar. (Sandra Maria, 2009:86).

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      A fala em questão diz respeito a uma das muitas falas presentes na minha monografia, especificamente no terceiro capítulo que trata da questão de Gênero na Educação de Jovens e Adultos, voltar, abandonar, amar, construir versos pulados, estrofes abandonadas, isso tudo faz parte daquelas mulheres que compõe essa modalidade de Ensino, elas abandonaram tudo por outros e não por elas. É com essa fala que dou início ao texto de hoje.

          Em 2014, o Disque 180, Central de Atendimento a Mulher prestou atendimento a 485.105 pessoas, desses 52.957 faziam referência à relatos de violência esses dados são disponibilizados pela SPM-Secretaria de Políticas para as Mulheres. Ainda ontem os jornais noticiavam que 55 redações do ENEM 2015, segundo o MEC, tiveram relatos pessoais de violência sofrida, de acordo o Ministério, essas mulheres relataram serem vítimas ou testemunhas de alguma violência.

             Observar esses dados é perceber que nascer Mulher em um País com uma essência machista é nascer no Desprivilegio, nascer sem ter suas próprias escolhas, é nascer com a certeza de que sua vida sera incerta, que a sociedade colocará sobre si comandos que você não quer realiza, sua única certeza será que ao menos uma vez na vida você será subjugada a alguma violência física ou psicológica apenas por ser mulher.

         Dede muito cedo os filhos desse país são ensinados a serem machistas, nossos pais são machistas, nossos amigos, nós somos machistas, fomos criadas diante a uma ideologia que trata as mulheres como frágeis criaturas que são incapazes de decidir por si mesma suas ações, roupas, costumes e maquiagens, somos veladas e cultuadas para bel prazer, nos dizem o que é certo e o que é errado, e o que para muitos é cuidado na verdade é machismo, violência, controle emocional.

          Vozes gritam a cada dez segundos que elas tem ESCOLHAS, que nós temos Escolhas, mas isso não é verdade, as frases são convincentes, os gritos são muitos, nos calam e calam, as razões são muitas, filhos, pais, dependência, baixa alta estima, opressão seletiva, falta de apoio, é difícil nadar contra maré diante a tantos fatores, afinal meninas brincam com bonecas para desdê pequenas aprenderem que a elas competem os filhos, a casa, o cuidar e o amar, não foi nos dado escolhas. Recorro mais uma vez a minha monografia para falar de tal ato:

Escolha? Ela parecia inexistente em um mundo de certezas, certezas que não eram as suas. Sentiu-se culpada por seus sonhos irem além dos seus casulos, se sentiu culpada pelos olhares famintos, e pelas dores alheias, se sentiu culpada por não saber dizer não e por ser obrigada a dizer sim, se sentiu culpada por sua roupa, por seus medos, por tudo que era relacionado a si, porque simplesmente nesse momento ela era outro. (SILVA. Juliana. UERJ)

           A essas mulheres como Sandra, Tereza, Maria, minhas tias ou avós competia uma única coisa abdicar de seus direitos em prol de outros, estudar, viver, sair, sua vida não a pertencia mais e isso significava que todas as suas escolhas eram em função dos que estavam a sua volta, cuidar dos irmãos enquanto os pais trabalhavam, cuidar dos filhos enquanto o marido trabalhava, cuidar da casa e do marido, abandonar os estudos para trabalhar, abandonar o trabalho para cuidar da casa e dos que nela residem. 

           O machismo tá ali, logo ali, no canto da sala ouvindo os gritos de Não pode da mãe e as ordens do pai, se encontra na desistência em prol de um amor, nos gritos calados, nas manchas roxas inquestionáveis, nos gritos de choro, nos desabafos…

            A redação do ENEM que para muitos foi algo perfeitamente normal para outros se tornou um diário secreto, um diário aberto, um veículo para gritar ao mundo que tudo aquilo que vemos relatado no Facebook, nos jornais não é mera ficção, não é algo difícil de se encontrar, que aquilo que outros tem tanta facilidade de escrever para ela ou para ele é algo extremamente torturante pois aconteceu com a irmã, com a mãe, com a tia, com a avó, com ela.

