Amor, Ansiedade, Capitalismo, cartas, Crônica, depressão, Minhas Crônicas, Opinião, Padrão, Poesia, Sem categoria, silêncio

Armário bagunçado

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Para uma outra criança que encontrei por aí… talvez ela seja tão bruxa quanto eu.

Tudo era uma confusão.

Não sabia o que sentia, não entendia nada que acontecia, as vezes tudo que sabia era que a incerteza eram sua única certeza;

Não contava mais quantas vezes seu riso escapou ou quantas vezes suas lágrimas surgiam sem motivo aparente.

Não entendia como respirar podia ajudar, sentir a vida se esvaindo entre sua corrente respiratória nunca ajudou.

Era pesado sentir tudo aquilo entrando e saindo de dentro de si…

Contou todas as vezes que deixou cair algo importante enquanto respirava:

Deixou cair seu coração…

Deixou cair seu equilíbrio…

Deixou cair o que acreditava ser certo.

Tudo escapou naquele espaço tão pequeno que existia entre os sentimentos e o vazio.

Sentir…

Era bom sentir, sabia que vivia assim dessa forma: sentindo.

Era ruim sentir, era devastador não poder controlar o que sentia.

Tentou guardar tudo no armário, mas era muita coisa e quase nada cabia naquele espaço tão pequeno, as portas logo cederam e tudo desmoronou em cima de si.

O ar fugiu, e tudo ficou mais turvo do que costuma ser.

Se deparou com coisas que nem ousava pensar ter guardado, havia guardado realmente muita coisa.

Encontrou seus gritos escondidos no fundo do armário.

Encontrou as palavras carregadas de sentimentos que guardou por baixo de todas as tralhas desimportantes.

Encontrou as vozes, aquelas que queria esquecer, mas que não podia negar a existência, elas se multiplicavam.

Se culpou, afinal não soube guardas as coisas dentro do armário.

Se culpou porque quando olhavam para si viam aquela bagunça toda que escapava daquele espaço tão pequeno.

Se culpou porque supostamente sua bagunça havia respingado em outras pessoas.

Era estranho, complicado e inteiramente desconfortante.

Tudo que sentia era rápido e não podia controlar, não entendia muito bem como as outras pessoas escondiam tão bem tudo dentro de seus armários.

Não entendeu quando quis se enfiar por inteiro dentro daquele espaço tão pequeno e quebrado.

Respirar doía e ninguém deveria sentir dor enquanto respirava, mas nem sempre era assim.

As vezes respirar era bom, sentir todo aquele ar correndo dentro de si era confortante, era sinal de liberdade, de vida, de história.

Queria ser como o vento, livre, entrar e sair sem pedir licença.

Queria sair sem que perguntassem o motivo, queria sentir que era vida, que era a vida que existia nos outros e em si.

Queria sentir e saber o que sentir.

Preferia pontos finais á vírgulas, não gostava de criar continuação para nada, até gostava, mas se preocupada demais com tudo, pontos finais eram rápidos emergências e não precisavam de explicação.

Era difícil entender que tudo que sentia era seu, eram suas angustias, seus medos, suas alegrias e amores, tudo era seu e de mais ninguém.

Ninguém poderia engavetar o que sentia, ou guardar nos cantos do armário aquilo que não agradava por muito tempo.

Era difícil, era dolorido, era confuso, mas também era bom, afinal as vezes é bom no meio de toda aquela bagunça que desaba sobre nós descobrirmos que lá dentro também está guardado o que somos.

É bom nos reencontrarmos, redescobrirmos o que sentimos e entender ou desentender o que nos faz chorar e sorrir.

 

escolhas, Feminismo, Opinião, Padrão, Preconceito, Proletariado, Racismo, Resenha, Sem categoria, silêncio, Violência

Carolina Maria de Jesus – Diário de uma Favelada

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Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977), foi mais uma das escritoras que conheci durante minha graduação, especificamente durante uma disciplina que estudava a relação de identidade e diários. É estranho tentar entender como uma das escritoras mais importantes de nossa história, reconhecida mundialmente, só me foi apresentada na graduação, no auge dos meus vinte e poucos anos.

Quarto de despejo se tornou o livro que a fez ser conhecida, as palavras que juntas compõe esse livro, se tornam importantes para podermos entender a sociedade da década de 50, pela perspectiva de Carolina, uma catadora de lixo, mulher negra, periférica e mãe solteira, que dia a dia matava seus leões dentro e fora das vielas paulistana.

