Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, Minhas Crônicas, Opinião, silêncio

Detalhes ínfimos

ínfimos: Excessivamente pequeno; diminuto; diz-se do tamanho, dimensão, força, quantidade, volume ou peso muito pequeno

Não existe nada pior do que cheiro de saudade, respirar em meio a certeza de que nada vai dar certo, era assim que se sentia, respirar era como retirar pedras atoladas do pulmão, dói, é tudo tão desesperador que se demora a entender que aquele é de fato o fático fim, chorar não adianta, gritar também não, você não consegue se esconder porque em todos os lugares tudo te lembra dessa dor eminente que se alojou em seu peito e te faz sentir como em um desmoronamento. 

Você viu os sinais de que tudo iria desabar, primeiro viu as rachaduras, depois o rastro de terra nos cantos das paredes, mas se sentiu paralisado e apenas assistiu a tudo ruir, tentou manter os olhos fechados, mas era impossível, o barulho, os gritos, o desespero e o cheiro de terra molhada invadiram seus sentidos e te sufocaram, era como ter uma vida inteira passando diante dos seus olhos enquanto tentava buscar por ar. Era difícil ver o mundo se esvaindo diante dos seus olhos, era difícil ver um mundo de amor ser transformado em saudade. 

Amar sempre foi um verbo conjugado de forma tão plural por você, amava a ilusão que construiu, tudo era estável, tinha para onde fugir mas sempre tinha para onde voltar. Amava a confusão, o barulho e as certezas de que tudo sempre ficaria bem, às vezes desejava silêncio, mas ainda assim, mesmo nesses momentos amava estar por ali, em meio a toda confusão que te tirava o ar e arrancava risos de desespero. Essa era sua vida, era uma boa vida. 

Você que sempre soube o que era amor, que sempre soube ser abrigo, agora não sabia como agir, era uma chuva torrencial que inundava seu peito com uma única certeza, nada iria restar e se sentir dessa forma era uma sensação desesperadora, de quem perdeu tudo e agora precisava de ajuda para recomeçar a catar seus pedaços pelo meio do caminho.

Depois de tantos risos ao pé do ouvido, depois das noites mal dormidas, e de todas as histórias construídas, tudo que vai restar é uma saudade vazia. Uma saudade que começou a ser construída antes do ponto final, uma saudade construída no meio de um parágrafo repleto de situações inusitadas. 

O silêncio que você tanto buscava, foi tudo que restou, mas ele foi reconfortante, o silêncio era perverso, torturante e angustiante, ficar sozinho e imaginar os milhares de finais era desesperador. Pensar que aquele silêncio pode se tornar definitivo e aquela voz tão conhecida que te acompanhou por anos pode finalmente cansar e descansar, era inevitável, no início ela tentou se fazer presente, esconder o desespero de não conseguir saber o que falar, o que deixar, mas depois tudo deu lugar a um pranto contido que se tornou um desespero dolorido, que ansiava por um tempo que sabia que não tinha. 

Não havia nada que pudesse fazer para sanar aquelas lágrimas ou para parar o tempo, não havia um ritmo a ser seguido, e todos os dias te lembravam de que não havia tempo a ser perdido, ele não parava e levava aos poucos um pedaço da sua história, não havia nada a ser desfeito e só restava esperar, esperar e desfazer seu pranto enquanto acalenta em seus braços os soluços sôfregos de quem já te deu tanto amor, sente a fragilidade daquele coração que tinha um ritmo tão peculiar de te encantar e mover seu mundo. 

Não há como nada ficar bem, não há… E constatar isso era a pior coisa a ser feita, não havia esperança, conforto ou afeto, havia apenas mágoa, dor e sofrimento. Era tudo tão latente e aumentava conforme o ponteiro do relógio findava, em um primeiro momento você achou que dava conta, abraçou o mundo como sempre fazia, se concentrou em não se concentrar na dor, ela existia, mas você não queria lembrar. Depois ficou impossível disfarçar e dar respostas prontas, a mente vagava e te roubava as palavras. 

As lembranças antes esquecidas invadiam seus dias, o cheiro do alvorecer e o medo do amanhã passaram a ter fazer companhia até mesmo nos momentos mais ínfimos, era uma lembrança constante de que tudo que restava era isso, um porta retrato sem cheiro, sem toque e quebrado. A saudade passou a ser uma amiga constante, não era confortável olhar para trás e observar todos os erros, acertos e afagos, na verdade era torturante, era desesperador sentir saudade do que ainda se tinha, mas sabia que iria perder.

Você se engasgava constantemente pensando em tudo que poderia ser feito e desfeito, se havia ou não tempo, tudo é tão subjetivo que te paralisa, não há como voltar no tempo, não há como parar o tempo, não há possibilidades, não há nada a não ser a estranha certeza de que qualquer coisa seria melhor do que o que estava acontecendo, você se culpava por isso, mas já carregava tanta culpa que essa era só mais uma …

Respirar é como se despedir segundo a segundo de quem nós somos, é como gritar em desespero em um navio que afunda. Eu sei, às vezes te falta ar, te falta ânimo para falar sem se engasgar com o ar que te sufoca, mas você continua porque sabe que se desistir vai ser pior, você sente medo do fim, mas sente mais medo do que vai acontecer depois do fim, depois que toda a tempestade passar, depois que a água que te sufoca baixar e você contabilizar o estrago…

Depois de tudo, tudo que vai restar é a estranha saudade, o constante desespero de não saber como continuar e a certeza de que você vai finalmente poder se consolar sem sentir culpa.

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, silêncio, Violência

Doação involuntária

No mês do orgulho, dedico esse texto para todos que se sentem presos de alguma forma.

Tem pessoas que doam dinheiro, outras doam amor, tempo, paciência e você doou tudo que podia para fazer parte de algo que não te cabia.

