Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, Minhas Crônicas, Sexo

Carta 2: Saudade

Felipe Catto – Saga

Confesso que tenho saudade do seu corpo,

Uma saudade tão palpável que quase posso te vê na minha frente, me falando de amor com os olhos, me devorando em palavras indecifráveis enquanto reconhecia meu corpo com sua boca.

Tenho saudade de como você enlaçava nossas mãos, enquanto fazíamos das paredes do velho apartamento nossa cama.

Eu ainda sinto teu gosto na minha boca, o gosto do teu pescoço, do teu suor, do teu prazer. Sinto teu gosto enquanto sinto a pressão da parede em minhas costas e tua pele em minhas unhas.

Ainda ouço teus gemidos, consigo ver seus lábios se abrindo enquanto sentia meus dentes na tua pele, seus olhos se fechavam quase que automaticamente, você me encarava rápido e depois voltava a se perder nos meus seios.

Sinto saudade de como seus lábios ficam vermelhos e inchados e de como as pontas dos meus dedos ficam vermelhas enquanto eu me perdia no seu cheiro e sua boca se perdia em meu corpo.

Sinto saudade da sua boca e de como ela dizia coisas que eu não sabia precisar ouvir enquanto me sugava em prazer.

Sinto saudade de te perder no meu corpo, de ficar cega de prazer e de só sentir teu rastro.

Sinto saudade de te ouvir dizendo que me amava enquanto me encarava timidamente esperando que eu te dissesse o mesmo.

Sinto saudade de como eu não precisava dizer com palavras o que eu sentia, sinto saudade de como minhas palavras mudas se faziam presente por minhas pernas encontrando as suas.

Sinto saudade dos seus beijos vorazes.

Sinto saudade do teu cheiro no quarto, dos lençóis amarrotados que não fazem mais parte de nossas bagunças.

Sinto saudade das nossas conversas repentinas no meio da noite, da nossa respiração apertada e dos barulhos produzidos por nossos corpos nos fazendo lembrar da insaciável vontade de matar nossa sede.

Sinto saudade de como tínhamos facilidade de criarmos um mundo desconhecido e de como nos conhecíamos no nosso silêncio.

Sinto saudade do céu que só existe enquanto estamos juntos, das estrelas que nomeamos com nomes estranhos e dos planetas que ainda vamos conhecer.

Sinto saudade daquilo que só nós sabíamos fazer, dos nossos abraços cúmplices em meio ao nosso verão nos dias de inverno.

cartas, Crônica, silêncio

Só te direi mentiras.

Believer

Eu te disse, nem sempre eu vou ser a melhor versão de mim, as vezes eu vou te decepcionar e bem, isso é decepcionante. Nesse momento eu sou a pior versão de mim e isso não me dá orgulho.

Eu sei que eu sou ácida, uma agulha espetando alguém que não pode se defender, um incêndio em folhas secas, eu sou tudo isso, mas eu não sou só isso.

Eu sei o que eu sou e talvez eu goste de ser assim, talvez eu goste de não pensar em tudo que eu falo, nem nos sentimentos a minha volta, talvez eu devesse sempre ter sido assim. A probabilidade de qualquer um se envolver comigo seria remota, causaria menos dor e não estaríamos aqui nesse momento: nos encarando como dois estranhos sem nada a dizer.

As palavras sempre somem em meio a desilusão, é quase como um vidro embaçado pelo sereno. Tentamos voltar no tempo e viver como se tudo que vivemos juntos nunca tivesse existido. É como reiniciar o jogo e pular uma fase para chegar direto no final, eu não sei o quão bom jogador você é, mas isso não funcionou comigo.

Tudo é apenas um talvez, essa é a pior versão de mim e não significa que eu também não esteja me machucando enquanto estou vivendo sendo assim. Seria hipocrisia eu falar que eu não sei o que falei, ou que eu não me arrependo da forma como falei, mas não posso voltar no tempo, sinto muito se eu fui a pior versão de mim com quem só conhecia a melhor versão.