Sofreu violência de gênero, social e racial, suas linhas não nos fazem sorrir, não nos iludem, são duras, é a realidade e não a fantasia, não teve bolo de aniversário na festa de sua filha, porque não se tinha dinheiro nem para o pão.

Carolina retratou em seu diário muito mais do que ela imaginou, escreveu como quem conta um segredo a um amigo, confessou suas angustias diante a fome de seus filhos e os julgamentos de seus vizinhos, ela questionou, não se calou e gritou para que a ouvissem.

Não queria se submeter a homem algum, era mãe solteira, foi mãe de filhos que nem eram seus para os proteger dos julgamentos que ela tão bem conhecia, se preocupou quando eles demoravam a voltar, abraçou apertado, tão apertado que quase se tornou possível deslumbrar do momento enquanto se lia.

Quarto de despejo foge dos padrões da nossa literatura, ou melhor foge dos padrões da nossa norma culta da linguagem, sua protagonista é negra, pobre e desbocada, trabalhava de sol a sol e lutava para que sua vida não se resumisse a sua casa de madeira, Carolina não era só escritora também era uma leitora que também lia o mundo.

Literatura Marginal, é assim que se chama essa escrita, livre das tradicionais amarras que costumamos ser apresentados na escola, a forma como falamos e escrevemos também é motivo de exclusão, a normatização da linguagem é um instrumento de dominação, onde só se valida o que uma pessoa fala se “sua fala” condizer com as regras de linguagem. Normatizar a linguagem, é excluir outras formas de expressão, outras culturas.

Estudei em escola pública durante minha vida inteira, salvo na educação infantil, eu sei a importância que a literatura de Carolina tem para alunos periféricos assim como tem para mim. Carolina escrevia sobre a sua vida, seus dilemas, sobre mais de cinquenta décadas atrás, quando o Brasil começa a se desenvolver economicamente, e ainda assim nós encontramos tantas semelhanças.

Carolina não se resumiu a quarto de despejo, que era bem mais do que sua casa de madeira, quarto de despejo era a cidade de São Paulo, a sociedade que a excluía de todas as formas possíveis, como se gritasse a todo instante que o lugar dela e de seus filhos não fosse no asfalto.

Quarto de despejo não foi seu único livro, na verdade foi seu diário, antes dele ela havia tentado publicar crônicas e poemas, mas só com seu diário, que ela passou a ser notada e justamente pelo motivo que era excluída. Apesar do livro de rendido bem, Carolina viu pouco desse dinheiro, na verdade ela viu o suficiente para que saísse da favela e fosse morar em um pequeno sítio na periferia de São Paulo.

Outros Livros:

Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios (1963). O volume Diário de Bitita (1982) (Publicação Póstuma).

Links Literalmente Legais (L³):

Documentário

Conversa com Bial

Literafro

QUARTO DE DESPEJO – MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO FEMININO NA
LITERATURA BRASILEIRA

Recomendação de Leitura: Preconceito Linguístico de Marcos Bagno

 

Capitalismo, escolhas, Filmes, NETFLIX, Opinião, Sem categoria

Consumindo reflexões…

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Fonte na capa da revista…

Eu tinha dezenas de textos para terminar, mas nenhum com toda certeza me colocou tanto para pensar quanto esse, sério… Sábado em meio a oxitocina e o sono, em uma conversa que não consigo exatamente dizer como começou, eu acabei percebendo, mais uma vez, quão impulsiva sou.

Eu tenho muitos amigos/irmãos por essa vida, isso não é segredo para quase ninguém, e esse meu irmão/amigo em questão estava conversando sobre o seu futuro TCC, sabe quando você escuta tudo atentamente para não perder nenhuma palavra, foi esse o caso, um pouco por causa do sono e outro tanto porque era realmente interessante, o cara quer falar de consumo, os motivos de comprar e os motivos para as coisas existirem, ele faz curso designe, gente eu nunca pensei nisso e eu obviamente devaneei sobre isso com ele, possivelmente ele não me entendeu, eu falo meio desordenadamente quando estou animada e mais ainda quando estou com sono.

Desculpa!!!!

Em meio a muitas frases sem sentido, ditas por mim claro, eu acabei refletindo que eu sou muito impulsiva em muitos fatores, sério quando minha irmã/amiga vem assistir algum filme aqui em casa ela faz diversas anotações a respeito do filme, eu faço as sociais ou as não-convencionais, enfim, eu raramente quero saber o motivo de ter se feito aquilo, sou a “consumidora que só consome e não pensa”, Céus…, que vergonha…

Sou impulsiva,

se eu quero eu compro, se sinto fome como, se estou entediada assisto algo, se quero pensar ouço música, é simples… ou não.