       Essa infantilidade humana de se dizer perfeita e olhar apenas para as notas 1.000 e não questionar as notas baixas, os zeros, os motivos que foram muitos para tal ato acontecer. Para muitos pode parecer impossível que alguém que fale e lute com tamanha propriedade sobre esse assunto consiga tirar uma nota abaixo de 600, mas essa não é a realidade, não falo apenas de coesão, coerência e toda aquela finalidade da língua portuguesa, se expressar em palavras é algo muito difícil ainda mais para quem viveu algo assim. Quem garante que os mais de 104 alunos que tiveram nota mil ao menos alguns não eram os agressores que praticam tal ato, falar de agressão se torna fácil quando se é o manipulador que convence a todos que é o inocente.

            O tema da redação na verdade expôs um problema grande no Brasil a violência e a banalidade com a qual a tratamos, uma menina não pode ser assediada em um programa de televisão e isso ser tido como normal, uma mulher não pode ser morta e isso virar piada, nascer mulher não é nascer como um pedaço de carne que qualquer um pode avançar e pegar. O tema da redação expôs algo muito pior não estamos preparado para lidar com nossos erros, a sociedade te puni pela saia curta, pelo batom vermelho, pela calça apertada, pela forma como anda, a sociedade não aceita que isso é uma violência, não aceita que oprimir o outro não te faz pior ou melhor do que quem comete violências físicas, te torna igual e igualmente opressor.

         Banalizar, normalizar e romantizar, nós conjugamos esses verbos, disfarçamos a violência e impomos a elas rótulos que não cabem, ter ciúmes não dá o direito de agredir, matar e humilhar o outro. Não sei se alguns de vocês acompanham a nova minissérie da Rede Globo, Ligações Perigosas, baseada em um livro que já teve milhares de adaptações, eu não li e nem vi nenhuma delas, muito menos essa mas a internet ferve e eu vejo, mas isso não vem ao caso, o ponto que quero chegar é no Estupro que tendenciosamente foi romantizado nas telas da dramaturgia, o problema não foi a demonstração do ato, o problema foi a direção da telenovela ter romantizado o ato como se aquilo fosse algo normal, uma virgem tendo sua primeira experiência, aprendendo e deixando de ser menina, a banalidade como a cena foi tratada foi tamanha que até mesmo o site da emissora em questão apenas noticiou que fulanos ”dormiram” juntos, como se ambos quisessem consumar o ato.

         É nesse momento em que a ficção se mistura com a realidade no momento em que deixarmos de pensar que violar um corpo é algo normal, que a culpa pela violação é de quem foi violado, no momento em Pensarmos que as pessoas tem escolhas, tem desejos, elas podem dizer NÃO, elas não são obrigadas, não é por ser mulher que eu tenho que ser assediada pela minha roupa curta ou por descer até o chão. O fato de eu nascer mulher não deve significar que eu tenha que seguir uma linha reta daquilo que a sociedade espera de mim, aliás a sociedade não pode esperar nada de mim, porque nem eu mesma espero algo de mim.

         Nós como sociedade temos que olhar para outro como se outro fossemos nós, afinal nós fazemos parte da sociedade e só quando percebemos o significado da palavra empatia aprenderemos o que é viver em sociedade. 

Texto publicado por Juliana Marques em 12/01/2016

Feminismo

#PrimeiroAssédio – tantos gritos silenciados…

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Eu começo esse texto parabenizando à todas e todos que compartilharam seu #PrimeiroAssédio ou algum outro #Assédio ao longo de suas redes sociais, a algumas horas, uma página da Universidade, UDD (UERJ dá Depressão), cujos moderadores são estudantes da mesma e assumem a função de informar, compartilharam uma das coisas mais intensas que eu já li, Luísa Guimarães, estudante, filha, irmã, amiga que nas suas palavras e nas de tantas outras iguais a ela sofreu assédio ao longo de sua vida, ela não relatou o primeiro, ela não relatou o segundo, ela relatou algo que mudou sua vida e que quase acabou com ela, ela relatou o estupro, cometido pelo taxista que deveria leva-la para casa, ele não só a ameaçou com uma arma, como também chamou um amigo para consumar o ato, ler aquelas linhas e me imaginar no lugar de Luísa era algo tão inevitável, que me pego chorando enquanto escrevo, imaginando o tamanho desespero ao acordar sozinha, ao ser vê daquela forma, me pego imaginando o tamanho de sua dor durante todos esses dias e meses.

