
Alguém já parou para pensar no significado dessa palavra, Namastê? É uma saudação, utilizada para agradecer e pedir, comum entre os praticantes do budismo, a expressão é utilizada para demonstrar respeito, para saudar o outro, geralmente é acompanhada pelo gesto (mudra) de juntar as palmas das mãos em forma de oração, colocando-as no centro do peito.
Muitas vezes não é necessário, uma única palavra, para acompanhar esse gesto, todo o significado já se encontra enraizado ali:
‘’O Deus que habita no meu coração, saúda o Deus que habita no seu coração”.
Serei sincera, quando no meio de todo esse caos eu me deparei com a notícia do atentado, eu fiquei sem palavras, um homem armado atira e mata pessoas em uma boate latino-americana LGBT, eu fiquei realmente sem palavras certas para escrever alguma coisa, não me senti apta a isso. Para uma pessoa que ama escrever, ficar sem palavras é frustrante.
Sabe aquela sensação de agonia, aquela que parece que você engoliu um tomate inteiro? Então essa foi minha sensação.
Sabem porque pessoas procuram boates LGBTTTIS (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, intersexuais e simpatizantes)? Pelo simples fato de se sentirem seguras dentro desse local. Elas fogem para esses locais para fugir do Machismo, do Sexismo, da Homofobia… Elas vão a esses locais para poderem ser quem são, longe dos olhares criteriosos de outrem.
Segunda passada, quando eu fui assistir ao filme X-MEN e vi aqueles dois meninos fofos que nitidamente se amavam e não ”podiam” demonstrar seu amor se não no escuro do cinema, eu fiquei com um bolo em minha garganta, era esse tomate começando a ganhar forma. Eu não sei viver amor sem demonstra-lo e eu me senti impotente, aquilo era uma prisão sem grades, onde você se torna vigia de seus próprios atos e em algum momento você pode ser repreendido por isso.
Como se amar fosse crime, como se ser livre fosse prisão, como se a segurança fosse insegurança.
Insegurança. Eu conheço essa palavra no momento em que presto atenção na hora para voltar para casa, na minha roupa, na minha maquiagem. Também reconheço a insegurança quando peço para meus amigos e amigas me avisarem quando chegam em casa, seja pelo local que moram, por serem gays, negros ou por serem mulheres…
Quando você tem insegurança, você não consegue não se vê nas páginas policias, seja na moça que foi violentada, morta e esquecida em algum matagal, no menino que mal viveu a vida e foi morto por viver um amor ou no rapaz que foi morto por morar na Favela e ser tornar suspeito por sua cor. Você se reconhece e reconhece outros ali, como se todos estivéssemos inseguros. Na verdade estamos.
Eu sinto. Eu senti a dor daquela mãe ao receber a última mensagem de seu filho, a dor do rapaz que percebeu seu melhor amigo morto ao seu lado, a dor do filho que tevê seu corpo protegido por sua mãe, a dor do irmão, do pai, dos amigos. Poderia ser qualquer pessoa que eu amo ali. É como se toda essa dor estivesse entalada, essas pessoas morreram amando, por um crime de ódio.
Acho preocupante quando começam a questionar sobre a legalização de armas, em legalizar o uso de armas em locais com bebida alcoólica, em dizer que se a vítima estivesse armada ela estaria viva. Sabem o que esse discurso significa? Ele é uma fuga, além de culpar a vítima ele diz que a violência se resolve com violência, esse discurso esconde completamente que esse crime foi um crime de ódio, contra uma comunidade e que armar pessoas não iria evitar que esse crime acontecesse.
Centenas de pessoas são feridas diariamente pela homofobia, não é preciso armas, elas ferem com socos, chutes, barras de ferro, palavras.
Essa violência decorre em qualquer lugar, em igrejas, nas escolas, nas boates, na rua, em casa. Centenas de jovens são expulsos de casa por sua orientação sexual.
Centenas de pessoas são condenadas por amarem.