Provavelmente por esse fato de só consumir sem refletir, eu realmente seja bem ruim em fazer resenhas, por mais que eu faça as devidas críticas sócias, as quais fui treinada durante quatro anos de graduação para fazer, eu ainda assim não reflito o suficiente para me sentir motivada a escrever, mesmo com os muitos links criados na minha mente durante o filme.

Não tenho a menor ideia se esse fato devesse a eu não ter paciência de assistir filmes, e menos ainda de assistir séries, e o pior é que eu admiro a forma como são produzidos o envolvimento e o comprometimento, mas quando assisto é para basicamente consumir, alimentar o lucro alheio e obviamente me divertir.

Em meio a muitas reflexões ao longo desses dias, eu acabei percebendo que para minha total felicidade eu gosto de ler, leio realmente muito rápido, porém só se a leitura me agradar, do contrário eu não consigo ler e isso me bloqueia, é isso aconteceu com alguns textos da faculdade. Mas voltando ao momento em que eu curto a leitura, quando eu gosto eu me vício, a leitura se torna uma droga tão prazerosa que eu começo a pesquisar a respeito do que eu li, ao menos isso…

Meu momento de felicidade repentina acabou no instante em que percebi, que só pesquiso a respeito do que gosto, não estou me culpando, é uma análise momentânea, afinal qual o motivo de eu querer saber a história por trás do móvel na loja? Então…, por mais que eu não tenha dinheiro para comprar o tal móvel exposto ali, eu ainda assim deveria fazer os questionamentos plausíveis para a existência dele, ou no mínimo deveria me questionar os motivos dele não estar ao meu alcance financeiro, e de não ser uma prioridade?

Quando minha irmã/amiga, Isa, assiste comigo algum filme de animação, e fala sem vírgulas, a respeito dos aspectos técnicos e criativos que cercam a obra, eu deveria me questionar o que aquilo influencia no meu entendimento da obra por inteiro, mas não, é mais fácil questionar e buscar aquilo que se encontra mais perto, ser consumidor é muito mais fácil.

Acho que quase todo mundo hoje é capaz de fazer uma crítica a Disney, mas essas críticas são por fatores diferentes, temporalidade, características sociais, características físicas e emocionais, questões de gênero, direção, fotografia, trilha sonora, dublagem, roteiro, e um monte de outras coisas, cada pessoa tem seu próprio universo dentro de si. Cada pessoa tem sua bolha que dificilmente vai ser estourada, cada vez que essa bolha estoura é um pequeno ato de revolução.

Quando começamos a questionar assuntos que antes só consumíamos, em atos impulsivos e desnorteados, deixamos de ser egoístas, ouvir os motivos do poeta para escrever a poesia, questionar o trabalho escravo na confecção do vestido, observar atentamente o desenho do diretor, contemplar a loucura do artista, questionar os testes feitos em animais.

Em meio a tudo isso eu acabei me deparando com a seguinte conexão, 13 Reasons Why é uma série produzida pela Netflix, cujo o suposto objetivo é levar ao questionamento do poder das ações de outrem em uma pessoa, são treze ações que levaram uma adolescente a cometer suicídio, é muito interessante? É, e continuaria sendo se eu não tivesse lido o livro em que a série se baseia e se não tivesse descoberto que a direção da série de forma bem desgovernada, introduziu uma série de fatores inexistentes no livro à série.

A série, antes de eu descobrir o livro já não era apenas uma série, era um produto, milimetricamente calculado e que tinha como objetivo atingir um público, mas também era uma ação pessoal e impessoal da direção, pesquisa, arte e fotografia, é uma decorrência de fatores e planejamentos, ações importantíssimas para um desenvolvimento que raramente são questionadas.

Eu não consegui assistir 13 Reasons, e quando falo isso as pessoas começam a questionar se ela é muito pesada, se eu tive algum problema emocional, começam a me olhar preocupadas, essas coisas…, mas a resposta é bem mais simples, a série que a princípio deveria promover o questionamento, anda fazendo bem mais do que isso, ela não segue o enredo do livro, tem suas próprias curvas, me feriu como leitora, e comecei a questionar os motivos, mudar um enredo para atingir um maior número de pessoas para o bem e para o mal.