A dor da Luísa é a dor de milhões de mulheres, crianças, filhas e filhos, mães… amigas, desconhecidas (e também desconhecidos).

Eu já disse não consigo me lembrar de um assédio quando pequena, ele provavelmente ocorreu, lembro que minha mãe sempre me mandava correr se eu visse um carro suspeito no caminho para o colégio, lembro do pai meu falando para eu não chegar tarde, ele sempre dormiu depois de eu chegar, lembro do meu irmão que nunca foi de demonstrar tanto afeto, coisas de irmão, me abraçando em meio a olhares devoradores. Eu não me lembro do primeiro assédio, mas lembro de ser constantemente lembrada que ele, o assédio, existi, sentar na fileira do corredor, andar armada com um guarda-chuva, usar calça ao invés de saia no Metro.

Me lembro que certa vez, no meu primeiro ano do Ensino Médio, no Colégio (Estadual) Normal Heitor Lira, enquanto pegava o 906 um senhor que deveria ter idade para ser meu avô entrou no ônibus para assediar as moças, para azar dele eram muitas contra um. Também me lembro de levantar do meu lugar e preferir ir em pé porque o rapaz que estava do meu lado se masturbava enquanto me olhava. Me lembro de fingir ter uma arma e encarar meu assediador enquanto mostrava uma faca de cozinha e sorria apertando o cabo do guarda-chuva, ele desceu dois pontos depois, nunca mais sai de casa sem guarda-chuva não por ser uma pessoa prevenida, mas por me sentir segura portando aquele objeto. Eu também me lembro que não andava tarde da noite com meu uniforme de normalista pelo simples fato de não me sentir segura, afinal era uma constante caminhoneiros, motoristas de ônibus e de carros suspeitos já me faziam acelerar o passo o suficiente a luz do dia, a verdade é que assumo eu não me sinto segura e nem nunca me senti segura andando sozinha.

Segurança, medo, revolta… a dor do outro é a minha dor.

Ler sobre o #PrimeiroAssédio, pensar nos assédios que já vivi enquanto trafegava tantas vezes antes das sete pelas desertas ruas que me levam a UERJ me fizeram pensar nas roupas que não vesti, dos caminhos que criei me desviando dos meus algozes, das vezes em que tampei meus ouvidos e apressei meu passo ou ainda das vezes que não curti meu sono porquê quem estava ao meu lado era um homem, lembro também das vezes que gritei, encarei, xinguei, das vezes que fiz tudo isso e ainda assim senti em mim o medo.

Medo…

A campanha, #PrimeiroAssédio, surgiu com o coletivo Feminista Think Olga, alertando para o assédio a crianças, tais quais Valentina e tantas outras, incentivando mulheres (e sim alguns rapazes) a contar sobre a primeira vez em que foram assediadas. Tantas e tantas vezes as cantadas são tidas como elogios, coisas normais, os olhares na bunda, nos seios, as mãos bobas, os fiu-fiu são deverás naturalizados por quem os comete, pela vítima e por quem cerca a vítima.

Não, não é um elogio, quando um carro para na sua frente e grita ‘’Oh lá em casa!’’, ‘’Gostosa’’, ‘’Quero te ter toda molhadinha’’,  seu coração para e você sente vontade de correr e de chorar, quando um homem vem na sua direção te encarando você tenta desviar, você anda atenta, você muda o caminho e você ouve ‘’Gata’’, ‘’Gatinha será que mia’’, ‘’Bom Dia’’, isso não é elogio, isso não é brincadeira, isso não é natural, isso é assustador.

