Cronicas 24/25

Tente (me) amar…

Tente passar pelo o que estou passando
Tente apagar este teu novo engano

(Hildmar Diniz / Alcides Dias Lopes)

Para todos os adultos que se sentem tão perdidos quanto uma criança brincando nas areias de um grande deserto. Baby, se ame.

O céu era um grande deserto quando estávamos juntos. Era frio e imprevisível, tal qual uma grande tempestade de areia. Eu que geralmente era tão improvável e inalcançável me perdi em tudo que você representava. 

Talvez essa armadilha tenha sido criada por mim e não por você. 

Eu ansiava por sentir tudo que você podia me proporcionar, te idealizei antes mesmo de chegar.

Suas mãos tão caridosas desvendaram meu corpo com certa arrogância, aparentemente eu não parecia merecer seu cuidado. E isso me causou estranheza, logo você que sempre deu afago e afeto para desconhecidos, que usava as mãos como instrumento de cuidado, me causava dores que nem sempre eram físicas. 

Você gostava disso.

Nunca fui um céu perfeito, mesmo quando você contava as estrelas no meu corpo eu não era perfeito, você deixava isso claro, quando estávamos juntos eu também pensava sobre isso. 

Sua voz era como um martelo em uma casa vazia.

Você roubava todas as minhas palavras e me fazia sentir uma culpa que eu não conhecia. Era como mergulhar em um poço de areia e tentar sair, eu duvidava de todas as coisas que eu queria ser e ficaram entaladas na minha garganta. 

Eu tentei pedir ajuda e lidar com o que eu sentia, mas ninguém parecia me entender.

Me lembro vagamente de quando você não existia na minha vida e de como ser dessa forma me bastava. Depois de você, tudo que restou era uma dúvida constante sobre ser ou não suficiente, eu não conseguia mais caber nos lugares e um vazio estranho parecia me acompanhar, lembrando sempre de como eu era desencaixado no mundo.

Uma peça defeituosa e inacabada. 

Eu me sentia preso mesmo quando as portas estavam abertas, não conseguia falar ou respirar normalmente. Constantemente você brincava que eu era uma contradição estranha e inadequada ao mundo, alguém que atravessou o seu caminho no acaso. Me apresentou dessa forma, como um acaso na sua vida. 

Eu me culpava por todos os acasos que você havia me tornado, me perguntava se ser um acaso tão inadequado era tão ruim assim?

Eu te amava e te amar ainda dói. Ainda machuca, ainda me destrói, droga eu ainda sinto saudades. 

Eu ainda sinto saudades de todas as vezes que você brincava com suas pernas por cima de mim, me abraçando e falando ao pé do meu ouvido que me amava. Eu sabia que era mentira, mas eu gostava, ainda gosto.

Mentiras sempre me acalmavam. 

Ainda dói todas as vezes que você riu enquanto eu tentava alcançar seus lábios. Era como se eu só pudesse te ter, quando você quisesse se tornar acessível a mim. Você nunca escondeu isso de ninguém…

Eu me sentia exposto.

meus sentimentos sempre estavam no lado mais raso do rio, a sua mercê. 

Eu sempre achei que o que tivemos era mais do que um acaso, que só o meu amor bastava, mas não era… Acho que eu era viciado nessa sensação de querer me sentir parte de algo.

Não foi você que me fez sentir desencaixado, eu sempre me senti assim, era por isso que eu era muitos, mesmo sendo único.

Era uma forma de me proteger.

Eu aceitava seus lábios me contando em versos sem rima, todas as suas aventuras, enquanto me fazia sentir coisas inimagináveis, eu queria que todas elas fossem coisas boas. Eu me convenci a aceitar que isso era o que me bastava para movimentar o meu mundo, como se você fosse me fazer uma peça perfeitamente encaixável em qualquer lugar. 

Eu menti, menti para mim mesmo, nunca vou ser um encaixe perfeito. Nunca!

Eu menti quando disse que gostava do gosto do seu cigarro, das músicas que você ouvia e da comida congelada que você comprava. Eu menti sobre muitas coisas, mas não menti quando disse que te amava. 

Na verdade, talvez eu ame a ideia de que você é um bom mentiroso, que mentiu que me amava.

Amor, Cronicas 24/25

Amava?

Para todas as pessoas que já se viram presas em algo que chamavam de amor…

Quando a gente tava junto, você só vacilava, ah
E agora tá ligando essa hora pra dizer que me amava

Amava porra nenhuma, deixa de onda
Para com isso, não vai me enganar

(Dennis / Gabriel Cantini / Gabriel de Ângelo / Xamã)

Me chamou de “meu amor” no primeiro encontro. 