É inquestionável os gatilhos que a série tem, vulgo o próprio número de telefonemas para o CVV(Centro de Valorização da Vida), afinal se houveram ligações é porque houveram gatilhos que levaram a determinados pensamentos. Não posso afirmar se o livro seria capaz de ter esses mesmos gatilhos, ou outros gatilhos, até porque eu acho o tom usado pelo autor no livro um pouco mais suave do que o que ouvi e li sobre (a série), mas é uma opinião pessoal de alguém que não é profissional da área (aliás de nenhuma área além da educação).

Fato é que metade desses questionamentos não seriam capazes se eu não tivesse questionado os motivos de tanta gente falar da série. Aliás a minha reflexão a respeito dessa como produto de consumo e lucro, em muito se dá pela própria direção, o que é um erro, eu sei…

Ser consumidor é mais fácil pelo simples motivo de sermos egoístas, só buscamos aquilo com que temos relação, eu me importo mais com pessoas do que com coisas, mas pessoas consomem e produzem coisas, se eu não penso logo não existo. Eu passo a não existir como indivíduo e passo a existir como massa, aquela que segue o fluxo, que não pensa e que compra.

Eu já disse que sou impulsiva, hiperativa e que tenho TOC, então…

Grata ao irmão reflexivoooooo

Capitalismo, Crônica, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, Proletariado, Racismo, Sem categoria, Violência

“As vezes eu falo com a vida”

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Foto de Tércio Teixeira, Morro da Mangueira, RIO, durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas

Me abrace e me dê um beijo
Faça um filho comigo
Mas não me deixe sentar na poltrona
No dia de domingo (domingo!)

O Rappa

A forma como o olhavam dizia muito mais do que qualquer palavra pronunciada, era como um mar de história, história escrita a muitas décadas. Era uma epidemia que se espalhava como a agonia que subia em sua garganta, ele queria gritar, mas não podia.

Revirou os olhos, ignorou “os canas” do outro lado da rua, apertou o passo, endireitou a mochila, mas antes mesmo de atravessar a segunda esquina ele ouviu o primeiro aviso, o som dos tiros ecoaram, as crianças se abrigaram nos braços da mãe, baixaram as portas do comércio, ele apenas olhou para o relógio enquanto fazia mais uma vez o sinal da “cruz”, que “ele o protegesse”.

Entre o silêncio gritante que se instaurou naquelas ruas sem asfalto, ele tropeçou nas pedras, enquanto via as portas sendo arrombadas, sentiu novamente os olhares, baixou a cabeça ao passar bem perto de uma das crianças que praticamente viu crescer, o tiro tinha sido para ele, jogado ao chão, como tantas outras, podia ouvir o grito silencioso daquela mãe.

“Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz, é medo!”

_Tá olhando o quê? – Perguntavam, ignorou. Apertou o passo, cravou os olhos ignorando as lágrimas, “podia ter sido eu!”, ele sempre pensava.

Enquanto se perdia nos seus pensamentos, ouviu mais tiros, viu os carros pretos, os homens armados, estavam invadindo novamente, adentrando as vielas onde a “Segurança” nunca entrou.

“Qual a paz que eu não quero conservar
Pra tentar ser feliz?”

Se abrigou no bar de esquina. O tal português não gostava muito de si, torceu o nariz antes dele entrar e pedir uma garrafa d’água, viu a mulher correndo, ofereceu-lhe água e ela negou. Se sentou no chão mesmo, ouviu a gritaria, o choro, podia imaginar o sangue, todos ali eram seus conhecidos, a dor era algo eminente.

_Já acabou? – Nem percebeu quando o dono do bar o olhou de cima para baixo, o medindo, olhou suas roupas, sua mochila e finalmente seus olhos. Se negou a responder, ele não podia o expulsar e tão pouco ele poderia sair dali, limpou os olhos e continuou a ouvir todas aquelas vozes que vinham de tão longe e ainda assim tão perto.

Pegou os cadernos na mochila, e resolveu se perder por ali, era assim que sua mãe tinha o ensinado. Sempre se acalmava e se lembrava dela enquanto pegava os cadernos no meio de todo aquele barulho. Ainda podia a escutar brigando consigo, tentando o distrair, o mandando estudar, dizendo que “aquele lugar” não era para si. Nunca entendeu aquela frase, aquela era sua casa, ela deveria ser segura.

“Eu não quero ficar
esperando
o tempo passar, passar”

Não percebeu quando suas lágrimas voltaram a cair e muito menos quando suas mãos automaticamente passavam as folhas, o dono do bar mais uma vez o encarava, um olhar descrente em negação, um suspiro e mais uma pergunta.