A três semanas o Twitter e o MasterChefe Junior andam em total sincronia negativa, primeira o assédio, depois a homofobia e agora o sumiço da participante, a equipe do programa diz que a edição foi feita de acordo com a evolução dos participantes, fato é que direta ou  indiretamente isso ocasionou em algo muito comum no julgamento humano, culpar a vítima, sumir com ela, esconde-la, a culpa é dela, a culpa é minha, a culpa é nossa, pela roupa, pelo batom, pela saia, pelo vestido, por ser mulher…

Ler o que Luísa escreveu me fez pensar no que meus pais falavam, dizendo o quão inseguro era andar dentro de um transporte sozinha com um homem, não gosto de táxi, também não gosto de Vans vazias e ônibus apenas com motorista e trocador, mas mesmo assim os pego, com medo e o meu medo aumenta cada vez que leio algum relato, algumas vezes desço no meio do caminho, corro, mudo de roupa e deixo de passar batom, outras tantas percebo que não posso viver escondida, que não posso viver no medo, na escuridão, eu não sou culpada eles são os criminosos, eles são os verdadeiros culpados, eu não posso mudar minhas roupas, minha maquiagem, minha forma de ser e os caminhos por onde ando, eu luto, eu grito, eu bato e até empurro, mas mesmo assim para alguns eu faço por nada.

Lembro que enquanto lia, o segundo sexo de Simone de Beauvoir, eu fiquei tão feliz quando ela dizia que os comportamentos sociais são impregnados em nós, existe ainda uma esperança para a humanidade, eis aí o motivo da celebre frase ‘’mulheres não nascem mulheres, tornam-se mulheres’’, todo comportamento relativo ao que sou para a sociedade foi me imposto por ela, assim como o machismo, assim como a culpa da vítima, assim como se mudar para não ser assediada.

Deixo aqui todo o meu amor a Luíza, Valentina, Ana, Sofia, Teresa, Juliana, Maria…. a tantas outras e outros que sofreram, que choraram, que mudaram seus caminhos, suas roupas por medo, deixo a todos o meu abraço de gratidão por não desistirem, por lutarem, por compartilharem tantas palavras para mostrar que outros devem se pronunciar, que isso não é algo comum, para provar o mundo que nascer com o sexo feminino não é sinônimo de nascer como  um pedaço de carne, como uma vaca que a qualquer momento pode ser levada para o abatedouro por olhares raivosos e mãos abomináveis, ser mulher não pode ser uma condição para ser assediada, para ser abusada e ser consumida.

Deixo todo o meu amor à essas pessoas, minha solidariedade, minha sorosidade, meu abraço mais apertado a todos que já fá foram vítimas de alguma forma.

Para ler a postagem da Luísa é só clicar no nome dela.

#PrimeiroAssédio Maioria de participantes de campanha sofreu 1º abuso entre 9 e 10 anos https://t.co/wehmYkLHFl pic.twitter.com/Eu8eRFbBHx

— BBC Brasil (@bbcbrasil) 29 outubro 2015

Tinha uns 8 anos e esperava minha mãe nas compras. Dois rapazes passaram por trás, pegaram na minha bunda e saíram rindo. #PrimeiroAssédio

— Bruxa Onilda (@byankarruda) 21 outubro 2015

Texto Publicado Por Juliana Marques em 30/10/2015

Crianças, Feminismo

Keep Calm é só o ENEM! (Ou será que é a vida?)

KEEP

Sobre o ENEM: Sim, estou muito feliz com o fato do ENEM fazer jus ao rótulo de Exame Nacional de Ensino Médio, e de fato ir além das questões programadas que os cursinhos e algumas escolas se propõem a ‘’ensinar’’, mas eu continuo achando esse sistema de avaliação deverás arcaico, não por privilegiar uns e outros, até porque o ENEM é baseado em currículo Nacional, mas eu não acredito em um sistema de avaliação que te ponha a prova durante dois dias, em meio ao seu nervosismo e as insistentes crises de TDAH, preferia em uma ideia utópica ser avaliada por minhas competências, assim seria mais fácil e justo.