Você escutou durante tanto tempo que não cabia nos lugares e ainda assim queria continuar a tentar caber, seus sonhos não cabiam ali, e por isso você aos poucos foi se esquecendo deles, sorria quando riam dos seus sonhos, foi se desfazendo deles pouco a pouco até não restar mais nada. 

Eu não sei se é possível viver sem sonhos, mas para você bastava caber ali naquele espaço que tudo já era suficiente, esse era seu sonho, caber ali naquele lugar tão irregular e desproporcional, por isso tentou, por isso se despedaçou até caber naquela forma tão desconfortável. 

Quando sua forma de agir passou a também não caber, aos poucos foi se aprisionando, podando seus gestos, sua voz, sua forma de existir. Foi se moldando para ainda assim caber naquele lugar apertado, você era maior do que aquele espaço frio e repleto de solidão. 

Foi doando cada parte sua para caber em um espaço que só te fazia chorar, era como ser um passarinho dentro de uma gaiola, passou a ver o mundo pelas grades, passou a retrair suas asas e a falar só o que queriam ouvir, era domesticado e não se importava com isso, aos poucos foram arrancando suas penas, uma a uma elas iam embora enquanto suas lágrimas caiam e ninguém parecia ligar. 

Todos pareciam gostar do que estava se tornando, olhavam para dentro da gaiola e sorriam, você se sentia desnudo diante a tantos olhares, eles jogavam migalhas como recompensa, no começo achou ser suficiente, mas depois, depois elas foram se tornando tão escassas quanto a satisfação em as receber. Um enorme vazio tomava conta de você, a liberdade era convidativa, mas se aprisionou de tantas formas que o mundo do lado de fora da gaiola passou a também não te caber.

A sensação de que não cabia em nenhum lugar passou a fazer parte de quem havia se tornado, então ficava na gaiola, se sentia preso mesmo quando as portas estavam abertas, não importa o que fazia e nem por quem fazia, sempre queriam mais, queriam seus sorrisos, seu apoio, sua boa vontade em ser quem não era, não era desejado ali, mas ainda assim não iriam te expulsar porque no fundo eles precisam te usar, até não ter mais serventia, precisam te fazer útil mesmo te lembrando todos os dias da sua ineficiência em se adequar a aquele espaço.

Como todo passarinho você também sentia falta de um lugar quente, de alguém que entendesse o seu choro triste em meio às conversas, de voar para outros lugares, mas tinha medo e tudo que te restava era olhar para o chão e só ver sua finitude caindo, não tinha como esconder, todos percebiam e se você já não cabia lá antes, agora então é que tudo passou a ser um completo desencaixe. 

O choro latente que invade sua garganta fez com que te jogassem para longe daquele lugar, sua melancolia crescente era um convite a solidão, não tinha para onde ir, não tinha onde ficar, era uma peça quebrada em um brinquedo de encaixe, tentou lançar sorrisos falsos para se convencer de que tudo ficaria bem, mas nada ficaria, não se reconhecia havia se perdido de si mesmo a tanto tempo que não se entendia. 

Parecia que o choro latente que durante tanto tempo estava guardado resolvia sair em meio a tantas mágoas pelo recém abandono, a gaiola estava quebrada assim como suas asas, seu corpo doía por todas as penas arrancadas, sua voz não saia, e tudo que conseguia era desesperadamente tentar entender os motivos de terem o jogado para fora, você se esforçou tanto para caber, para se encaixar, deu tanto de si, amou mesmo os que te fizeram chorar, sorriu quando só queria se esconder, e ainda assim isso não bastou…

Depois disso, tudo que você queria era juntar seus pedaços e se recolher em um lugar onde ninguém te machucasse, foi se afastando de quem se aproximava, sua voz antes tão dócil se tornava áspera diante a qualquer ameaça de introdução no seu espaço, não queria se permitir machucar novamente, ainda doía e parecia que não iria passar tão cedo, andar por lugares desconhecidos ainda era como pisar em cacos de vidro, não sabia voar para os lugares que queria conhecer, parecia que ninguém era suficientemente treinado para te ouvir. 

Manter diálogos era torturante, não tinha ânimo para falar com pessoas que deduzia que iriam embora na primeira oportunidade, não importava se elas demonstram querer ajudar catando suas penas, era difícil acreditar, não queria ficar perto dessas pessoas, não queria acreditar que elas estavam ali por você quando nem mesmo você estava. 

Então você sentiu, sentiu um toque no canto dos seus olhos, tentou forçar sua visão para entender o que acontecia, você não conseguiu expulsar todos, um riso contido se fez presente, tentou entender o que acontecia e percebeu que o riso era seu, se sentiu culpado pela própria felicidade, mesmo que ela fosse irrisória diante a tanta dor. A culpa também passou a ser sua companheira constante, quanto mais perto as pessoas chegavam mais distante você queria ficar. 

Sentia culpa por não conseguir caber dentro daquele espaço, sentia culpa por não se reconhecer, sentia culpa por não ter um lugar para ir e nem para onde voltar, sua culpa é tão intensa que ela não te deixava sentir nada além da dor de não poder construir novas relações, se sentia tão incompleto, tão inacabado que tudo que sentia era culpa por não ser suficiente para permanecer ali com aquelas pessoas… 

Não importa o quão suficiente seja, você nunca vai caber em lugar algum, nunca vai ser o esperado ou o desejado, mas não é só você, ninguém vai ser. Se permita ter ajuda na hora de juntar seus pedaços e construir um novo espaço, onde caiba você por inteiro e não só aos pedaços, conte seus sonhos mesmo que eles pareçam bobos, ouça sua voz mesmo que digam que você fala desimportâncias. Escute o seu silêncio e cresça com ele, você não está sozinho, há sempre alguém que pode escutar seu piar de lamentação e que vai te fazer sentir em casa em meio a um abraço quente.

