Abuso, cartas, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, Violência

Sempre…

Aos desesperados …

Desespero

  1. estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança.”no d. de reconciliar-se com seu antigo amor, entregou-se à bebida”
  2. .estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento.

O barulho das sirenes continuavam a ecoar na minha mente, eu apertava meus pulsos para amenizar o peso de tudo aquilo em mim, a choro ficava preso na garganta enquanto eu me escondia em meus passos, era como se chorar já não bastasse. Queria que me esquecessem, queria esquecer, queria que tudo aquilo parasse, mas era um querer inútil…, o barulho incessante daquele aparelho de comunicação era irritante, me senti sob constante vigilância, me sentia inútil era como se quisessem apenas me controlar e não se preocupasse comigo.

Caminhar só pelas ruas sempre foi uma tarefa difícil, mas dessa vez parecia impossível, era como tropeçar nos próprios pés enquanto fugia de todos. 

Eu era um desastre, meus joelhos sangravam, minhas mãos ardiam, eu perdi todas as palavras enquanto gritava, não consegui assimilar a dor que sentia, não conseguia entender tudo que acontecia, chorei e gritei sob os olhares de desconhecidos, era tudo tão cruel, amanheci tarde demais, tudo em mim doía apenas por existir. 

Eu senti medo, senti vergonha, quis desaparecer, engoli minhas angústias e mordi meus lábios enquanto escondia meus soluços, era desesperador sentir aquilo… Era como se o mundo não me entendesse e me detestasse apenas por existir. Era como se minha respiração estivesse sendo abafada e eu tivesse que lutar desesperadamente por migalhas de ar. A esperança de que eu sobreviveria a mais um dia era escassa.

Ouvi o barulho do relógio enquanto tomava pílulas que desciam arranhando minha garganta, tudo parecia precipitar um desarranjo em meu cérebro, é agoniante, não consigo pensar em nada além do desespero. Respirar em meio a tantos pensamentos descompassados se torna um movimento difícil e sem ritmo definido. 

O chão não se abria e não tinha como se afogar no chuveiro, mas ainda assim o meu corpo parecia não me pertencer, ali no espelho estava alguém que não conhecia, o choro vinha mais forte conforme eu percebia que não adiantava me esconder, o sabão parecia não fazer um bom trabalho,  não adiantava correr eu não tinha hora marcada com ninguém, a água parecia limpa demais mas era uma ilusão. Os soluços vieram junto com o sangue recém adquirido enquanto me punia por algo que eu não sabia como consertar. 

Viver havia se tornado mais complicado, tudo parecia mais silencioso e solitário, não há nada que coloque ritmo em minha respiração ou que faça meus pensamentos se acalmarem. É desconcertante ouvir seu próprio grito, não há como buscar ajuda porque não há esperança, não há tempo e não há certezas de que aquela dor vai passar, ninguém parece realmente disposto a ouvir, tudo que resta é a vontade de que tudo se apague e desça pelo ralo junto com aquele sangue. 

Caminhar era uma tarefa difícil, era difícil se direcionar para qualquer canto, era sufocante tentar se concentrar em uma direção quando existem tantas vozes gritando, os pensamentos vão escalonando a cada alternativa, são muitos “e se”, são muitos medos, tudo sempre parece prestes a desabar, respirar enquanto pensamos em decisões é como se sentir sufocado por uma montanha de poeira. 

Se sentir assim era desconfortante, era como ser um estranho dentro do próprio corpo, como não ter controle das próprias emoções, o dia poderia estar lindo mas nesses dias tudo parecia uma grande tempestade, ouvir outras pessoas quebrando o silêncio e atravessando os nossos pensamentos era uma gota d’água que transbordava qualquer copo, era desgastante tentar assimilar todos aqueles ruídos que invadiam minha mente de forma tão frenética.

Chorar enquanto tentava sair do seu casulo e revisitar o mundo era desesperador, todos pareciam saber tudo sobre você, ninguém te ouvia, te faziam engolir sua verdade enquanto tentava fugir daquele espaço tão assustador, eu só queria sumir, desaparecer, esquecer aquela dor. Tudo faz lembrar o que queremos esquecer, o cheiro, o toque, as palavras, tudo faz com que aquela sensação de pavor e medo surja novamente. 