Mas falemos das questões do ENEM, teóricos conceituados, FREIRE, MARX, Beauvoir, e um monte de outras pessoas que tentaram mudar o mundo, história e geografia aplicada de maneira social e cultural, segundo relatos as questões de português também estavam trabalhadas na amorosidade, nas variações linguísticas e bem a provas de ciências exatas era a prova de ciências exatas.

O que eu quero dizer é o seguinte tanto se foi comemorado durante o dia sobre tudo isso, sobre esses pensamentos, sobre esses autores, sobre tudo, que uma questão pairou em minha cabeça o dia inteiro, esses autores são trabalhados da forma que se devem ser trabalhados com os alunos em sala? Eles são ensinados a refletir sobre esses assuntos? E se eles que tanto quiseram quebrar o sistema estavam sendo usados a favor do sistema eles estavam agora excluindo?

Eu realmente fiquei feliz pelo ENEM fazer jus a uma formação Humana, que aliás se faz presente com a obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia, mas a questão é: Mesmo que as ideias mais contemporâneas sobre igualdade de direitos tenham sido expostas nessa prova, na prova anterior (2014) e nas demais (que vão vir e já vieram), isso não vai significar nada se a formação de alunos e professores continuar a ser uma formação que valorize a reprodução, a programação e a desigualdade, onde a lógica da exclusão se faz presente em um exame que deveria incluir, afinal quantas escolas entre públicas e particulares se preocupam realmente com isso??? Quantas escolas ouvem seus alunos??? Quantas escolas de fato fazem o que é proposto pelas Diretrizes???

Entre os milhares de comentários de comemoração pelos temas propostos ouso a falar que o barulho foi feito sem reflexão alguma, é fácil falar do que é machismo, violência, exclusão do lugar onde estou, acabei a faculdade de pedagogia, minha formação é em humanas e digo com clareza que as crianças que prestaram esse vestibular em sua maioria não tomaram ciência política da metade das questões naquela prova. Sim, eu os chamei de crianças, cada dia mais cedo eles prestam vestibular, se preparam para um mercado de trabalho no jardim de infância enquanto aprendem o terceiro idioma, mas isso é um outro texto.

Chega a ser engraçado em meio a um dia em que uma prova e sua redação pro vestibular causou tanto rebuliço uma pequena reportagem do Fantástico chamar atenção justamente pela controvérsia, um dos quadros, intitulado ‘’o grande plano’’ com a presença de três artistas acima de sessenta ( Berta, Vilma e Elke), a participante a pedido do marido teria que mudar seu estilo de se vestir por causa do marido, ele achava suas roupas apertadas, curtas e transparentes, e as três senhoras concordaram, em meio a uma grande discussão sobre direitos das mulheres ideias tão ultrapassadas se fazem presente, ‘’o que as pessoas vão pensar’’, as pessoas não deveriam pensar nada, o corpo é dela, a vida é dela, ela se veste como ela quiser e ninguém tem o direito de falar algo sobre isso.

Vivemos em um mundo onde o machismo se encontra tão impregnado que não conseguimos nunca achar a raiz do problema, o tamanho da roupa, a cor do batom, o solto, a falta de pintura, pequenas ações, detalhes que são nos impostos todos os dias como forma de controlar nosso corpo, não somos objetos, somos mulheres.

Deixo aqui a minha reflexão sobre esse ENEM, talvez essa seja a pequena revolução que começou no lugar mais improvável para que futuramente os vestibulandos não precisem decorar formulas e formulas em meio a um desespero para passar no vestibular. Quem sabe seja essa a hora de refletir sobre o que é ensinado nas escolas desse país?