Mentira, você já conhecia meus pecados, meus delitos, meus erros e minhas insistências, talvez dessa vez nós dois tenhamos caído no mesmo ponto do jogo, por motivos diferentes, de formas diferentes, talvez eu tenha realmente sido a pior versão e isso tenha me feito voltar ao início do jogo e zerar todas as fases que eu já tinha vencido.

Eu escrevi durante tanto tempo sobre os silêncios dos outros que esqueci de escrever sobre a tempestade que eu sou. O que eu sou é tão devastador quanto o que existe em você, só que existe uma diferença bem grande entre eu e você:

Você convive com tempestades desde que nasceu e não consegue as controlar elas moram dentro de você e eu, bem eu sou uma tempestade a todo instante que as vezes pode trazer abonança e as vezes devastação.

Não vou pedir desculpa por ser quem eu sou, por meus destemperos nas horas impróprias, por minhas palavras repletas daquilo que você nunca esperou ouvir da forma que ouviu de mim.  Seu erro foi não entender que não era com você e transformar tudo isso em uma leitura particular do que eu sentia por você.

Isso foi realmente um erro, eu ainda te amo como sempre amei, um amor destemperado, repleto de despropósitos e completamente inesperados. Espero que eu ainda te ame durante um bom tempo, eu gosto de amar as pessoas. Eu gosto de te amar porque assim como eu, você não é perfeito, é cheio de defeitos, é dúbio e cheio de sentimentos a flor da pele.

Te amar é fácil, te fazer entender que eu te amo é difícil, é como se eu estivesse em um jogo onde tenho que dar um passo de cada vez e as vezes em uma jogada errada eu tenho que voltar alguns passos para trás. É um desafio, um intenso e divertido desafio que as vezes é recompensado com um sorriso bem pequeno ou um abraço meio sem jeito, sem palavras e sem propósitos, mas ainda assim cheio de sentimentos.

Eu não sei quantos passos eu dei para trás, mas sei que a cada dia eu estou mais perto da linha de largada e menos perto da de saída, eu não estou cansada de jogar esse jogo e nem me sentindo culpada por errar tantas vezes, eu jogo sozinha, sem direito a dicas então é um desafio, eu gosto de desafios, reiniciar o jogo as vezes é bom ao menos já se sabe onde não se deve errar.

É difícil entender, eu assumo, as horas e os dias passam e nós nos distanciamos, não pela forma como agi, mas por você transformar tudo que aconteceu antes em uma mentira, como se eu nunca tivesse sido eu mesma antes, como se todos os dias anteriores fossem uma história para ninar crianças. Você é o dado que dita quantas casas eu tenho que voltar até finalmente eu poder te alcançar novamente.

Quando você reinicia o jogo quem está do seu lado vai sempre pensar que você vai cair no mesmo ponto novamente, vai cometer os mesmos erros e vai desistir em algum momento, porque nem todo mundo persiste. Então enquanto você espera que eu não erre, você também está esperando por todos os meus erros para me afastar ainda mais de você. É assim né? Sempre foi.

Eu sou muito boa em ler pessoas, em ler silêncios, mas eu não sou boa em deixar as pessoas me lerem e isso torna tudo muito difícil, eu jogo sozinha, eu jogo contra mim.

Eu sou tudo que você espera que eu não seja, seu erro foi também o meu erro, acreditamos que eu conseguiria não ser aquilo que eu sou, humana. Você também não é o que eu esperava e talvez por isso eu entenda o que você sentiu ao me ver ruir.

Eu chorei quando você ruiu pela primeira vez e me mostrou que nada era perfeito, você ruiu tantas e tantas vezes diante de mim que eu só consegui pensar que eu tinha que me manter inteira para não te deixar quebrar ainda mais.

Eu definitivamente não deveria ter feito isso. Eu menti sobre a única coisa que eu não deveria ter mentido. Eu erro, cometo meus pecados e não me arrependo, sou insana nas horas vagas e isso é como chuva no deserto é uma tempestade devastadora dentro de mim.

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Carta 1 – Despedida

Silêncio.

De todos os silêncios que eu poderia desejar, o seu silêncio é o pior de todos. Não percebi quando começou e não sei se um dia vai terminar.

Barulho. 