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Saúde, silêncio

Filme antigo.

Ainda é cedo amor

Mal começaste a conhecer a vida

Já anuncias a hora de partida

Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

(Cartola)

Aos que se perdem no tempo e perdem tempo…

Algumas vezes seu relógio não marca as horas da forma correta, é como se o seu tempo não fosse cronológico, tem dias que seus minutos duram mais do que horas e outros tantos, suas horas passam mais rápido do que os segundos. É como olhar o mundo, seu mundo, sentado diretamente na cadeira de um cinema vazio, sem ninguém do seu lado, é como ser um espectador da própria vida. 

De repente não mais do que de repente, sua vida antes tingida de tantas cores parece ter virado um eterno filme em preto e branco, sem som, sem direção, a imprevisibilidade passou a fazer parte dos seus dias, você deseja que aquele longo e cansativo filme acabe mas ele não acaba ele se arrasta. Às vezes você assiste ao filme, outras tantas você se transforma em uma personagem coadjuvante que ninguém percebe por ali, uma personagem que arrasta uma longa corrente por todo o filme, é esse seu único enredo, ninguém repara nela, ninguém para, e todos os outros personagens evoluem, mas ela não.

Você percebe que parou e o mundo continuou a girar, todos a sua volta continuam da mesma forma seguindo com suas vidas, tropeçando em você e seguindo sem perguntar se estava tudo bem. As pessoas não param, não perguntam, apenas seguem, elas não querem perder tempo, elas não querem ter suas vidas estacionadas apenas por tropeçar em você. Quando você finalmente consegue se mexer, você percebe que o tempo passou, que ele correu e você nem percebeu. 

É uma batalha perdida, não tem como lutar contra o tempo, de alguma forma você não sabe como começou a se sentir assim, se foi algo de agora ou de muito antes de você se tornar adulto, mas aconteceu e agora tudo que você consegue fazer é assistir a esse filme que se repete dia após dia, você às vezes ri de forma involuntária, as piadas são sem graça mas você apenas faz, para não perder o costume, para que não percebam que as coisas mudaram. 

Algumas vezes é difícil manter o disfarce, e você desaba, e é como se aquele filme desastroso estivesse em um aparelho quebrado, ele é rebobinado várias e várias vezes para que você pudesse lembrar suas derrotas, seus medos e seus erros. Você desaba e se afoga naquele sentimento, não consegue escapar daquela correnteza, se sufoca, se esconde e se machuca. 

Seus suspiros são de desespero, afinal durante tantos anos o medo era tudo que você queria evitar e agora parece que de forma inevitável tudo que você tem pela frente é isso, o medo, o medo constante de se afogar e não ter ninguém ao seu lado, o medo de se tornar um eterno espectador da sua vida. O medo finalmente bateu à sua porta e se mostrou um hóspede bastante exigente, faz festas assustadoras que te tiram o sono, involuntariamente você tenta o expulsar, mas é como se aquela casa não fosse sua e você não tivesse direito a opiniões sobre quem vai ou quem fica. É um medo frio, vazio e silencioso, que te faz ficar doente. 

Viver se tornou sinônimo de esperar, você espera de forma impaciente para que aquela sensação vá embora e seus anseios que antes eram minimizados, se tornam cada vez mais presentes em sua vida. Você questiona o que faria se não tivesse tantos medos.

Dúvidas realmente pairam sobre a sua cabeça, será que as coisas mudaram e deixaram de ser tão prazerosas? Será que um dia elas foram realmente prazerosas? Constantemente sua cabeça roda e você se esquiva de dar respostas para perguntas que sabe que deveriam ser feitas. 

É complicado, seu tempo que antes era só seu, agora pertence a outras pessoas e você não sabe lidar bem com isso, sua cabeça entra em uma guerra constante para conseguir estabelecer objetivos. Tudo parece um eterno conta gotas de um remédio de gosto amargo, as gotas caem devagar e parece que nunca vai chegar a contagem final, você se angustia com aquela sensação de espera eterna. Você tenta ter paciência, tenta esperar, tenta desacelerar sua vida, mas se irrita fácil com o ritmo das gotas, elas caem devagar e parecem te machucar sempre. 

Não existe uma posologia para viver a vida, e por isso você se irrita constantemente pelo ritmo como as gotas caem, é vagaroso demais e você não se concentra naquilo, perde o foco, a contagem e não lida com o erro causado pelo seu cansaço de viver esse filme tão solitário. 

Constantemente você se força a dizer “tenho que continuar”, mas é um mantra falho, seu tempo que por vezes passa tão arrastado parece te impedir de continuar, parece te impedir de assistir esse filme solitário ao lado de outras pessoas, você anseia pelo final sem perspectiva de que ele se torne feliz, afinal você ultimamente dúvida do que é realmente felicidade. 

Por qual motivo você continua? Por qual motivo você não consegue ir por outro caminho, seguir por outra curva? Você se sente perseguido de forma constante pelo medo de errar… 

Sua mente tem muitos barulhos que não são seus, você diz sim quando sabe que deveria dizer não, utiliza vírgula onde deveria haver um ponto final, você escreve parágrafos novos para um assunto que já deveria ter terminado. 

Reinicia, olha para trás e respira, respira forte e tenta fazer o melhor que pode fazer, não o que você acha que as pessoas esperam que seja o melhor. A vida não vai parar, os minutos não vão voltar, mas você pode revisitar seus bons momentos, eles houveram, pode rir dos erros, comemorar as pequenas vitórias, mas não ultrapasse seus limites a vida é como um filme muito antigo, se você rebobinar ou avançar muito rápido, a fita agarra, o filme embola e tudo que vai restar é um drama mexicano como uma recordação que você não vai querer lembrar.