_Difícil né? – não era difícil, talvez até fosse, mas não aquilo, se limitou a responder um “unhum” e voltou sua atenção para o livro, o fechou finalmente, haviam cessado a guerra, se levantou calmamente, arrumou novamente a mochila e esperou o homem finalmente abrir a porta do bar, saiu, estava chovendo, apressou o passo até finalmente chegar no ponto de ônibus, suspirou apertado, quando viu as crianças saindo da escola, corriam desesperadas pela rua, as imaginou encontrando tudo aquilo do qual estava fugindo.

O ônibus finalmente apareceu, não parou, o motorista tinha sido alertado a não parar ali, caminhou até mais a frente, andou por toda aquela avenida a pé, olhou os carros apressados, ouviu as buzinas, observou o rio começando a encher, sabia que quando chegasse teria que escoar a água, ficou frustrado pensando se havia lembrando de retirar tudo do chão.

“Não dava tempo de voltar”, o relógio mais uma vez o dizia que estava atrasado, apressou o passo, mas o manteve cauteloso, não podia e nem queria ser “confundido” novamente, “atividade suspeita”, ele era uma “atividade suspeita” desde que nascerá.

“Oh! Meu Deus
Se eu não rezei direito
A culpa é do sujeito
Desse pobre que nem sabe fazer a oração”

Ignorou os pensamentos, e enxergou o ponto de ônibus, correu um pouco a fim de chegar mais rápido, viu que recuaram a sua presença, se arrumou um pouco, limpou um pouco a roupa e evitou mexer nos bolsos e na mochila, tudo que ele menos queria era parecer uma atividade suspeita estando atrasado.

Embarcou no ônibus lotado, colocou a mochila pra frente, e fechou os olhos, teria que encarar mais alguns bons minutos em pé se nada estivesse alagado, ignorou toda a confusão dos bancos preferenciais, enquanto voltava sua concentração para se lembrar dos artigos, falou em silêncio, e percebeu que arrancou a curiosidade de um menino sentado no colo da mãe, mexeu um pouco o cabelo enquanto observava que ela brigava com ele por algum motivo, não entendeu muito bem, mas viu o menino rindo e resolveu acompanhar aquele riso sapeca destinado a si.

Observou quando a moça entrou, ela também estava molhada e apresada, chegou a trocar olhares com ela, principalmente quando ela esbarrou em si propositalmente, ela o conhecia, já o tinha visto outras vezes ali, naquele mesmo ônibus, trocaram algumas poucas palavras e logo depois cada um voltou a se enterrar em seu próprio mundo.

Ela era linda, mas não tinha nome”.

Apertou o ferro de apoio do ônibus quando o motorista freou, alguém tinha acabado de ser atropelado, o trânsito tinha parado de vez. Ficaram bons minutos esperando tudo se resolver, viu o homem levantar apressadamente, pegar suas coisas do chão, falar que “estava tudo bem” e adentrar a condução apressadamente, tempo era dinheiro…

O ônibus voltou a andar, acelerou, ouviu alguns xingamentos do motorista enquanto ele cortava alguns outros carros na avenida, era sempre assim, deixou alguns no ponto, outros fora até finalmente chegar aquele que todos já conheciam, “Olha a bala, a paçoca, o amendoim, tudo baratinho só na mão do amigo, lá fora é mais caro”, ele já havia decorado o discurso, os rostos eram diferentes, mas a oratória era a mesma.

_Ajuda o parceiro aqui, irmão. – sentiu o toque nos braços, mostrou os bolsos vazios e o sorriso de canto, o homem entendeu, sempre entendiam, no fundo rolava sempre aquela identificação, viu o homem caminhando dentro do coletivo e por fim jogando um pacote de amendoim para o motorista, desceu e agradeceu.

A viagem seguiu tranquila até o seu destino, desceu naquele bairro diferente, prédios altos, poucas pichações, o olhavam de cima sempre, abaixou o olhar enquanto apertou o passo, evitou encarar, atravessou a rua olhando apenas para os lados, desviou das pessoas e antes que o parassem por algum motivo ele descruzava os caminhos, o céu ali estava limpo.

“As grades do condomínio
São pra trazer proteção
Mas também trazem a dúvida
Se é você que tá nessa prisão”

Encarou os morros que cercavam aquele local, ainda estava chovendo daquele lado, mas ali não, o comercio estava aberto, as crianças andavam tranquilamente, caminhou pela calçada, admirou o asfalto liso e não encarou aquelas pessoas, viu de relance um carro passando, os homens armados passando por ele, deu uma breve olhada para dentro do “camburão”, o suficiente para reconhecer um rosto, a mão caída para o lado de fora, o corpo jogado, com toda certeza ainda chovia no morro.