De todos os barulhos que eu esperava ouvir, o som da sua voz me pedindo para eu não voltar era o último som que eu imaginei quebrar a barreira do nosso silêncio.

Loop

Você me mandando seguir sem olhar para trás é tudo que se repete em minha memória, de forma vagarosa e cruel, é como uma janela se estilhaçando no chão.

Esquecimento. 

Não vou dizer que eu espero que se lembre de mim para todo o sempre, eu prometo que você não vai virar uma vaga lembrança, mas não tenho certeza se ainda vou lembrar do seu vago sorriso enquanto dividimos histórias que nunca vivemos. 

Lembranças. 

Me pergunto quantas lembranças de verdade conseguimos criar juntos sem desistirmos dos nossos planos?

Medo.

Confesso que eu tenho medo de te esquecer e, que talvez me esquecer não seja o seu medo. 

Verdades. 

Talvez nossas vidas se tornem melhores se não estivermos juntos. Nos machucaríamos bem menos em meio a todas as nossas expectativas. 

Mentiras. 

Toda vez que eu abrir um livro complicado que explique coisas simples, eu vou me lembrar de você, mas vou fingir não lembrar, fingir te esquecer e, ignorar todas as páginas que dizem tanto sobre você. 

Ilusão

Aceito que você possa me esquecer, mas lá no fundo eu ainda terei a ilusão de que tudo vai terminar bem de alguma forma, terminar bem pode ser que nós nunca nos encontremos novamente.

Desculpa.

Eu deveria ter cometido menos erros e pedido mais desculpas.

Expectativa. 

Eu te fiz acreditar que eu era diferente, que eu te ouviria em todas as situações, que eu te abraçaria em todos os momentos e que eu te amaria independente do que houvesse. Era verdade, mas também era mentira. Tem dias que eu não me amo, que eu não me ouço, que eu não me entendo. 

Solitude. 

Eu vivo entre muitos, gosto de vozes e de barulho, mas ainda assim sinto falta do seu silêncio que ensurdece meus momentos mais peculiares.

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Armário bagunçado

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Para uma outra criança que encontrei por aí… talvez ela seja tão bruxa quanto eu.

Tudo era uma confusão.

Não sabia o que sentia, não entendia nada que acontecia, as vezes tudo que sabia era que a incerteza eram sua única certeza;

Não contava mais quantas vezes seu riso escapou ou quantas vezes suas lágrimas surgiam sem motivo aparente.

Não entendia como respirar podia ajudar, sentir a vida se esvaindo entre sua corrente respiratória nunca ajudou.

Era pesado sentir tudo aquilo entrando e saindo de dentro de si…

Contou todas as vezes que deixou cair algo importante enquanto respirava:

Deixou cair seu coração…

Deixou cair seu equilíbrio…

Deixou cair o que acreditava ser certo.

Tudo escapou naquele espaço tão pequeno que existia entre os sentimentos e o vazio.

Sentir…

Era bom sentir, sabia que vivia assim dessa forma: sentindo.

Era ruim sentir, era devastador não poder controlar o que sentia.

Tentou guardar tudo no armário, mas era muita coisa e quase nada cabia naquele espaço tão pequeno, as portas logo cederam e tudo desmoronou em cima de si.

O ar fugiu, e tudo ficou mais turvo do que costuma ser.

Se deparou com coisas que nem ousava pensar ter guardado, havia guardado realmente muita coisa.

Encontrou seus gritos escondidos no fundo do armário.

Encontrou as palavras carregadas de sentimentos que guardou por baixo de todas as tralhas desimportantes.

Encontrou as vozes, aquelas que queria esquecer, mas que não podia negar a existência, elas se multiplicavam.

Se culpou, afinal não soube guardas as coisas dentro do armário.

Se culpou porque quando olhavam para si viam aquela bagunça toda que escapava daquele espaço tão pequeno.

Se culpou porque supostamente sua bagunça havia respingado em outras pessoas.

Era estranho, complicado e inteiramente desconfortante.

Tudo que sentia era rápido e não podia controlar, não entendia muito bem como as outras pessoas escondiam tão bem tudo dentro de seus armários.