Falamos de tudo: dos planos, do passado, do presente e do futuro.

Talvez esse tenha sido o erro, te contei quem eu era, antes de realmente te conhecer.

Mas o que eu tinha a perder?

Você pediu para pagar a conta, e eu deixei. 

Escondeu algo no bolso e eu não reparei. 

Nos atrasamos no almoço, 

Trocamos telefones e salvamos nossos nomes.

Prometeu que tudo iria dar certo, eu acreditei.


Trocamos mensagens e declarações. 

Tudo era tão palpável que eu me apaixonei. 

Esperava ansiosamente por todos os plantões, corredores e escadas. 

Essa era minha certeza e mais nada. 


Era sábado…

Revirei a bolsa e encontrei  um papel, com uma declaração por escrito.

Botei o meu batom, salto alto e um vestido bonito. 

Mandei o horário e você não viu.

Te esperei para jantar e você não apareceu. 

Eu liguei, mas estava desligado.

Algo parecia muito errado.

Não vi que tudo aconteceu rápido demais. 

Eu não entendi os seus sinais. 


Sequei as minhas lágrimas e fui dormir, 

Acordei com uma mensagem avisando de um plantão. 

Alguma coisa me dizia que “não”.

Pediu desculpas, e eu não aceitei.

Você apareceu me trazendo flores.

Me pediu perdão e queria entrar,

Eu disse que não, você insistiu. 

Empurrei e você persistiu. 

O telefone caiu e você não viu.

Ele tocou e você não atendeu. 

No visor apareceu um “Meu Amor”, e esse “amor” não era eu. 

Descobri o que você escondia. 

Eu era o seu plantão, você mentia. 

Não tinha como ficar: gritei, te empurrei e me tranquei.


Mandei mensagem te chamando de covarde.

Te bloquei, apaguei todas as mensagens. 

Troquei o meu horário, mas não adiantou, no final daquele dia, você me encontrou.

Falou que era engano. 

Que já estava tudo acabado, que não tinha feito nada errado. 

E eu? Eu respirei, senti saudades e acreditei. 


Veio pra minha casa, deitou no meu sofá, disse que me amava e que iria ficar. 

Não me perguntou se eu estava disposta a te abrigar. 

Foi tudo tão abrupto que eu não conseguia acompanhar.

Um belo dia, limpou o meu batom, e eu estranhei. 

Depois disse que a roupa era curta, e tudo bem, tirei..

Me pediu o telefone, primeiro eu disse não, mas depois eu desbloquei…


Foi tudo muito rápido. 

Eu troquei minha roupa, 

não tomei minha bebida, 

comecei a escolher minhas palavras, descontava na comida, 

Não me reconhecia…

Mal percebi que havia algo muito errado, 

Será que estava me cansando de ficar do seu lado?

Emendei os plantões para não te encontrar, 

Dormia até mais tarde, para não conversar. 

Fiquei tentando entender onde tudo começou, o que aconteceu, o que desencaixou?


Tentei encontrar em você uma resposta. 

Eu não sabia o quanto de mim ainda restava.

O que sobraria de mim se você fosse embora.

Então não me fiz a pergunta que me entalava. 

Fiquei com medo de descobrir a resposta para o que me faltava. 

Apenas aceitei que era melhor te deixar ficar, enquanto eu me calava.

Afinal, já estava acostumada.


No meu aniversário você me fez promessas.

Eu não acreditei, mas ainda sim sorri, aceitei o presente, comi a comida e depois virei para o lado e fui dormir. 

Você me acordou no meio da noite, me beijou, e disse que me amava.

Pediu desculpas, por algo que eu nem lembrava. 

Começou a falar alto, enquanto também me culpava.

Nós brigamos, não foi a primeira vez. 

Me perguntei enquanto lavava o rosto e enxugava meu pranto: “O  que eu estava esperando?”

Você virou para o lado e voltou a dormir, eu fiquei acordada te xingando e querendo sumir.

 Quando você saiu eu me levantei, arrumei suas coisas.

Joguei as flores fora, queria ir embora.

Mas a casa era minha, você que caía fora.

Tirei os lençóis da cama, 

Deixei suas coisas na portaria, 

Troquei a fechadura, te avisei para não voltar. 

Mas você tentou, tentou insistentemente. 

Até que desistiu de tentar me convencer que me amava, que eu só o seu amor me bastava. 

Eu não sei o que me fez levantar, mas eu levantei. 

Vesti minha roupa, não troquei o meu horário, o meu andar ou o corredor.

Não desviei o meu olhar quando você passava.

Quanto mais eu te ignorava, mais eu me reencontrava. 