Por vezes não sei o que quero, se quero a companhia daqueles que supostamente tentam quebrar todas as barreiras e me alcançar ou se quero o afastamento,  não entendo o que sinto, não consigo me expressar, tudo que consigo fazer é desesperar conforme o mundo continua a girar, ele gira sem se importar se ainda estou aqui em constante estágio de estagnação, tal qual um carro parado no meio da linha do trem, sem saber como agir, sem saber se pulo carro ou espero o trem.

É uma sensação esquisita de constante desencontro, é uma indecisão que ocupa um espaço desnecessário em meu peito. É como não se reconhecer mesmo olhando no espelho, é como sufocar com suspiros de angústia em meio a um mar de desespero. É como achar que ninguém te entende, nem no silêncio e nem na constante bagunça que é minha existência. 


Essa semana foi complicada, além de toda bagunça no meu trabalho, em São Paulo uma quadrilha homofóbica anda colocando em risco a vida de jovens, isso não foi só essa semana, mas essa semana alguém morreu. Como se não bastasse, em nosso país o congresso quer legislar a favor do estuprador. Vocês tem noção de quantas crianças são vítimas de uma violência e não reconhecem os sinais de uma gravidez…?

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, Minhas Crônicas, Opinião, silêncio

Detalhes ínfimos

ínfimos: Excessivamente pequeno; diminuto; diz-se do tamanho, dimensão, força, quantidade, volume ou peso muito pequeno

Não existe nada pior do que cheiro de saudade, respirar em meio a certeza de que nada vai dar certo, era assim que se sentia, respirar era como retirar pedras atoladas do pulmão, dói, é tudo tão desesperador que se demora a entender que aquele é de fato o fático fim, chorar não adianta, gritar também não, você não consegue se esconder porque em todos os lugares tudo te lembra dessa dor eminente que se alojou em seu peito e te faz sentir como em um desmoronamento. 

Você viu os sinais de que tudo iria desabar, primeiro viu as rachaduras, depois o rastro de terra nos cantos das paredes, mas se sentiu paralisado e apenas assistiu a tudo ruir, tentou manter os olhos fechados, mas era impossível, o barulho, os gritos, o desespero e o cheiro de terra molhada invadiram seus sentidos e te sufocaram, era como ter uma vida inteira passando diante dos seus olhos enquanto tentava buscar por ar. Era difícil ver o mundo se esvaindo diante dos seus olhos, era difícil ver um mundo de amor ser transformado em saudade. 

Amar sempre foi um verbo conjugado de forma tão plural por você, amava a ilusão que construiu, tudo era estável, tinha para onde fugir mas sempre tinha para onde voltar. Amava a confusão, o barulho e as certezas de que tudo sempre ficaria bem, às vezes desejava silêncio, mas ainda assim, mesmo nesses momentos amava estar por ali, em meio a toda confusão que te tirava o ar e arrancava risos de desespero. Essa era sua vida, era uma boa vida. 

Você que sempre soube o que era amor, que sempre soube ser abrigo, agora não sabia como agir, era uma chuva torrencial que inundava seu peito com uma única certeza, nada iria restar e se sentir dessa forma era uma sensação desesperadora, de quem perdeu tudo e agora precisava de ajuda para recomeçar a catar seus pedaços pelo meio do caminho.

Depois de tantos risos ao pé do ouvido, depois das noites mal dormidas, e de todas as histórias construídas, tudo que vai restar é uma saudade vazia. Uma saudade que começou a ser construída antes do ponto final, uma saudade construída no meio de um parágrafo repleto de situações inusitadas. 

O silêncio que você tanto buscava, foi tudo que restou, mas ele foi reconfortante, o silêncio era perverso, torturante e angustiante, ficar sozinho e imaginar os milhares de finais era desesperador. Pensar que aquele silêncio pode se tornar definitivo e aquela voz tão conhecida que te acompanhou por anos pode finalmente cansar e descansar, era inevitável, no início ela tentou se fazer presente, esconder o desespero de não conseguir saber o que falar, o que deixar, mas depois tudo deu lugar a um pranto contido que se tornou um desespero dolorido, que ansiava por um tempo que sabia que não tinha. 