Não entendeu quando quis se enfiar por inteiro dentro daquele espaço tão pequeno e quebrado.

Respirar doía e ninguém deveria sentir dor enquanto respirava, mas nem sempre era assim.

As vezes respirar era bom, sentir todo aquele ar correndo dentro de si era confortante, era sinal de liberdade, de vida, de história.

Queria ser como o vento, livre, entrar e sair sem pedir licença.

Queria sair sem que perguntassem o motivo, queria sentir que era vida, que era a vida que existia nos outros e em si.

Queria sentir e saber o que sentir.

Preferia pontos finais á vírgulas, não gostava de criar continuação para nada, até gostava, mas se preocupada demais com tudo, pontos finais eram rápidos emergências e não precisavam de explicação.

Era difícil entender que tudo que sentia era seu, eram suas angustias, seus medos, suas alegrias e amores, tudo era seu e de mais ninguém.

Ninguém poderia engavetar o que sentia, ou guardar nos cantos do armário aquilo que não agradava por muito tempo.

Era difícil, era dolorido, era confuso, mas também era bom, afinal as vezes é bom no meio de toda aquela bagunça que desaba sobre nós descobrirmos que lá dentro também está guardado o que somos.

É bom nos reencontrarmos, redescobrirmos o que sentimos e entender ou desentender o que nos faz chorar e sorrir.

 

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“Não me toca, por favor não me toca”,

Têm dias que é difícil se concentrar no mundo, têm dias que é difícil se entender e entender o outro.

Teve dias que eu me perguntei como seriam aquelas crianças quando crescessem. Teve dias em que eu as reencontrei.

Por favor, não me toca.

Eu sei que parece estranho, mas isso me machuca.

Dói quando você me toca, quando se aproxima demais e quando me abraça assim tão apertado. Às vezes parece que está tudo queimando aqui dentro.

Eu queria ficar para sempre no seu abraço, mas isso me machuca, e eu nem sei explicar o que sinto, então eu só espero que seja rápido e que você entenda o quanto isso me machuca.

Eu não consigo explicar, eu não consigo entender, as vezes você me faz sentir em casa, mesmo quando eu não consigo entender o que é uma casa de verdade.

Às vezes eu não sei o que falar, e falo desordenadamente sobre qualquer assunto, mas é que poucas vezes alguém tenta me ouvir.

Às vezes eu troco de assunto sem nem perceber, eu não faço de propósito, é só que é difícil pensar tão rápido e não conseguir controlar o que surge na minha cabeça, eu não consigo me controlar, eu só queria seguir em um único caminho, mas vez ou outra me perco por tantos lugares que nem sei onde estou.

Às vezes eu preciso falar comigo e não gosto que me interrompam, não gosto que não entendam que essa é minha forma de me entender. Eu até tento agir naturalmente, mas nem sempre dá, tem dias que não dá para controlar e parece que tudo que acontece faz tudo ficar ainda mais complicado.

Às vezes eu não quero falar, mas não é que eu não tenha o que dizer, é só que eu não consigo falar. NÃO CONSIGO, por favor entende. Eu só quero ficar quieto, em silêncio, sem todo esse barulho que eu causo e sem todo esse barulho que me causam.

Eu não sei se você entende, ou quão estranho deva ser você para tentar me entender, mas tudo que eu queria era não ser eu e não sentir tudo que eu sinto.

Às vezes eu não sei o que fazer, é complicado ter tantas opções e não saber para onde ir. Tudo dentro de mim parece apertar, minha cabeça fica tão bagunçada que as palavras somem e eu não consigo entender para onde vou.

Eu não gosto de aglomerações, não gosto quando tudo que tenho que fazer é conviver com um monte de gente que não fala comigo, que não me conhece, que encosta em mim sem me avisa, isso faz meu coração acelerar, eu fico atônito tentando fugir, minha garganta arde, meu corpo queima. Parece que tá todo mundo olhando para mim, eu não gosto de ser o centro de toda a atenção.

Tem dias que eu não sei o que sinto por você, não sei se gosto ou não de você, não gosto de como você insiste em ficar perto de mim, não gosto de gostar de ficar perto de você.