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas

As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas

Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
As suas novenas
Serenas

(Chico Buarque)

Texto de Juliana Marques (publicado no dia 26/10/2015)

Feminismo, Sexo

Sexo, sexo, sexo e Mulheres

silhueta-adesivoE eu te farei as vontades

Direi meias verdades

Sempre à meia luz

E te farei, vaidoso, supor

Que és o maior e que me possuis

(Chico Buarque, Folhetim)

Atire o primeiro verso quem já não ouviu uma cantada na rua por causa da roupa que vestia, ou só por se mulher? Quem não se sentiu constrangida e até mesmo com medo por conta disso? A grande realidade é que nós, mulheres, apesar do século, ainda somos vistas como um pedaço de carne, uma prenda, uma caçada, algo que tem que ser alcançado. ‘‘Prendam suas cabras que meu bode está solto’’.

Não, eu não gosto de me ver comparada a um objeto sexual, e pior ser ligada a bebidas alcoólicas, ter meu corpo rotulado e comercias me dizendo que tenho que ser sexy e provocante. Posso até ser sexy e provocante, mas eu tenho o direito de não ser só isso, de ser mais do que simplesmente o meu corpo, de ser um pouco mais do que as curvas das modelos, das famosas grifes europeias, desculpe-me não sou Europeia e meu biótipo não me fez assim, não me prenderei a isso, julguem-me…

Atire o primeiro copo quem nunca se olhou no espelho e não se sentiu perfeita da forma que era, quis quebra-lo, taca-lo longe, esconde-lo com um pano preto, afinal a culpa era dele de não sermos como as moças dos comercias e as modelos, a imagem do feminino é inventada pela mídia que nos faz pensar que somos imperfeitas e comprar mais e mais a imagem da perfeição nas prateleiras de cosméticos. Tudo bem, gostamos de nos sentir bonitas, e por isso compramos, opa houve um erro nessa frase! Compramos para nos sentir bonitas, mas quem definiu esse padrão de beleza? Para quem queremos ser bonitas, para outros ou para nós?

E é nesse ponto que finalmente chegamos, o consumismo, o mercado, as prateleiras, as revistas, as academias, os produtos Detox, não vejo nenhum problema em nenhum desses itens. Mentira, eu vejo todos os problemas, incluindo no meu pote de sorvete e no chocolate que como para compensar minhas frustrações, eu sei que cada um deles vende uma imagem de mulher perfeita, que a sociedade espera que eu siga. Eu não sou perfeita, e pior não tenho a menor ideia, se a ideia de beleza que eu tenho foi algo que eu criei ou se me foi completamente induzida.

Simone de Beauvoir um dia falou que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Atire o primeiro vestido, de preferência o rasgue quem nunca se teve estigmatizada só por que preferiu os livros a balada, as lutas ao balé? A sensibilidade feminina é algo inventado, já houve um tempo em que as mulheres sequer criavam seus filhos, até mesmo o amor materno é uma invenção moderna para segurar as mulheres. O que são as bonecas, as casinhas, a divisão de brinquedos em azul e rosa, em brinquedos de menina e menino se não a rotulação do que as meninas podem e não podem ser…

Pensem amados leitores, mulheres foram presas apenas por dizer que amavam e que esse amor não eram por seus maridos aos quais foram obrigadas a se casar, ao longo dos séculos nossa liberdade foi fielmente castrada, nossos desejos extintos, nossas roupas redesenhadas não para nos agradar mas agradar aos olhares, calça não era coisa de mulher descente, nossos cabelos foram quimicamente tratados para ceder a um padrão de beleza que não era o nosso, nos foi ensinado a obedecer sem questionar, a não falar sobre determinados assuntos, a torna-los tabus e só serem tratados nas rodas de amigas.

O que somos, sobre o que falamos, o que vestimos, o tamanho da minha saia, meu jeans apertado, nossos gostos, curvas e desejos, não deveriam ser tabus. Somos seres humanos antes de tudo, não derretemos como açúcar na chuva, não necessitamos que alguém nos proteja, nossa roupa não deveria ser controlada, quem vai vesti-la somos nós e não eles, temos desejos e sentimos vontades, isso não é privilégio do sexo masculino. Atire o primeiro batom quem nunca deu aquela olhada na bunda do rapaz, sentiu um enorme desejo de gritar ‘’gostoso’’, ‘’ah lá em casa!’’, ou quem sabe ainda em um pensamento mais ousado sentiu vontade de passar aquela mão boba, “ops, escorregou! ’’. A verdade caros leitores é que nós mulheres não fazemos isso, não com frequência, se fazemos somos rotuladas de inúmeros adjetivos que não vale aqui mencionar, enquanto os rapazes são rotulados com adjetivos que exalam sua masculinidade. E só como ressalva a esta frase mal formulada os corpos sejam do sexo que for, devem ser respeitados e tocados apenas quando for do desejo e do consentimento de ambos, não somos objetos que são simplesmente manuseados a vontade alheia.