Ansiedade, Crônica, Cronicas 24/25, silêncio

Quando o carnaval passar…

Para todos aqueles que criam um outro “eu” para se protegerem das tempestades, eu sei que ai dentro é vazio e parece que ninguém entende, respira, tem sempre alguém que vai te reconhecer no meio da tempestade e abrigar teu coração em meio a um abraço acolhedor.

Quando o carnaval passar

Vamos dançar

qualquer coisa é melhor que tristeza

(Cícero – Laiá Laiá / Canções de Apartamento)

A purpurina se espalhou com tamanha facilidade, as serpentinas estavam por todo canto, as músicas saiam automaticamente enquanto você reconhecia outras línguas, mas estranhamente se sentiu vazio, as pernas se cansaram, se sentou no chão, tudo rodou, não conseguia sorrir, ninguém pareceu ligar, o bloco seguiu e você ficou. 

Ficou… 

O vazio parecia ecoar mais forte…

Doía o ouvido, a cabeça rodava, algo se entalava na garganta, um cheiro amargo incendiava suas narinas.

Ninguém parecia sentir aquilo…

Se sentiu deslocado, machucado, magoado. 

Queria entender o que faltava dentro de si. 

Tentou se levantar e caminhar, mas tudo parecia rápido demais, respirou como se seu mundo dependesse disso, mas algo dentro de si desencaixou, foi um desencaixe barulhento mas ainda assim oculto por todo barulho da cidade.

Um choro amargurado surgiu, os soluços saíam em meio a tempestade que parecia cair sobre você, era vazio mesmo com tanta gente ali, a purpurina escorria misturando-se ao suor, quis fugir, mas não conseguia saber como voltar.

Se sentiu perdido.

Os olhos pareciam não acompanhar toda aquela movimentação.

Atravessou a avenida colorida, tropeçou nas garrafas espalhadas, caiu entre os papéis coloridos.

Se machucou mais do que já estava machucado.

Não havia sangue ou algo que foi ralado, mas doía, doía tanto que a dor te guiou sem nem perceber, mesmo não reconhecendo o caminho, você chegou.

A porta parecia aberta, como se alguém tivesse abandonado o lugar às pressas.

Não reconheceu o lugar que deixou, mesmo que o endereço fosse o mesmo, mesmo que nada parecesse ter sumido.

Estava tudo fora do lugar, empoeirado, as certezas escondidas pareciam ainda mais escondidas dentro dos armários bagunçados. 

Sentiu o cheiro da saudade de um tempo que não voltava, comprimiu o ar, encolheu o corpo, sentiu frio.

Arrepiou a coluna, mordeu os lábios, engoliu as lágrimas. 

Não se lembrou da bagunça, não se lembrava de nada, o vazio aumentava, o choro ganhava força em meio ao silêncio que ecoava ali.

Era vazio, frio e silencioso, seus pensamentos pareciam dar eco.

Uma mistura de medo e agonia apoderou-se de você.

Tentou fechar os olhos, mas descobriu o medo de escuro e de toda a solidão ali representada. 

Tentou caminhar devagar entre os destroços, paralisou se dando conta de que não conseguia sozinho, era impossível se reconhecer ali, quis gritar, se desesperou, tudo estava diferente.

Se olhou no espelho, não reconheceu o reflexo ali, a dor aumentou, o vazio ecou e o espelho se quebrou. 

Eram tantos de você, ali espalhados naquele chão frio que você se escondeu. 

Tropeçou.

Se machucou.

Gritou.

Tentou se levantar e se perdeu em si mesmo, nas lembranças, nos sorrisos em lágrimas.

Lembrava-se vagamente que nas primeiras vezes tentou falar o que sentia, mas não foi suficiente, te pediram sorrisos e você sorriu, pediram para ficar e você ficou, te pediram para ser quem não era, e você fez. 

No começo não fazia tanta diferença, mas depois começou a caminhar no automático, respirou a fumaça dos seus sonhos incendiados entre as palavras não ditas e as lágrimas que secaram antes de cair. 

Você seguia por linhas retas mesmo que quisesse fazer curvas.

Seguia por caminhos conhecidos para não desconfiarem do que restou de si, para se proteger e manter aquela parte desconhecida protegida de tudo.

Mas não deu certo, você brincou durante tanto tempo de pique esconde com si mesmo que não se reconhecia, não entendia o choro, não conseguia guardar os sentimentos nos lugares, não acompanhava os próprios passos porque não tinha para onde ir ou para o que voltar, era como se embriagar na incerteza de nunca ser quem deveria ser. 

Não havia jeito de voltar a ser o que era e a você bastava apenas ser quem realmente era.