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Respirar

Tente passar pelo que estou passando
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar pois estou te amando

-Pérola Negra

Composição: Luiz Carlos Dos Santos

Certo dia senti vontade de voltar a escrever e senti preguiça, o texto morreu antes mesmo de nascer. Mas hoje em meio a meditação ao som de Caetano e os livros de engenharia de requisito que eu deveria ler, resolvi me arriscar a escrever sobre o que mais amo amar, pessoas.

Ao irmão extraterreno.

Era confuso, muito confuso.

Ninguém entendia, nem quem estava perto e muito menos quem estava longe. Nem ele se entendia.

A respiração pesava, e parecia acumular um bolo no meio do peito, era pesado, estava cansado, a dor não era explicável e nem tinha remédio, era angustiante e tudo que queria era se encostar em algum lugar, onde a dor tão inexplicável pudesse ser sentida.

Respirar, respirar era tudo que queria. Fechar os olhos e ouvir o som das ondas batendo nas pedras, como ninguém jamais o ouviu.

Não gostava de responder perguntas, porque geralmente não tinha respostas. Não gostava de não ter explicações para as lágrimas ou para o acumulo no peito que o impedia de encontrar palavras e tentar se explicar.

Ele nem sabia os motivos de tentar se explicar, mas era como se a todo instante lhe cobrassem isso. Era dolorido, denso e perverso, não tinha explicação.

Respirar, tudo que restava era respirar e sentir todo aquele ar invadindo seu corpo. Respirar era se sentir pesado pelo que não conseguia colocar para fora.

Era estranho como todos achavam que o conheciam, e que tinham a solução para o que estava sentindo. No meio de todo aquele caos que eram seus sentimentos, tudo que conseguiam era que ele achasse que seus sentimentos eram o problema.

Ele respirava forte e engolia o que queria sair, respirar as vezes era se sentir fora do próprio corpo. Respirar era dolorido, machucava e rasgava. O que não podia sair transbordava e inundava quando menos esperava.

Respirar, respirar e fechar os olhos, tudo escuro, tudo que se ouve são gotas caindo no nada, vazio sufocante. Respirar era viver em um silêncio barulhento.

Era difícil se ouvir em meio a todo aquele barulho que vivia sua mente, não eram frases fáceis de serem compreendidas, era tanto barulho que lhe dava vertigem e facilmente ele se perdia principalmente pelos caminhos fáceis.

Era mais fácil aceitar que seus passos jamais seriam retos.

Respirar, respirar as vezes era pesado, mas também era leve. Respirar era ter calma, para não se engasgar com si mesmo.

As vezes ele conseguia se entender, não era tão fácil, mas se contentava em chegar mesmo que por caminhos tortos nos lugares que deveria.

Respirar enquanto caía e se machucava era uma especialidade, o ato de respirar era longo, denso e solitário a espera que no final alguém o enxergasse e o ajudasse a levantar, alguém que o ajudasse a respirar.

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Mentiras sobre “nós”

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Disponível em pxhere

 

Atenção: esse texto contém menção a depressão, abuso e suicídio. Se achar que isso pode ser um gatilho, por favor não continue essa leitura.

Nó: Enlaçamento de fios, de linhas, de cordas, de cordões, fazendo com que suas extremidades passem uma pela outra, amarrando-as. [Figurado] Vínculo; ligação estreita entre pessoas por afeição ou parentesco. [plural] nós.

Nós:Pessoa que fala e mais uma ou várias;

Dicionário: dicio

Quando a criança falou, eles não ouviram;

Quando tropeçou enquanto tentava fugir, ninguém estava na sua frente para frear seus passos;

Quando disse “não”, ninguém desconfiou que era medo.

Quando disse “sim”, ninguém percebeu que ele gritava por dentro dizendo não.