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Barulho de saudade

Em algumas línguas como o espanhol Saudade significa “Nostalgia de casa”, no nosso idioma, significa “um desejo melancólico e nostálgico por uma pessoa, lugar ou coisas, que estão longe, quer no espaço, quer no tempo”

Aos desconhecidos que sentem saudade, saudade de quem se ama e de quem um dia foi a sua casa…

De repente, não mais do que de repente, tudo fica silencioso e por mais barulhento que possa ser do lado de fora, aqui dentro, tudo parece que foi invadido por um turbilhão de emoções, consigo ouvir o ritmo frenético da batida do meu coração fora de ritmo, é algo que eu já deveria ter me acostumado, prendo a respiração de maneira não intencional, sinto meu olho inundar, a sede imediatamente me acomete, quero fugir, mas me sinto preso nessa imensidão que são meus sentimentos. 

É como se tudo voltasse, menos você. Não entendo o motivo, já se passou tanto tempo, não entendo os gatilhos, na verdade eu não entendo nada, e tudo parece me afogar. A cada instante é como se eu tivesse mergulhado em um mar revolto e não conseguisse voltar para a superfície, sinto algo me puxar para baixo, sinto a água me invadindo, sinto a dor em meu peito. 

Eu sou racional demais, mas ainda assim é dessa forma como me sinto, minhas mãos tremem, e eu me sinto desprotegido, não ouço ninguém porque parece que o silêncio se apoderou de mim, ninguém me ouve, ninguém me enxerga, me sinto ainda mais encolhido, eu não queria sentir, não eu não queria sentir…

Tudo que sinto nessa hora é saudade, saudade de te ouvir sussurrar que me amava, do seu abraço, de estar ao seu lado e de brincar de pique esconde até você me encontrar e me pôr em seus braços. Parece que eu sou uma criança esperando eternamente você me encontrar, esperando você chegar e me pedir desculpas por ter demorado demais…

Nesses dias eu sinto seu toque em meus ombros, como se você ainda estivesse aqui, aperto meus olhos, me encolho no primeiro apoio que encontro, me toco para te tocar, você não estava aqui, não tinha cheiro, não tinha abraço e tudo que restou foi um soluço abafado em meio a dor de não poder te ter novamente. 

Eu sinto raiva, sinto vontade de gritar, o desespero me consome e se mistura a minha saudade é algo angustiante demais para lidar sozinho, é algo que eu não sei controlar, mordo meus lábios, aperto meus braços, estrangulo meu coração, a dor não passa, o ruído em meu ouvido também não, ainda é como se eu ouvisse sua voz ninando minhas angústias e me dizendo que tudo ficaria bem. Mas nada ficaria bem, você não está aqui. 

Queria ter conversado mais, e não ter fugido dos seus abraços, queria ter atendido quando você me chamou, queria não sentir o que sinto, ter me despedido com calma e ter te agarrado para não ir, queria poder te ter todos os dias, principalmente nesses em que me sinto tão criança, quando preciso tanto do seu colo, quando tudo que quero é me esconder na sua cama.

Com você eu não tinha medo, eu não tinha saudade, não me faltava o ar para traduzir as palavras que tanto me prendem. A garganta sempre entalada pelo medo que me sufoca, a dor súbita me afoga, eu tento, você sabe que eu tento, mas às vezes eu não consigo. 

Chove lá fora, o vento frio toca minha pele, sinto seu cheiro e tenho certeza que não é a última vez, me afundo ainda mais naquela parede, o choro vem forte, o medo de não conseguir finalmente transborda para fora, eu não tenho para onde ir, nem onde me esconder, eu sinto que quero ser forte, eu sinto que poderia ser forte, mas me falta força. 

Se eu te pedir perdão será que você me escuta? Se eu te contar segredos, será que você me abraça? Eu quero te dizer como são os dias, como são os meus dias, nem todos são bons, mas eu faço o possível para conseguir levantar e me pôr de pé, mesmo sem você. Eu tento, você sabe que eu tento. 

Eu tento me lembrar do seu sorriso, do seu toque e do seu apego, eu quero não te esquecer, não esquecer do que você me ensinou e do que eu te ensinei. As lágrimas caem com um pouco menos de força enquanto me lembro de você, enquanto me lembro de como você me abraçava para que eu permanecesse aqui, para que eu continuasse, você acreditou em mim quando nem eu mesmo acreditei, então eu tenho que continuar…

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Navillera – sonhar é preciso

Eu voltei, bem mais cedo do que esperávamos…

Sinopse oficial de Navillera:

Navillera acompanha Shim Deok-chul (Park In-hwan), um carteiro aposentado de 70 anos que decide realizar seu sonho de aprender balé. Sua família, incluindo sua esposa e filhos adultos, não está feliz com sua escolha, mas Deok-chul não parece inclinado a desistir. Na academia de dança, ele conhece Lee Chae-rok (Song Kang), um bailarino de 23 anos que se interessou pela modalidade depois de experimentar diferentes esportes – desde beisebol até natação, passando por futebol. Chae-rok também não foi talentoso em nenhuma dessas atividades e acabou seguindo os passos da falecida mãe, que também era bailarina. Agora enfrentando dificuldades financeiras e completamente afastado do pai, o jovem pensa em abandonar o balé, até que seu caminho se cruza com o de Deok-chul. Um encontro que vai mudar a vida dos dois para sempre.

Navillera é uma série Original Netflix, Sul- Coreana, criada pelo Studio Dragon, se baseia no webtoon de mesmo nome dos autores Hun e Ji-min. Sendo dirigido por Han Dong-Hwa e escrito por Lee Eun Mi, possui um total de 12 episódios. 