Não havia nada que pudesse fazer para sanar aquelas lágrimas ou para parar o tempo, não havia um ritmo a ser seguido, e todos os dias te lembravam de que não havia tempo a ser perdido, ele não parava e levava aos poucos um pedaço da sua história, não havia nada a ser desfeito e só restava esperar, esperar e desfazer seu pranto enquanto acalenta em seus braços os soluços sôfregos de quem já te deu tanto amor, sente a fragilidade daquele coração que tinha um ritmo tão peculiar de te encantar e mover seu mundo. 

Não há como nada ficar bem, não há… E constatar isso era a pior coisa a ser feita, não havia esperança, conforto ou afeto, havia apenas mágoa, dor e sofrimento. Era tudo tão latente e aumentava conforme o ponteiro do relógio findava, em um primeiro momento você achou que dava conta, abraçou o mundo como sempre fazia, se concentrou em não se concentrar na dor, ela existia, mas você não queria lembrar. Depois ficou impossível disfarçar e dar respostas prontas, a mente vagava e te roubava as palavras. 

As lembranças antes esquecidas invadiam seus dias, o cheiro do alvorecer e o medo do amanhã passaram a ter fazer companhia até mesmo nos momentos mais ínfimos, era uma lembrança constante de que tudo que restava era isso, um porta retrato sem cheiro, sem toque e quebrado. A saudade passou a ser uma amiga constante, não era confortável olhar para trás e observar todos os erros, acertos e afagos, na verdade era torturante, era desesperador sentir saudade do que ainda se tinha, mas sabia que iria perder.

Você se engasgava constantemente pensando em tudo que poderia ser feito e desfeito, se havia ou não tempo, tudo é tão subjetivo que te paralisa, não há como voltar no tempo, não há como parar o tempo, não há possibilidades, não há nada a não ser a estranha certeza de que qualquer coisa seria melhor do que o que estava acontecendo, você se culpava por isso, mas já carregava tanta culpa que essa era só mais uma …

Respirar é como se despedir segundo a segundo de quem nós somos, é como gritar em desespero em um navio que afunda. Eu sei, às vezes te falta ar, te falta ânimo para falar sem se engasgar com o ar que te sufoca, mas você continua porque sabe que se desistir vai ser pior, você sente medo do fim, mas sente mais medo do que vai acontecer depois do fim, depois que toda a tempestade passar, depois que a água que te sufoca baixar e você contabilizar o estrago…

Depois de tudo, tudo que vai restar é a estranha saudade, o constante desespero de não saber como continuar e a certeza de que você vai finalmente poder se consolar sem sentir culpa.

Amor, Ansiedade, cartas, Crônica, depressão, escolhas, Minhas Crônicas, Opinião, Preconceito, silêncio, Violência

Doação involuntária

No mês do orgulho, dedico esse texto para todos que se sentem presos de alguma forma.

Tem pessoas que doam dinheiro, outras doam amor, tempo, paciência e você doou tudo que podia para fazer parte de algo que não te cabia.

Você escutou durante tanto tempo que não cabia nos lugares e ainda assim queria continuar a tentar caber, seus sonhos não cabiam ali, e por isso você aos poucos foi se esquecendo deles, sorria quando riam dos seus sonhos, foi se desfazendo deles pouco a pouco até não restar mais nada. 

Eu não sei se é possível viver sem sonhos, mas para você bastava caber ali naquele espaço que tudo já era suficiente, esse era seu sonho, caber ali naquele lugar tão irregular e desproporcional, por isso tentou, por isso se despedaçou até caber naquela forma tão desconfortável. 

Quando sua forma de agir passou a também não caber, aos poucos foi se aprisionando, podando seus gestos, sua voz, sua forma de existir. Foi se moldando para ainda assim caber naquele lugar apertado, você era maior do que aquele espaço frio e repleto de solidão. 

Foi doando cada parte sua para caber em um espaço que só te fazia chorar, era como ser um passarinho dentro de uma gaiola, passou a ver o mundo pelas grades, passou a retrair suas asas e a falar só o que queriam ouvir, era domesticado e não se importava com isso, aos poucos foram arrancando suas penas, uma a uma elas iam embora enquanto suas lágrimas caiam e ninguém parecia ligar. 

Todos pareciam gostar do que estava se tornando, olhavam para dentro da gaiola e sorriam, você se sentia desnudo diante a tantos olhares, eles jogavam migalhas como recompensa, no começo achou ser suficiente, mas depois, depois elas foram se tornando tão escassas quanto a satisfação em as receber. Um enorme vazio tomava conta de você, a liberdade era convidativa, mas se aprisionou de tantas formas que o mundo do lado de fora da gaiola passou a também não te caber.