Fugiu, ninguém percebeu;

Gritou, falaram que era birra, “coisa de criança”;

Seu corpo não parava quieto, mas “era o efeito da hiperatividade”;

Roeu as unhas, puxou os cabelos, mordeu os lábios, “era de ansiedade”;

Cresceu, e quanto mais crescia mais remédios de nomes complicados conhecia;

Não gostava de chorar, de falar, de respirar, “o nomearam como depressivo”;

Não queria engolir a comida, já engolia muitas palavras enquanto diziam ser só mais “alguns de seus delírios”.

Se retraía, tentou se esconder, encolheu seu corpo e tremeu, “não suportou tudo que teve que segurar”. Não estava frio, mas tremeu.

Chorou como chorava quando era criança, não adiantou, ninguém veio em seu socorro, tudo continuava no mesmo lugar, a cama, o chão, as paredes, e os gritos que com o tempo aprendeu a conter.

No fim de tudo, nada restou, as lágrimas caiam, e a dor que o dilacerava era mais cortante que o objeto que ele usou para dar fim a tudo.

Não se despediu, não disse “eu te amo”, não mandou sinais de aviso. Ele apenas foi, foi ser livre enquanto deixava suas verdades finalmente saírem e como se não se importasse se iriam ou não acreditar nelas depois de tanto tempo. Ele apenas foi, sem se importar com tudo que podiam dizer.

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Diáspora

Diáspora.png

Diáspora : dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica.

Se perderam…

Não era silencioso, havia correria, era turbulento…,

se perderam mesmo de mãos dadas.

Eram rostos tão diferentes, vozes diferentes, ninguém se entendia, ninguém se conhecia e os que se conheciam se perdiam, ou haviam perdido.

perdido, perdido tudo, desde abraços, afagos até lembranças.

Não existiam mais as paredes que guardavam segredos, ou a escadas responsável por tantos tombos, não tinham como voltar para os braços que recebiam sempre abertos.

Tudo se perdeu não só para si como para todos.

Eram desconhecidos que reconheciam suas dores, as mãos que consolavam eram igualmente consoladas.

O peito subia, o peito descia, as pernas tremiam, a voz falhava, não se reconhecia, procurava por quem lhe pertencia.

Seu pedaço da história havia se perdido de si, o vento era quente e sufocante, lhe roubava todo o ar, era como se sua cabeça não conseguisse se concentrar, pesava.

Tudo pesava, pesava mais do que quando o carregou no ventre, pesava mais do que quando o carregou pela primeira vez nos braços.

Não entendia o que acontecia, uma hora o tinha tão perto de seus braços e no outro o perdia.

Não havia vento, e ainda assim sentia como se seus passos fossem a cada instante apagados.

Não havia como olhar para trás, não tinha como voltar.

Nada mais existia, nada além do desespero de não se ter para onde ir e pra quem voltar.

Transforam as lembranças em poeira, tiraram seu futuro das suas mãos.

Sentiu a dor dos que perderam seus amores, sentiu sua própria dor enquanto gritava em desespero.

Doeu, se dilacerou por dentro.

Fechou os olhos e viu a massa cinzenta, o fogo, e o vermelho carmim que manchava tudo inclusive sua roupa.

Se perdeu,

aos poucos se perdeu dentro de si.

A escuridão foi aos poucos enevoando tudo…

Quando mais se apertavam para caber naquele espaço tão pequeno, mais sua cabeça recordava os gritos.

A dor aumentou, não existia luz.

A angustia entalou na garganta, não tinha o que mais por pra fora além de seus gritos.

Atravessamos o mar Egeu
O barco cheio de fariseus
Como os cubanos, sírios, ciganos
Como romanos sem Coliseu
Atravessamos pro outro lado
No Rio Vermelho do mar sagrado
Os Center shoppings superlotados
De retirantes refugiados

(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte)

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Procursu

fuga

Correu,

Caiu,

Desesperou-se,

Não olhou para trás enquanto fugia,

Correu mais um pouco, não se importou se o joelho estava ralado, se estava descalça, se tudo em si doía.

Atravessou a cidade aos gritos e mesmo assim ninguém a ouvia.

Seus gritos se tornaram silenciosos, suas dores passaram a não importar, era mais uma entre tantas e tantas na rua.

Correu, quando sentia que não valia mais apena correr,

Caiu e mesmo sem ter a onde se apoiar, insistiu em levantar.