Esse dorama me arrancou lágrimas nos momentos finais, para quem se pergunta de onde surgiu o nome, se aquiete até o final você descobre que o nome veio da relação do bater das asas das borboletas com a suavidade dos passos de balé e que também nomeia uma das peças do drama. 

Eu gosto de dramas não convencionais, que não envolvem um triângulo amoroso, e fogem da mocinha indefesa que necessita ser salva por alguém. Em Navillera os dois personagens principais têm idades muito extremas, Sim Deok-Chool (Park In-Hwan) acabou de completar 70 anos e revive de forma acidental sua paixão pelo balé ao esbarrar com o estúdio de dança no qual Lee Chae-rock (Song Kang), um jovem e talentoso bailarino treina. 

Após Sin Deok-Chool encontrar o bailarino pela primeira vez, ele revive suas motivações para seguir adiante, o que esperar da vida aos setenta anos? Um pai de família, um homem aposentado, casado, encontra de forma poética e quase que de repente um novo significado para a palavra sonho, e ele lutou para seguir com esse sonho, lutou de forma quase insistente contra a opinião da família, a idade e a mente, ele lutou contra si próprio. 

Quando Lee Chae-rok se torna o professor de Sin Deok-Chool não esperava que fosse aprender mais do que ensinar, depois de uma crise de pânico e de fugir de uma competição importante para ir esperar o pai sair da prisão, ele sentiu seus sonhos se esvaindo pelos dedos, o que esperar, quando não se tem o que esperar? Sin Deok-Chool foi a razão de Lee Chae-rok continuar a sonhar, da mesma forma Lee Chae-rok trouxe de volta os sonhos do mais velho, ele se tornou uma espécie de caixa de pandora que quando aberta libertava as memórias.

Navillera é uma história sobre sonhar e desistir dos sonhos, um pai que deixa de seguir seus sonhos para que os filhos possam ter uma vida melhor, um irmão mais velho que deixa de viver seu sonho para que os irmãos mais novos e os pais não passem por mais dificuldades, uma mãe que passa a ver na felicidade dos filhos o seu objetivo ou desiste de uma futura carreira porque sua filha necessitava de si, um médico que desiste da carreira por perder um paciente,… Não importa por qual motivo, Navillera prova de maneira muito doce que às vezes por uma força maior somos impedidos de sonhar, e às vezes não importa a nossa idade só precisamos de alguém para nos ajudar a lembrar de quão bom é lutar por nossos sonhos … As vezes tudo que precisamos quando caímos é de alguém para nos ajudar a levantar.

Durante cada episódio cada personagem de alguma forma revisita seus objetivos, os motivos de suas desistências, seus medos e angustias, Sin Deok-chool passa a ser uma fonte de motivação e por mais que insistam em dizer que ele não vai conseguir, ele insiste em dizer que esse é o tempo dele sonhar, e que ninguém deveria se sentir inibido a fazer o mesmo, ele passa então a ser um apoio para os que estavam à sua volta. 

Com bilhetes na geladeira Lee Chae-rok nos lembra a todo instante que nos escondemos em máscaras para nos defender, coube aos seus dois mentores a tarefa de achar uma motivação, sentimentos e uma ambição para ele. Quando se é jovem todos insistem em dizer que os sonhos podem ser adiados e conforme o tempo vai passando com a mesma insistência nos falam que não se pode mais sonhar.

Conforme os episódios vão decorrendo percebemos que a relação dos dois personagens principais ultrapassam a de um professor e um aluno, à medida que o tempo passa a relação construída de forma tão linear e síncrona é a de um jovem que precisa se sentir cuidado com a de um idoso que passa a necessitar de alguns cuidados, ao mesmo tempo que não deixa de cuidar dos outros. Os dois facilmente transmitem a quem assiste a relação é a de um avô com seu neto.

Assista e se emocione.

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Tórrido : Saudade

Tórrido, adjetivo:. quente em excesso; ardente.

Saudade, substantivo feminino: sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas

Preciso te dizer que eu errei.

Preciso te dizer que depois que eu te vi, eu me peguei pensando no que eu ainda não tinha vivido, fantasiei nosso amor, nossa casa e nossos filhos.

Preciso te dizer que eu também já te disse “eu te amo”, mas foi um engano, você nem me ouviu, mas ainda assim, mesmo sem me ouvir, você sorriu para mim.

Eu desejei ter suas mãos na minha cintura e minhas pernas circundando a sua, desejei teus lábios colados nos meus, desejei te deixar desnudo, prensado na parede, com meus lábios descendo por teu corpo. Eu desejei tanto que um dia cedi a eles e os transformei em realidade.

Preciso te dizer que era desejo.

Eu te olhei e cobicei o que não era meu, te disse eu te amo quando ninguém ouviu. Falei que seria meu quando não pertencias a ninguém, te apertei na parede e troquei minha respiração com a sua enquanto nos beijávamos.

Era uma noite tórrida no fim das contas…, mas eu me lembro de cada instante daquele pequeno e insistente momento.

Eu disse que não passaria daquilo, menti, voltei para os teus braços enquanto aproveitava teu abraço e desabotoava teus botões, te tirei a roupa e desci meus lábios por teu corpo, te jurei mentiras enquanto rodava minha saia e te arrastava para a cama.

Você me olhou em meio a surpresa e por leves instantes eu pensei que recuaríamos, mas eu estava mais uma vez errada, você me pegou pela mão e me puxou até o colchão.

Rolamos na cama em meio ao nosso riso, trocamos nosso olhar e compartilhamos segredos sem dizer uma única palavra.

Senti tua mão na alça da minha blusa enquanto perdia mais uma vez teus lábios por meu torço. Quando dei por mim eu já estava nua tentando com minhas mãos encontrar um lugar no seu corpo enquanto te olhava do alto do seu colo, sentada em sua cintura.