Atravessou a última rua até finalmente entrar naquele lugar, ainda tinha prova, estava atrasado e tinha certeza que havia perdido todo o primeiro tempo, correu apresado, não esperou o elevador, correu desesperadamente no único lugar em que se sentia à-vontade para correr, escorregou um pouco, admirou a vista enquanto tinha pressa, olhou o entorno e observou tamanha contradição, prédios, casas, medo, lágrimas, morro, asfalto.

Estacionou seus passos, colocou a mão na porta, observou o olhar repreensivo do professor enquanto ele desviava pelo canto dos olhos ele caminhar até seu lugar, permaneceu calado, fez algumas anotações e trocou alguns olhares com os colegas enquanto ouvia as indiretas a respeito dos atrasos.

Recebeu a prova, secou as mãos, bateu na testa ao perceber que havia esquecido o estojo, pegou emprestado o material, refletiu, leu, respondeu, demorou mais do que deveria, fez a prova, saiu correndo voltaria mais tarde, estava atrasado para o trabalho, olhou o relógio, andou até o trabalho, vestiu o uniforme, atendeu, atendeu, atendeu, foi ignorado quando falou que algo estava errado, “ele estava errado”, esqueceu do almoço, correu para a próxima aula, bateu a cabeça de cansaço, se forçou a ouvir o que tanto falavam naquela aula, olhou pela janela, para o relógio, bateu os dedos na mesa.

_Está com pressa? – Era claro que estava, estava chovendo, ele podia ouvir bem longinquamente que estava se tendo um tiroteio por algum lugar, mas mesmo assim respondeu que não, encarou os malditos três tempos finais de uma quarta feira como se fossem os últimos, faltavam só mais alguns meses para tudo terminar, só mais alguns meses.

“Sou pescador de ilusões
Sou pescador de ilusões”

10 horas, correu até o ponto, algumas luzes piscavam, estava deserto o suficiente para ele pensar em pegar dois ônibus ao invés de um, mas percebeu que se fizesse isso possivelmente ficaria sem dinheiro no final da semana, apressou os passos, limpou os olhos pelo sono e por sorte o ônibus já estava lá quanto chegou, o motorista o conhecia, o esperou.

Finalmente estava sentado, encarava a noite chuvosa que pincelava aquele lugar tão contraditório, fechou os olhos inalando a fina brisa, podia ter certeza que ficaria doente, tentou evitar esses pensamentos e voltou a pensar em coisas banais, desejou que a tal moça de todas as manhãs entrasse no ônibus, ele não sabia quem ela era, nem para onde ia, mas gostava de imaginar coisas sobre ela, mesmo que no fundo ele soubesse serem impossíveis de acontecer.

Não deu sinal, estava cansado demais para se lembrar do ponto, mas por muita sorte o motorista o conhecia bem o suficiente para saber que ele havia esquecido, deu um grande sorriso enquanto descia as escadas e desejava “boa noite” e agradecia, correu para casa, lembrou-se da chuva pela manhã, olhou o rio e como de esperado ele havia subido, podia ver a marca d’agua na parede assim como as ondas de terra no chão.

As ruas estavam silenciosas, vazias, algumas fracas luzes iluminavam seu caminho, podia ver alguns homens fardados o seguindo com os olhares, entrou em casa, pegou o rodo escoou a água, se jogou no chão, cansado, se arrastou até o banheiro, ligou a água fria, ainda não podia dormir, se sentou no corredor, onde não haviam janelas, ascendeu a fraca luz, e voltou a sua leitura…

Mal percebeu quando seus olhos finalmente fecharam…

A minha alma tá armada e apontada
Para cara do sossego!
Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz, é medo!(Medo!)
As vezes eu falo com a vida
As vezes é ela quem diz
Qual a paz que eu não quero conservar
Pra tentar ser feliz?
– O Rappa-

Músicas Utilizadas:

Minha Alma,

Pescador de Ilusões,

Súplicas  cearenses,

Lei da sobrevivência,

Rodo cotidiano.

Capitalismo, Crônica, escolhas, Padrão, Sem categoria

Apenas 1, 2, 3,… escolhas.

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Começo escrevendo esse texto dizendo que gostaria que o tema desse fosse outro, mas estou em uma semana muito complexa por causa de uma prova, que não, não é o ENEM, já passei dessa fase, agora estou naquele limbo eterno a procura de emprego e estabilidade.