Desesperou-se porque se viu sozinha no meio de uma rua desconhecida.

Esbarrou, empurrou, ninguém se importou,

Não houveram perguntas quanto ao seu desespero,

Não houveram respostas aos seus suplícios,

Não,

Não,

Não, era uma sequencias de negações que começavam nela e terminavam do outro lado de todas as ruas pelas quais passou.

Sorriu,

Sorriu entre as lágrimas que insistiam em cair,

Riu de si mesma por ter acreditado,

Se achou culpada por tudo que aconteceu,

Mentiu, mentiu para si mesma dizendo q estava tudo bem, “não estava”.

 

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Cora Coralina – Aninha e suas pedras

coracoralina

Não sei…

se a vida é curta

ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,

se não tocarmos o coração das pessoas.

(Não sei)

Cora Coralina (1889-1985),  morreu quando eu ainda nem era nascida, em 1985 meus pais nem sonhavam em se conhecer. Quando conheci seus versos, eu já havia me tornado adulta, quase tão adulta quanto Aninha em algumas daquelas linhas.

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces.

Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha um poema

(Aninha e suas Pedras)

Me encantei por Cora entre os corredores frios e cinzas da UERJ, os versos pareciam ecoar por cada canto daquele lugar. Suas confissões de menina, faziam eco ao meu coração, suas linhas não eram nem versos e nem poesia, “era um jeito diferente de contar história”. Por mais que ela falasse dela, e eu soubesse disso, parecia que falava de mim, ao mesmo tempo que parecia falar de outras, sua voz não era singular, era plural. Era a voz de quem havia se deparado com muitas pedras e as transformado em poesia.

“Entre pedras

cresceu a minha poesia

Minha vida…

Quebrando pedras

e plantando flores”

(Das Pedras)

Ana Lins dos Guimarães Peixoto, era Cora e Cora era Ana, Aninha, a terceira das quatro filhas, orfã de pai praticamente ao nascer, estudou até a terceira série, teceu ainda na infância seus primeiros versos sem vírgulas, palavras ou linhas, mas que tinham cheiro de mato, de terra molhada, de bolo recém assado pelo vó.

“Era só olhos e boca e desejo

daquele bolo inteiro”

(Antiguidades)

Escreveu suas linhas para fugir de tudo que a machucava, eram sobre o que sentia, sobre o que viveu, e sobre o que ainda queria viver, eram lembranças de uma menina, contadas por uma senhora que continuava a devorar o mundo e a mostrar a ele todas as suas pedras, todas as suas lutas.

Aos 70 anos aprendeu datilografia para que suas poesias pudessem ser enviadas aos editores, aos 75 anos publicou seu primeiro livro, morreu aos 95 anos… Drummond dizia que ela era: “uma velhinha sem posses, rica apenas de sua poesia, de sua invenção, e identificada com a vida como é”.

“Sendo eu mais doméstica do
Que intelectual,
não escrevo jamais de forma
consciente e racionalizada, e sim
impelida por um impulso incontrolável.
Sendo assim, tenho a consciência
de ser autêntica.
Nasci para escrever, mas o meio,
o tempo,as criaturas e fatores
outros contramarcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira
do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes………
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata
Sempre houve na família, senão uma
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
a essa minha tendência inata.”

(Cora Coralina, quem é Você?)

Cora assinava aquilo que Aninha vivia, se tornou poesia em meio a resistência, era tão única quanto o nome inventado, fugiu, amou, vendeu livros, lavou roupa, sofreu a dor da perda, mais de uma vez, se fez doceira que conservava histórias, foi mulher rendeira que teceu seu próprio destino. Dentro de si, existiam tantas e tantas vozes, que ler suas linhas é como caminhar na corda que tece a vida, não só a de Aninha, mas a de Cora e também a minha.

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,

sem preconceitos,

de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário Cora Coralina – todas as vidas

4 poemas de Cora Coralina 

A sabedoria de Cora Carolina em 4 poemas

Enciclopédia Itaú Cultural 

Cora Coralina – por Elder Rocha Lima

15 Poemas de Cora Coralina