Era uma visão perfeita dos seus olhos, seu corpo virou meu mapa e suas mãos naquele instante se tornaram minhas guias.

Preciso dizer que não importa o que eu te diga, tudo que vai contar é o que você me prometeu.

Eu contei cada pintinha no seu corpo, contei cada uma: da pontinha do seu nariz até a ponta do seu dedão do pé.

Quando eu acabei de contar você me olhou sorrindo, se reclinou no colchão em meio a nossa bagunça particular e me deu um beijo, não um beijo voraz que me roubava os pensamentos, mas um beijo calmo e repleto de afeto.

Eu duvidei do que sentíamos enquanto via você invertendo nossas posições.

Eu me perguntei se você me amava realmente ou se amava aquele instante em particular, e como em um passo de mágica, você pareceu ouvir minha pergunta e sussurrou no pé do meu ouvido um “eu te amo”.

No fundo parecia uma trapaça para me fazer dizer o mesmo.

Sua boca desceu por meu pescoço, até chegar nos meus seios e me arrancar gemidos, eu senti cada dente me arranhando e sugando, eu arfei e você riu sem me olhar continuando sua árdua missão em encontrar diferentes maneiras de me tirar palavras.

Eu não te disse “eu te amo”, mas amei sentir sua boca me marcando, a sensação molhada que deixava no meu corpo quente, me afoguei no prazer que só você parecia saber me dar.

Eu realmente me permiti acreditar na sua promessa: de que iria ficar, que tudo permaneceria bem, que seríamos nós dois contra o mundo.

Confesso, eu sabia que você não iria ficar e talvez eu também não quisesse isso, mas ainda assim, foi bom saber que naqueles poucos instantes em que estivemos juntos você quis ficar, ficar comigo e por mim, quis me amar e fazer de nossas ilusões realidade.

Você não mentiu, naquela fração de tempo só existíamos nós no mundo, então tudo que disse ali, naquele quarto, era verdade.

Eu achei que eu te amava, mas amava o som da sua boca me dizendo o que eu queria ouvir, me fazendo sentir o que eu nunca senti.

Eu amei a forma como você parecia me ouvir sem eu nem mesmo falar, eu amei te ouvir enquanto encostava meu ouvido no teu peito e sentia suas mãos no emaranhado dos meus cabelos.

Eu amei ouvir nossos corpos no silêncio daquele quarto.

Eu amava teu toque tentando me descobrir. Amava a forma como nossas mãos pareciam tão perfeitas juntas em meio a nossa bagunça.

Eu amava o toque dos teus lábios me falando coisas indecifráveis enquanto dançava uma valsa inquestionável com sua língua.

Amava sentir suas mãos subindo por minhas pernas, era um misto de temperaturas, me arrepiava por inteira, sentir a pressão dos teus dedos nelas, me fazendo sentir algo que eu não sabia o que era, me fazendo perder as palavras e encontrar o instinto de me manter livre para receber cada parte de você.

Eu menti. Menti mais de uma vez, eu amei por mais de uma vez naqueles poucos instantes, amei segurar seus cabelos enquanto sua boca tracejava meu corpo e me sugava, me bebendo por inteira.

Eu não queria que terminasse, não, eu não queria que terminasse, eu queria te amar do jeito que você me amava.

Amor, Ansiedade, Crônica, Minhas Crônicas, silêncio

Ansiedade: Solidão

Gatilho: Crise de ansiedade.


ho’oponopono, sinto muito, me perdoe, te amo e sou grato

O amor é um Deus de palavras profanas, que embala nossos sonhos e acalenta nossos corações. – Juliana M.


Ele proferiu palavras mundanas e se desesperou com o que sentiu, o ar que se alojava em seu ventre o impedia de respirar, era um peso que o paralisava no lugar.

Suas mãos tremulas manchavam sua pele, elas tracejavam caminhos incertos, ele se sentiu incapaz de controlar qualquer ato de seu próprio corpo, os primeiros soluços vieram de forma sôfrega, mas não tinham a intensidade de quando o ar finalmente saiu.

Quando o ar fugiu por seus lábios, ele sentiu que trouxe junto toda a sua vida, seu mundo desabou ali naquele instante, ele nem ao menos controlou tudo que saiu de dentro de si, os soluços já não cabiam dentro dele.

Quis se manter de pé, mas no momento que tudo aquilo saiu de dentro de si, saiu também seu equilíbrio, ele foi ao chão e não conseguiu mais se reerguer. É difícil para uma pessoa adulta admitir que seu chão tinha ruído e que ele tinha desabado, mas esse era o fato.

Repentinamente tudo pareceu escurecer e ele que já se via tão sozinho, se sentiu ainda mais vazio. Não conseguia sentir nada além de uma dor intensa, que se fazia presente em todo seu corpo.

Então ele resolveu mentir, mas não tinha ninguém além dele para enganar, ele mentiu para si mesmo, “vai ficar tudo bem”, ele sabia que era mentira, mas mesmo assim repetiu incansavelmente na frustrante missão de fazer tudo aquilo passar.

Não tinha mais nada para sair, tudo que restou dentro dele era o silêncio, que fazia questão de ocupar cada espaço do seu corpo. Seu silêncio era pesaroso e cheio de rancor, ele era frustrante.

Ele deu tanto de si para todos e tudo que recebeu foi o silêncio como recompensa, o peso das palavras que ele nunca falou e de todas as que já ouviu, chegaram a sua garganta e mais uma vez seu peito se encheu de uma dor, uma dor pequena que estava guardada dentro de si e que se inflamou com o seu silêncio.

O silêncio era tão assustador que ironicamente se tornava ensurdecedor, ele sentia seu peito arder e quando menos percebeu o barulho ritmado de seu coração invadiu seus ouvidos, era ainda mais assustador, era uma batida sem ritmo que se atropelava e levava junto seu corpo já tão frágil.