A sensação de que não cabia em nenhum lugar passou a fazer parte de quem havia se tornado, então ficava na gaiola, se sentia preso mesmo quando as portas estavam abertas, não importa o que fazia e nem por quem fazia, sempre queriam mais, queriam seus sorrisos, seu apoio, sua boa vontade em ser quem não era, não era desejado ali, mas ainda assim não iriam te expulsar porque no fundo eles precisam te usar, até não ter mais serventia, precisam te fazer útil mesmo te lembrando todos os dias da sua ineficiência em se adequar a aquele espaço.

Como todo passarinho você também sentia falta de um lugar quente, de alguém que entendesse o seu choro triste em meio às conversas, de voar para outros lugares, mas tinha medo e tudo que te restava era olhar para o chão e só ver sua finitude caindo, não tinha como esconder, todos percebiam e se você já não cabia lá antes, agora então é que tudo passou a ser um completo desencaixe. 

O choro latente que invade sua garganta fez com que te jogassem para longe daquele lugar, sua melancolia crescente era um convite a solidão, não tinha para onde ir, não tinha onde ficar, era uma peça quebrada em um brinquedo de encaixe, tentou lançar sorrisos falsos para se convencer de que tudo ficaria bem, mas nada ficaria, não se reconhecia havia se perdido de si mesmo a tanto tempo que não se entendia. 

Parecia que o choro latente que durante tanto tempo estava guardado resolvia sair em meio a tantas mágoas pelo recém abandono, a gaiola estava quebrada assim como suas asas, seu corpo doía por todas as penas arrancadas, sua voz não saia, e tudo que conseguia era desesperadamente tentar entender os motivos de terem o jogado para fora, você se esforçou tanto para caber, para se encaixar, deu tanto de si, amou mesmo os que te fizeram chorar, sorriu quando só queria se esconder, e ainda assim isso não bastou…

Depois disso, tudo que você queria era juntar seus pedaços e se recolher em um lugar onde ninguém te machucasse, foi se afastando de quem se aproximava, sua voz antes tão dócil se tornava áspera diante a qualquer ameaça de introdução no seu espaço, não queria se permitir machucar novamente, ainda doía e parecia que não iria passar tão cedo, andar por lugares desconhecidos ainda era como pisar em cacos de vidro, não sabia voar para os lugares que queria conhecer, parecia que ninguém era suficientemente treinado para te ouvir. 

Manter diálogos era torturante, não tinha ânimo para falar com pessoas que deduzia que iriam embora na primeira oportunidade, não importava se elas demonstram querer ajudar catando suas penas, era difícil acreditar, não queria ficar perto dessas pessoas, não queria acreditar que elas estavam ali por você quando nem mesmo você estava. 

Então você sentiu, sentiu um toque no canto dos seus olhos, tentou forçar sua visão para entender o que acontecia, você não conseguiu expulsar todos, um riso contido se fez presente, tentou entender o que acontecia e percebeu que o riso era seu, se sentiu culpado pela própria felicidade, mesmo que ela fosse irrisória diante a tanta dor. A culpa também passou a ser sua companheira constante, quanto mais perto as pessoas chegavam mais distante você queria ficar. 

Sentia culpa por não conseguir caber dentro daquele espaço, sentia culpa por não se reconhecer, sentia culpa por não ter um lugar para ir e nem para onde voltar, sua culpa é tão intensa que ela não te deixava sentir nada além da dor de não poder construir novas relações, se sentia tão incompleto, tão inacabado que tudo que sentia era culpa por não ser suficiente para permanecer ali com aquelas pessoas… 

Não importa o quão suficiente seja, você nunca vai caber em lugar algum, nunca vai ser o esperado ou o desejado, mas não é só você, ninguém vai ser. Se permita ter ajuda na hora de juntar seus pedaços e construir um novo espaço, onde caiba você por inteiro e não só aos pedaços, conte seus sonhos mesmo que eles pareçam bobos, ouça sua voz mesmo que digam que você fala desimportâncias. Escute o seu silêncio e cresça com ele, você não está sozinho, há sempre alguém que pode escutar seu piar de lamentação e que vai te fazer sentir em casa em meio a um abraço quente.