Como eu ia falando gostaria que o tema desse texto fosse algo político, queria escrever a respeito da PEC241, da Medida Provisória que altera o Ensino, da Escola sem Partido, queria escrever a respeito de tudo isso, e de como tentam nos amordaçar enquanto nos tiram direitos, mas infelizmente não posso. Não que eu não consiga falar dessas monstruosas alterações, que tem como princípio básico diminuir o número de acessos a Universidade Pública, assim como parar o crescimento capital da população em prol de um crescimento econômico ilusório pautado na privatização.

Não eu definitivamente não vou falar disso, nem muito menos do fato do Prefeito da Minha Cidade ter sido eleito com um número inferior ao número de votos de pessoas que se pautaram na abstenção, muito menos comentarei ao fato desse candidato apoiar a PEC241. Não, eu definitivamente não quero falar mal da população que se absteve ao voto e agora fica reclamando da decisão de se ter como prefeito um senhor que diversas vezes deixou claro seus atos de intolerância.

Sabem durante boa parte da minha vida escolar me foi empregado que eu deveria escolher algo que eu gostasse para seguir como profissão, sabem qual é problema disso, eu nunca soube escolher. NUNCA!

Quando pequena eu amava rasgar os sacos plásticos da minha mãe e me imaginar uma estilista famosa que desenhava em todos os cantos seus planos para dominar o mundo da moda, minha vó até falava que um dia iria me levar no barracão da Portela para eu me enfiar no meio de toda aquela pluma e paetês que eu tanto amava, afinal quando ia na casa dela adorava ficar brincando com as fantasias velhas do meu primo. Bem ela nunca me levou na Portela, nunca conheci o processo de confecção de fantasias e não sei bem se a culpa foi dos meus pais que não deixaram ela alimentar essa “fantasia infantil”. De fato, eu ainda curto desenhar roupas para passar o estresse, assim como “as vezes” costuro algumas coisas na máquina que fica no meu quarto.

Às vezes eu fico pensando como seria se de fato eu tivesse conhecido o barracão da Portela, talvez minha vida fosse ser igual, ou talvez diferente, nunca saberei. Nessa época eu tinha umas primas que brincavam comigo, entre eu ser bruxa e modelo pop star, descobria que não existe “bruxa boazinha”, e meninas tinham que ser “boazinhas” e nem “modelo gordinha”, eu realmente preferia os sacos plásticos ao menos eles não me diziam que “eu não podia ser”. Mas nem tudo são flores, principalmente quando brincava de “lutinha” com meu irmão mais novo, altos golpes que me fizeram ganhar o rótulo de “garota-moleque”, nossa eu fui bastante rotulada quando pequena, me pergunto porque não fiz judô, boxe, karatê, sei lá, eu curtia e ainda curto esse tipo de esporte, acho que a grana na época era pouca e eu agora não tenho tempo.

O mais engraçado é que eu nunca fui uma coisa só, desde pequena, cresci entre as panelas da minha mãe e entre as ferramentas do meu pai, minha mãe é ciumenta com as panelas dela, então quando pequena eu a esperava sair, para poder inventar algo na cozinha, é claro que raramente dava certo, e mais claro ainda que isso de certa forma fez ela me manter muito longe das panelas, eu queria ser chefe de cozinha e hoje apesar de ainda colecionar receitas ainda não me sinto confiante perto das panelas.

Conforme fui crescendo fui me interessando ainda mais por uma série de coisas diferentes, ajudar meu pai tinha suas vantagens, aprender sobre carros, obras e fiação elétrica me fizeram questionar se eu deveria fazer alguma engenharia, física, sei lá alguma coisa de exatas. Mas eu não fiz, na verdade meu ensino médio, foi bem humano, fiz formação de professores em uma escola Normal Estadual, um pacote completo que me fizeram questionar como o Estado pretendia formar professores da Educação Básica, sem que o currículo fosse rico em disciplinas essenciais…?

Talvez esse fosse meu primeiro passo em humanas, se eu tive poucas disciplinas de exatas não posso dizer o mesmo a respeito das disciplinas da área da psicologia, todo ano era uma nova e isso de fato fazia meu ID enlouquecer querendo prestar vestibular para psicologia. Eu não tentei, fiz para pedagogia, a verdade é que apesar de eu amar educação, o motivo foi bem menos nobre, admito, a relação candidato vaga, era mais atraente do que em Psicologia.

Minha vida inteira eu gostava de várias coisas ao mesmo tempo e na hora do vestibular não poderia ser diferente, eram tantas questões com respostas parecidas que eu vivia um caso de amor em completa bigamia enquanto escolhia a resposta. Isso ainda acontece, nem sei como eu passo nas provas, escolher realmente é um problema grave que eu tenho.