Ele tentou se encolher em meio a toda aquela tempestade que ele havia se tornado, sentiu o vento frio mais uma vez invadindo seu corpo, era um vento tão forte que levava a cada sopro um pouco do que restava de sua existência.

Ele não queria desistir, mas ele se sentiu encharcado pela tempestade, seus pés não tinham força para se levantar, seu peito queimava, sua garganta ardia, não restava quase nada de si, mas ainda assim ele não queria ir, ele queria ficar e sentir cada parte de tudo aquilo que ele já havia sido, ele queria que pedissem para que ele ficasse.

Em meio a inconsciência que tomava conta de todo o seu ser, ele pediu para que ao menos uma pessoa em meio a tudo aquilo o entendesse, uma, só uma. Ele implorou em meio ao devastador silêncio que o engolia.

O tempo parecia perdurar por uma eternidade, estava cansado, cansado de tudo, cansado de todos os que diziam falsamente se importar, a mágoa a todo instante crescia em meio ao seu desespero.

Sentiu um toque frio lhe apertando os braços, usou a pouca força que lhe restava para tentar se desvencilhar, era como gelo, tão frio que queimava sua pele, ele se debatia tentando se afastar.

Sentiu-se ser agarrado de forma abrupta, o corpo estava imobilizado e tudo que ele sentia era dor, era sufocante e por instantes era como estar prestes a morrer afogado, era como se ele não conseguisse alcançar a borda, era desesperador.

Ele já não tinha forças, já não tinha mais noção de tempo, só sentia dor, ele desistiu, não se debateu, se rendeu ao silêncio. O aperto não diminuía pelo contrário aumentava, ele sentiu um leve acalento em seus cabelos, era quase como se o silêncio o ninasse finalmente.

De repente seu preciso silêncio teve-se invadido por uma ritmada combinação de palavras, achou que era sua mente tentando-o enganar novamente. Deixou-se enganar, seu peito inflamado começou a seguir o ritmo daquela combinação de palavras.

“Isso, devagar…”, ele começou a entender o que significavam as palavras, o toque ainda apertado continuava, mas não era frio como o gelo, agora era quente, e ele se encolheu ali, tentando a todo custo se esquentar.

Sentiu um leve toque em seu peito lhe ajudando a guiar seu ritmo, era um toque quente, ele se agarrou desesperadamente a aquilo.

“Eu estou aqui, tá tudo bem”, ele repetiu, ele repetiu internamente que não estava sozinho, ele queria que aquilo não fosse uma mentira e por isso chorou, chorou desesperadamente porque não acreditava mais nisso, ele se engasgou novamente e tudo que saiu de seus lábios era que aquilo era uma mentira, ele estava sozinho.

“Eu estou aqui, tá tudo bem”, a voz era insistente mas sua mente também era, tudo que sua voz já enfraquecida respondia era que era mentira, pois ele estava sozinho.

Em meio a todo aquele insistente diálogo ele ouviu aquilo que precisava ouvir “eu não vou sair daqui, porque eu te amo”. Então ele chorou, chorou sua tempestade caótica e se agarrou a aquela esperança de que ao menos um alguém havia se importado e o amado.

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, Minhas Crônicas, Sexo

Carta 2: Saudade

Felipe Catto – Saga

Confesso que tenho saudade do seu corpo,

Uma saudade tão palpável que quase posso te vê na minha frente, me falando de amor com os olhos, me devorando em palavras indecifráveis enquanto reconhecia meu corpo com sua boca.

Tenho saudade de como você enlaçava nossas mãos, enquanto fazíamos das paredes do velho apartamento nossa cama.

Eu ainda sinto teu gosto na minha boca, o gosto do teu pescoço, do teu suor, do teu prazer. Sinto teu gosto enquanto sinto a pressão da parede em minhas costas e tua pele em minhas unhas.

Ainda ouço teus gemidos, consigo ver seus lábios se abrindo enquanto sentia meus dentes na tua pele, seus olhos se fechavam quase que automaticamente, você me encarava rápido e depois voltava a se perder nos meus seios.

Sinto saudade de como seus lábios ficam vermelhos e inchados e de como as pontas dos meus dedos ficam vermelhas enquanto eu me perdia no seu cheiro e sua boca se perdia em meu corpo.

Sinto saudade da sua boca e de como ela dizia coisas que eu não sabia precisar ouvir enquanto me sugava em prazer.

Sinto saudade de te perder no meu corpo, de ficar cega de prazer e de só sentir teu rastro.

Sinto saudade de te ouvir dizendo que me amava enquanto me encarava timidamente esperando que eu te dissesse o mesmo.

Sinto saudade de como eu não precisava dizer com palavras o que eu sentia, sinto saudade de como minhas palavras mudas se faziam presente por minhas pernas encontrando as suas.

Sinto saudade dos seus beijos vorazes.

Sinto saudade do teu cheiro no quarto, dos lençóis amarrotados que não fazem mais parte de nossas bagunças.

Sinto saudade das nossas conversas repentinas no meio da noite, da nossa respiração apertada e dos barulhos produzidos por nossos corpos nos fazendo lembrar da insaciável vontade de matar nossa sede.

Sinto saudade de como tínhamos facilidade de criarmos um mundo desconhecido e de como nos conhecíamos no nosso silêncio.

Sinto saudade do céu que só existe enquanto estamos juntos, das estrelas que nomeamos com nomes estranhos e dos planetas que ainda vamos conhecer.

Sinto saudade daquilo que só nós sabíamos fazer, dos nossos abraços cúmplices em meio ao nosso verão nos dias de inverno.