O pai do atirador afirmou que o filho sentia repulsa ao ver duas pessoas do mesmo sexo se beijando, então não importa se o governo e/ou a mídia americana te dizem que o cara era um muçulmano, isso não significa nada, ele era um homem americano, investigado, homofóbico, que comprou uma arma. A religião dele era o menor dos problemas, quando a tornam maior, só significa que estão direcionando o ódio a uma nova coisa: à religião muçulmana e consequentemente aos imigrantes.
Dessa forma tornam um crime de homofobia um crime político e religioso. Por falar em religião, muitos religiosos se pronunciaram eu sinceramente preferiria que os mesmos continuassem calados.
Religião, desde os meus 17 anos que não tenho uma religião específica, sou uma pessoa de muitos credos, tenho Fé, mas não curto muito os templos. Prefiro dizer que sigo o amor, o que eu penso não poderá jamais se sobrepor ao que os outros pensam. Não somos maiores que ninguém, somos feitos com os mesmos componentes orgânicos. Somos iguais. Mas o que nos torna diferentes?
A nossa sociedade se agrupa por características comuns, dessa forma monta-se grupos que se assemelham em alguns interesses. Assim sendo quando o desconhecido é apresentado a esses grupos, são impostos a eles olhares criteriosos e selecionadores, impondo uma característica que estigmatiza, rotula e que confirma a anormalidade de uns e a normalidade de outros. (Goffman,1981).
Não existe nada que nos torne melhores do que os outros, na verdade quanto mais frisamos e impomos que somos diferentes,superiores, mais nos tornamos piores, estamos apontando um gatilho para alguém. Nós somos culpados, nós selecionamos, nós julgamos, condenamos, impomos regras para as pessoas viverem.
Nesse momento, somos produtos e produtores. Estamos num ciclo. A sociedade nasce das interações entre indivíduos, mas com sua cultura, com seu saber, ela retroage sobre os indivíduos e os produz para se tornarem indivíduos humanos. O fenômeno de produto-produtor é um fenômeno constante. (MORIN, 1999 :28)
Não existe certo ou errado, simplesmente pelo fato de que a condição de normalidade é algo imposto pelo ser-humano, portanto todos somos e estamos certos e ao mesmo tempo errados. Dizer que alguém é um erro é algo completamente desumano, e sinceramente, dizer que alguém não merece viver, ser feliz, porque isso ofenderia ao seu Deus, a sua religião, é a coisa mais cruel que poderia sair da boca de alguém. Se se acredita em um Deus de amor, como os praticantes de uma determinada religião que se utiliza desse Deus podem ter tanto ódio?
Quando eu aprendi o significado de Namastê eu passei a entender que devemos ser gratos de alguma forma ao Universo, sermos gratos por aquele atentado ter nos mostrado que mesmo em meio a todo aquele ódio existe amor, sermos gratos por nosso amadurecimento em compreender que o “eu” não existe e sim o “Nós”, sermos gratos por cada pessoa que ensina seus filhos que as pessoas devem amar e respeitar seus semelhantes, sermos gratos por cada lágrimas que derramamos e por isso nos ensinar que devemos lutar para que as pessoas possam se amar sem barreiras, sem prisões, sem ser no escuro do cinema, para que possam se amar em qualquer lugar, sem medo e sem pressa.
Deixe o amor voar, deixe-o ser livre, na boca, nas mãos, nos toques sem censura. Quero amor por todos os lados, por todos os cantos.
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GOFFMAN Erving. Estigmas – Notas sobre manipulação de identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogar, 1988
MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In. Alfredo Pena-Veja, Elimar Pinheiro do Nascimento (Org.), O Pensar Complexo – Edgar e a crise da modernidade – Rio de Janeiro, Garamond, 1999.
Assistir X-MEN é sempre interessante, você nunca sabe o que te espera, eu prefiro começar esse texto não sabendo sobre como vou falar do filme. Começo dizendo que essa não era a minha primeira opção, mas a sala que exibiria Warcraft estava quebrada então X-MEN era o que tinha para hoje.