Quando passei para Pedagogia, me vi mais uma vez filha da pública, só que dessa vez longe de todo o glamour do Ensino Médio, nesse meio tempo acabei alimentando algumas paixões antigas, a psicologia foi uma delas com toda certeza, vocês não têm ideia de como um amor mal resolvido pode acabar te machucando, você acha que sabe de tudo e quando vê, não sabe de nada. Muitos dos meus problemas, de não ter feito psicologia, foi que eu de fato, tenho um “dom” de ouvir o outro, e isso me frustra bastante, as pessoas me procuram, eu ouço e depois somem.

Me tornei o que meus amigos definem de “esquerdopata relax”, curtia defender todas as causas em todos os momentos, ao mesmo tempo em que brigava com os grupos quando agiam com infantilidade e egoísmo. Virei representante, conhecida entre os alunos, e me metia em confusões por conta disso, cogitei me mudar para as Ciências Sociais em uma visita ao 9º andar da UERJ, confesso que me ludibriei mais por causa da barba do rapaz do que as 10.000 palavras de ordem, que ele cuspia por minuto enquanto bebia um café no Centro Acadêmico, provavelmente foi nesse momento em que descobri minha vocação para “vender miçanga”.

Entre coordenar as disputas pelo Centro Acadêmico do 12º andar, que muitas vezes melavam, e uma resenha crítica eu acabei iniciando um curso técnico de Eletrotécnica, desisti do curso uns dois meses depois, os estágios da Pedagogia não me deixaram concluir, nossa doeu me despedir dos meus colegas de curso. Mas entre tantas desistências de fazer ou não fazer o processo de transferência interna na Universidade, meu computador acabou dando pau e eu descobri uma nova paixão entre tutoriais e sites com dicas de informática eu ia fazendo pequenos reparos no meu computador e nos computadores dos coleguinhas. Nada melhor do que uma nova paixão…

Cursar Pedagogia me fez nesses quatro anos perceber que eu quero dar aula, mas talvez eu não queira só isso, foi difícil admitir isso, principalmente porque segundo as leis da humanidade “você só deve ser uma única coisa nessa vida”. Cara, nem quando me relaciono eu consigo me relacionar apenas com uma pessoa, eu amo várias vezes ao mesmo tempo e é amor mesmo.

Esse ano resolvi fazer um curso de Informática com ênfase em programação, estou amando descobrir que “no mundo existem 10 tipos de pessoas, as que entendem binário e as que não entendem”, entendedores entenderam, de fato estou me divertindo enquanto armo na minha cabeça uma forma de “dominar” o mundo e ganhar uns trocados enquanto não passo em concurso público.

Por falar em concurso público tenho que admitir a ideia de passar, e fazer a mesma coisa durante longos 30 anos da minha vida vem me aterrorizando, eu quero, mas não sei se consigo, assim como não sei se consigo terminar algum dos meus intermináveis livros presos nas pastas do meu computador, nunca entenderei minha dificuldades de escrever finais, de concluir histórias, provavelmente isso deva ter alguma relação com o fato de eu muitas vezes ter dificuldade de enxergar o futuro, enxergar além pode ser bem assustador, então viva o agora.

O motivo de eu ter escrito isso é para mostrar quantas vezes cerceamos nossos próprios desejos, ou somos cerceados por nossos pais e até mesmo pelo Estado. Sabem o que me dá o maior medo nas reformas que acontecem no Ensino Médio, além de claro ter minha voz vigiada e castrada como professora? O fato de que cada vez mais os jovens têm uma leitura do mundo hipertextualizada, eles fazem muitas coisas ao mesmo tempo, de muitas formas.

Eu não fui a única a enfrentar esses dilemas, provavelmente não serei a última, se meu ensino médio fosse ainda mais restritivo em disciplinas eu seria ainda mais podada. Quanto mais se separa e desassociam as disciplinas, mas nos distanciamos do objetivo principal de ensinar. Não temos que racionalizar o ensino temos que o tornar atraente para que todos sintam que são capazes de se tornarem aquilo que quiserem, de desistirem e fazerem o que sentirem vontade.

Afinal não se ama uma única vez, se ama de várias formas, então se encantar por muitas coisas não é loucura, é só sua mente te dizendo que para você ser feliz, você tem que seguir aquilo que acredita. E daí se os números que usamos para programar não cabem dentro dos PDFs sociais que tanto lemos. O importante é viver longe das prisões que criamos para podar nossos desejos.

No fim acho que minha poligamia se estende a tudo em mim…