Amor, Ansiedade, Capitalismo, cartas, Crônica, depressão, Minhas Crônicas, Opinião, Padrão, Poesia, Sem categoria, silêncio

Armário bagunçado

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Para uma outra criança que encontrei por aí… talvez ela seja tão bruxa quanto eu.

Tudo era uma confusão.

Não sabia o que sentia, não entendia nada que acontecia, as vezes tudo que sabia era que a incerteza eram sua única certeza;

Não contava mais quantas vezes seu riso escapou ou quantas vezes suas lágrimas surgiam sem motivo aparente.

Não entendia como respirar podia ajudar, sentir a vida se esvaindo entre sua corrente respiratória nunca ajudou.

Era pesado sentir tudo aquilo entrando e saindo de dentro de si…

Contou todas as vezes que deixou cair algo importante enquanto respirava:

Deixou cair seu coração…

Deixou cair seu equilíbrio…

Deixou cair o que acreditava ser certo.

Tudo escapou naquele espaço tão pequeno que existia entre os sentimentos e o vazio.

Sentir…

Era bom sentir, sabia que vivia assim dessa forma: sentindo.

Era ruim sentir, era devastador não poder controlar o que sentia.

Tentou guardar tudo no armário, mas era muita coisa e quase nada cabia naquele espaço tão pequeno, as portas logo cederam e tudo desmoronou em cima de si.

O ar fugiu, e tudo ficou mais turvo do que costuma ser.

Se deparou com coisas que nem ousava pensar ter guardado, havia guardado realmente muita coisa.

Encontrou seus gritos escondidos no fundo do armário.

Encontrou as palavras carregadas de sentimentos que guardou por baixo de todas as tralhas desimportantes.

Encontrou as vozes, aquelas que queria esquecer, mas que não podia negar a existência, elas se multiplicavam.

Se culpou, afinal não soube guardas as coisas dentro do armário.

Se culpou porque quando olhavam para si viam aquela bagunça toda que escapava daquele espaço tão pequeno.

Se culpou porque supostamente sua bagunça havia respingado em outras pessoas.

Era estranho, complicado e inteiramente desconfortante.

Tudo que sentia era rápido e não podia controlar, não entendia muito bem como as outras pessoas escondiam tão bem tudo dentro de seus armários.

Não entendeu quando quis se enfiar por inteiro dentro daquele espaço tão pequeno e quebrado.

Respirar doía e ninguém deveria sentir dor enquanto respirava, mas nem sempre era assim.

As vezes respirar era bom, sentir todo aquele ar correndo dentro de si era confortante, era sinal de liberdade, de vida, de história.

Queria ser como o vento, livre, entrar e sair sem pedir licença.

Queria sair sem que perguntassem o motivo, queria sentir que era vida, que era a vida que existia nos outros e em si.

Queria sentir e saber o que sentir.

Preferia pontos finais á vírgulas, não gostava de criar continuação para nada, até gostava, mas se preocupada demais com tudo, pontos finais eram rápidos emergências e não precisavam de explicação.

Era difícil entender que tudo que sentia era seu, eram suas angustias, seus medos, suas alegrias e amores, tudo era seu e de mais ninguém.

Ninguém poderia engavetar o que sentia, ou guardar nos cantos do armário aquilo que não agradava por muito tempo.

Era difícil, era dolorido, era confuso, mas também era bom, afinal as vezes é bom no meio de toda aquela bagunça que desaba sobre nós descobrirmos que lá dentro também está guardado o que somos.

É bom nos reencontrarmos, redescobrirmos o que sentimos e entender ou desentender o que nos faz chorar e sorrir.

 

Amor, Ansiedade, cartas, Crianças, depressão, Minhas Crônicas, Padrão, Sem categoria, silêncio, Violência

Mentiras sobre “nós”

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Atenção: esse texto contém menção a depressão, abuso e suicídio. Se achar que isso pode ser um gatilho, por favor não continue essa leitura.

Nó: Enlaçamento de fios, de linhas, de cordas, de cordões, fazendo com que suas extremidades passem uma pela outra, amarrando-as. [Figurado] Vínculo; ligação estreita entre pessoas por afeição ou parentesco. [plural] nós.

Nós:Pessoa que fala e mais uma ou várias;

Dicionário: dicio

Quando a criança falou, eles não ouviram;

Quando tropeçou enquanto tentava fugir, ninguém estava na sua frente para frear seus passos;

Quando disse “não”, ninguém desconfiou que era medo.

Quando disse “sim”, ninguém percebeu que ele gritava por dentro dizendo não.

Fugiu, ninguém percebeu;

Gritou, falaram que era birra, “coisa de criança”;

Seu corpo não parava quieto, mas “era o efeito da hiperatividade”;

Roeu as unhas, puxou os cabelos, mordeu os lábios, “era de ansiedade”;

Cresceu, e quanto mais crescia mais remédios de nomes complicados conhecia;

Não gostava de chorar, de falar, de respirar, “o nomearam como depressivo”;

Não queria engolir a comida, já engolia muitas palavras enquanto diziam ser só mais “alguns de seus delírios”.

Se retraía, tentou se esconder, encolheu seu corpo e tremeu, “não suportou tudo que teve que segurar”. Não estava frio, mas tremeu.

Chorou como chorava quando era criança, não adiantou, ninguém veio em seu socorro, tudo continuava no mesmo lugar, a cama, o chão, as paredes, e os gritos que com o tempo aprendeu a conter.

No fim de tudo, nada restou, as lágrimas caiam, e a dor que o dilacerava era mais cortante que o objeto que ele usou para dar fim a tudo.

Não se despediu, não disse “eu te amo”, não mandou sinais de aviso. Ele apenas foi, foi ser livre enquanto deixava suas verdades finalmente saírem e como se não se importasse se iriam ou não acreditar nelas depois de tanto tempo. Ele apenas foi, sem se importar com tudo que podiam dizer.