Meus caros leitores, porque essa introdução para falar de sexo? Simples, sexo não é algo simples, é algo que vai além dos desejos e das mãos nas inúmeras partes de dois corpos, ou dos inúmeros orgasmos em uma única noite, ou ainda dos gemidos naquele pequeno cômodo, sexo é isso, mas também é aquilo. E quando eu falo “aquilo”, refiro-me à liberdade de se fazer quando e a onde quiser, da forma que quiser, e principalmente com quem quiser, sexo é um tabu comercializável e rentável. E todas aquelas ideias da mulher perfeita se empregam finalmente a esse ponto, no sexo, nos orgasmos fingidos, em toda a ideia do corpo perfeito por baixo dos pedaços de pano que componha a fantasia, para quem nos vestimos nessa hora? Queremos muito mais do que apenas nos sentir desejada, queremos que seja bom, queremos o desejo e o prazer e não só simplesmente dar…, só uma ressalva nós olhamos e também comparamos, afinal é para isso que servem as famosas rodas femininas forjadas nos banheiros, mesas de bar, shopping, praia e salas de aula.

Me perguntei durante um bom tempo o motivo de cinquenta tons de cinza fazer tanto sucesso entre as mulheres, eu sinceramente não sei, já li livros mais interessantes, e que fique claro eu não li cinquenta tons, eu não consegui passar da página 15, gosto realmente é algo indiscutível.

A liberdade sexual feminina, a liberdade feminina no geral, foi algo que ocorreu muito recentemente, quem éramos nós para falar de sexo? Meros objetos que apenas davam prazer, que não recebiam e nem sentiam…, para mim esse é o X do sucesso de vendas, não que o livro seja bom, mas sim o fato dele ser escrito por uma mulher para mulheres, uma escrita que fez milhares de mulheres falarem indiretamente ou diretamente aos seus parceiros que não estavam satisfeitas na cama, que os gritos na hora H na verdade não existiam, que elas queriam inovar outras posições, que existiam outras formas de se fazer sexo oral que não fosse ela nele e sim ele nela. Eu particularmente faria o querido e problemático Gray, sentar no meu divã para curar o seu egocentrismo, obsessão e o machismo, mas não estamos falando dele no momento e sim no fato dele proporcionar prazer, a problemática, submissa e dependente Anastácia.

Como puderam perceber não sou muito fã do livro, na verdade a literatura erótica, e até mesmo na não erótica, no geral faz de nós mulheres objetos de prazer, algo a ser consumido e domesticado, algo frágil e que merece ser protegida a personagem principal que na verdade é mera figurante faz suas ações girarem entorno do galã másculo e viril, olhando por uma ótica generalizadora acaba por fazer o mesmo que o mercado de consumo nos vende a ideia de mulheres sem alma, prontas para o abate, mulheres perfeitas e quebráveis, mulheres de plástico sem desejo ou vontades, mulheres de papel completamente moldáveis.

Acho que vocês vão gostar de saber que estou sentada escrevendo esse texto completamente despenteada, pensando na garrafa de coca cola e na rabanada absolutamente gordurosa na geladeira, Minhas unhas pela metade do esmalte, e o lápis de olho borrado. Quem liga para isso afinal? E daí se estou assim? Meus pais sempre me dizem que se é para me arrumar que seja por mim e não por outros, acho que estou seguindo esse conselho…

Texto de Juliana Marques (publicado Originalmente no dia 31/08/2015)